segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Lição ética da crise econômica mundial

Lição ética da crise econômica mundial

J. B. Libanio -
Teólogo, escritor e professor; padre jesuíta - jblibanio@faculdadejesuita.edu.br

Os analistas econômicos se debruçam sobre as causas econômicas e origens próximas e remotas da terrível crise econômica que se abate sobre o sistema neoliberal. Deixemo-las para os especialistas do métier. O olhar ético descobre outro tipo de causas que não negam nem concorrem com as anteriores, mas transportam-nos para outro campo de reflexão. O cassino eletrônico das bolsas, em que reinavam a ganância sem limite, a esperteza solerte, a rapidez das jogadas, a falta de escrúpulo, a ousadia, a confiança no próprio poder de dobrar qualquer Estado, armou a crise por que estamos a passar. Na origem está o absoluto desprezo pela ética econômica. Só o lucro, o puro e ilimitado lucro, pairava no horizonte das jogadas econômicas. Esse jogo furibundo tragou aposentadorias, economias sofridas, pequenos capitais de empreendedores sérios por força da jogada irresponsável de bancos que ainda receberam do Estado ajudas gigantescas para evitar maior catástrofe para o sistema. Eles fizeram milhões de pessoas acreditarem na verdade e na validez do jogo financeiro, conduzindo-as a situações desastrosas.

Saltava-se euforicamente de bolsa em bolsa à cata de rescaldos lucrativos. O engodo propagandístico, ao veicular dogmaticamente as verdades neoliberais com soberano desprezo de qualquer crítica, fomentou a jogatina desvairada. A mínima noção de ética social sofre arrepios diante da brutalidade inescrupulosa do sistema neoliberal. Não se trata de confessar que se errou, como autoridades financeiras o fizeram. Está em questão a estrutura mesma do sistema que possibilita e alimenta tais desvarios morais. Hora de reflexão ética. A pergunta importante não se volta para os pecados do passado, mas para que sociedade construíremos onde vigorem outras regras do mercado. Terrível se a lição for simplesmente a de que aconteceu mera crise sazonal do capitalismo. E, passada a mesma, o neoliberalismo sairá végeto para continuar a mesma trilha gloriosa de exploração e de surdez ética. O grave do desenrolar do atual sistema assenta na crescente exclusão e na concentração sempre maior de riquezas em reduzidos grupos dos países centrais e de seus asseclas.

E o desfecho técnico da atual crise não aponta para nenhum caminho que inverta tal processo. Antes se teme que a concentração de renda aumente para obviar os prejuízos. A ética aponta para uma economia de transparência para que os cidadãos normais não caiam tão facilmente na esparrela da jogatina financeira e tenham condições de controlar os investimentos, o uso social do dinheiro, a natureza de sua circulação. E, sem cair no ranço do socialismo real, cabe ao Estado democrático redescobrir a vocação social própria de regente da orquestra econômica em prol das amplas camadas da sociedade e não simples guardião e salvador dos poderosos, como o está a fazer no momento.

Fonte: Jornal O Tempo

Publicado em: 09/11/2008

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