A partir de oito temas oriundos da parceria inédita entre o instrumentista e compositor norte-americano Philip Glass e o grupo instrumental mineiro Uakti, o coreógrafo Rodrigo Pederneiras desvencilha-se, pela primeira vez, do rigor formal que marca suas criações, para construir uma obra despojada, em que a partitura de movimentos emerge como uma série de esboços, apontamentos ou estudos para uma coreografia. Inacabados, na aparência, mas irretocáveis pela genialidade da forma. Como em uma pintura contemporânea, em que as correções podem ser incorporadas ao resultado final, os movimentos dos bailarinos do Grupo Corpo sucedem-se em variações, que vão da estética "suja" própria dos ensaios a um primoroso acabamento formal. Nesse sentido, 7 ou 8 Peças para um Ballet , que teve sua estréia em 1994, propõe mais do que vaticina. O componente obsessivo, frio e exato dos temas, especialmente criados para o balé pelo ícone maior da música minimalista norte-americana, leva Pederneiras a orquestrar repetições de movimentos que beiram o automatismo, executados, no mais das vezes, em solo, em contraposição a movimentos orgânicos de grupo, carregados da sensual latinidade intrínseca à sonoridade única produzida pelo Uakti. O cenário de Fernando Velloso e os figurinos de Freusa Zechmeister buscam, nos primórdios da corrente minimalista da pintura americana, a inspiração para as listras em verde, azul e tons de amarelo, que dão identidade visual ao espetáculo, enquanto o branco reina absoluto na iluminação de Paulo Pederneiras.
BENGUELÊ (1998)
Coreografia: Rodrigo Pederneiras
Música: João Bosco
Cenografia: Fernando Velloso e Paulo Pederneiras
Figurino: Freuza Zechmeister
Iluminação: Paulo Pederneiras
Gestos e seqüências da capoeira, das danças de festas de São João ou dos congados fazem parte do universo de Benguelê . Incorporados à dança contemporânea, esses movimentos ganham novas dinâmicas e intensidades. Ao som da trilha de João Bosco , que acomoda de Debussy à música árabe , Rodrigo Pederneiras cria sua dança nesse universo popular de raízes marcadamente negras. O cenário é parte importante nessa coreografia e, juntamente com a luz, multiplica o palco em vários planos, que a dança acentua, com os corpos cruzando, muitas vezes, a cena. No alto, ao longe, essas figuras por vezes adquirem novas formas – por exemplo, um grupo de mulheres "aranhas" faz fundo a um solo de "capoeira", na parte de baixo; os corpos, envergados sobre si mesmos, caminham lentamente ao som da batida da música, enquanto, na parte baixa, várias seqüências marcam a melodia. Benguelê e suas infinitas "caminhadas" evocam uma organicidade inspirada na movimentação popular brasileira. Os gestos têm elasticidade e continuidade, que permitem a visualização das linhas no espaço e criam uma tensão, que é resultante, também, do encadeamento preciso dos movimentos com a música. A dança, nesse caso, tem uma presença que evoca um passado vivo.
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