segunda-feira, 5 de maio de 2008

Educar e aprender, em que tempos?

Educar e aprender, em que tempos?

"Nada é mais perigoso que uma idéia, se você tem apenas uma"
(anônimo)

Vivemos uma "revolução silenciosa" na educação. Pari passo, e sem nenhum alarde público, as escolas recebem ordens administrativas para mudar grades curriculares, para trocar língua espanhola por língua inglesa, para agrupar turmas, para prever em seus calendários letivos nenhum dia além de segunda a sexta-feira. São avisadas de que, a qualquer hora, podem sofrer fiscalização administrativa e pedagógica. Sem anúncios, determinou-se que há um tempo para aprender: todas as manhãs, tardes e noites de todos os dias da semana, menos sábado e domingo.

É incrível e lamentável que alguém ouse determinar o tempo para educar e aprender. A legislação educacional brasileira, a mesma que assegura a autonomia das escolas, prevê que até o período de férias escolares seja levado em consideração para a aprendizagem dos educandos. Logo após o término das férias escolares, podem as escolas sondar a aprendizagem de alunos para considerá-los, ou não, aptos para avançar para outra série.

A criatividade e autonomia pedagógica das escolas flexibiliza o trabalho do educador e amplia as possibilidades do ensinar e do aprender dos educandos. Sair da sala-de-aula para realizar visitas em feiras, fazer pesquisas, aprender música ou teatro, participar de eventos, sempre enriquece a compreensão de mundo dos educandos e educa para a cidadania. Por sua vez, gera novos desafios para o planejamento do educador. Atividades extra-curriculares constituem-se, na maioria das vezes, nos melhores dias letivos das escolas. E as atividades da comunidade, ou atividades nas quais as escolas historicamente se envolveram, e que são boas oportunidades de aprendizagem, nem sempre acontecem de segunda a sexta-feira. São realizadas nos sábados e domingos, nem sempre nos turnos e dias em que escola está organizada para funcionar.

Sala-de-aula, professor e aluno são elementos por si só insuficientes para construir as possibilidades de aprendizagem que nossos estudantes necessitam para uma boa inserção social no mundo de hoje. Sem apoio pedagógico, sem o apoio de boas bibliotecas, de bons laboratórios de informática, de projetos pedagógicos, de gente para trabalhar no apoio, restam apenas conteúdos a ser ensinados, e poucas possibilidades para desenvolver e despertar habilidades. Habilidades de leitura, compreensão e interpretação de mundo, para uma melhor intervenção nele.

Buscar padronização e organização administrativa das escolas estaduais é uma coisa. "Relativizar a autonomia" pedagógica das escolas, é outra coisa com a qual não podemos concordar. O certo é que encaminhamentos administrativos anulam as possibilidades pedagógicas capazes de criar quaisquer diferenciais na educação.

Alguém sabe qual é a escola que querem construir? Que referenciais políticos e pedagógicos orientam os encaminhamentos administrativos, que chegam para acabar com as possibilidades de autonomia que ainda resta às escolas? Será o fim da escola pública? Destruir a autonomia das escolas é interferir diretamente no trabalho do educador. Acabar com a autonomia do educador não é também acabar com sua dignidade?

"Eu tenho um sonho", disse Martin Luther King. E nós, educadores e educadoras, resistimos sonhando e lutando. "Educar é nossa vida. Lutar é nossa atitude". Educação pública e de qualidade nós sabemos e queremos fazer, mas precisamos de meios, estímulos, condições e liberdade para criar. Se assim não pode ser, o que então será? Se alguém souber, favor responda.

Nei Alberto Pies, professor e militante de direitos humanos.

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