quinta-feira, 16 de outubro de 2008

A Fome dos Bancos

A Fome dos Bancos

No dia mundial da alimentação

Dia mundial da alimentação. Dia em que quase um bilhão de pessoas no mundo terão apenas mais um dia de fome. Dia em que mais de oitocentos milhões de automóveis estarão poluindo a atmosfera e ampliando o “buraco” na camada de ozônio e o aquecimento global. Os tanques cheios e as barrigas vazias talvez melhor simbolizem a crueldade de um mundo no rumo da destruição.
Os bancos decretaram que estão doentes. Alguns agonizando. A economia mundial entrou em pânico. Solicitamente os governos dos países ricos correram em seu auxilio, com o único remédio disponível, o dinheiro do povo. Ironicamente um dos maiores tentáculos do polvo capitalista, o Banco Mundial, pede atenção especial para que a crise não afete ainda mais os pobres.
Hoje os presidentes dos 27 países da União Européia reúnem-se aqui em Bruxelas, para juntos definirem as medidas urgentes para salvar o sistema financeiro da grave crise deflagrada.
Os Guarani e a fome
Enquanto Avá Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul passa por Paris ali próximo estão reunidos os presidentes de 15 países da União Européia. Um domingo. Dia da criança e para nós lá no Brasil da padroeira N. S. Aparecida. Os presidentes decidem prontamente pelo socorro de bilhões de euros para socorrer o sistema financeiro, ou melhor, alimentar fartamente seus bancos, que se diziam agonizando de fome.
Chegando em Bruxelas, Avá visita representantes da União Européia. A eles explica a causa de tantas mortes de seu povo. As mortes de tantas crianças por desnutrição, o suicídio de tantos jovens por falta de perspectivas, a angustia de tantos pais e mães de família diante do choro de seus filhos com fome sem ter o que comer, o assassinato de lideranças que lutam pelos seus tekoha - terras tradicionais -, os homicídios por conflitos nos confinamentos, as centenas de Guarani nas prisões da região, um massacre que ou é fartamente denunciado pelos defensores de direitos, ou anunciado pelos meios de comunicação, ou fica no silêncio dos barracos e corações.
Avá Apykaverá e amigos, percorrem as ruas da cidade para conversar e debater com estudantes nas universidades, com trabalhadores rurais e das cidades, com ambientalistas e lutadores sociais, com autoridades e cientistas. Oportunidade para não apenas falar dos sofrimentos e lutas, mas principalmente dizer da disposição de ajudar com seus valores e sabedoria para construir um Brasil e um mundo melhor.

Destruíram nosso supermercado
Uma das questões que Avá tem ressaltado em suas falas é a grande tristeza por terem destruído tanto a terra, a mata, os animais, os peixes, enfim, tudo que era parte essencial de sua alimentação natural. “Destruíram nosso supermercado que eram as florestas. Hoje vivemos de alimentos com produtos químicos, pobres, que vem na sexta básica, na maioria das vezes. Quase não comemos mais carne. A comida de uma sexta básica mal dá para alguns dias. É tipo um lanche.” Dessa forma desabafa sobre a triste realidade de carência e dependência em que se transformou a maior parte dos mais de 40 mil Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul. “Nosso supermercado foi destruído pelo governo. Nosso supermercado foi trocado pela Colônia Agrícola. Nosso supermercado foi trocado pela erva mate, depois pelo gado e soja. E agora está sendo trocado pela cana e o etanol”.
Fome de solidariedade e luta
Nesta véspera do dia mundial da alimentação, quando os movimentos sociais, e particularmente os do campo, os trabalhadores rurais que são a metade da população que passa fome no mundo hoje, estarão fazendo mobilizações, Avá também fará seu protesto e diálogo em Bruxelas, sede da União Européia. Irá com outros ativistas sociais protestar contra a fome e violência a que está submetido seu povo, pedindo a demarcação o mais urgentemente possível das terras Guarani. “Só com terra poderemos novamente ter liberdade, alegria e fartura”, declarou Avá em diversos momentos.
No documento que será entregue ao Embaixador do Brasil ou representantes da missão Brasileira em Bruxelas, os signatários a partir de uma Campanha Internacional articulada pela FIAN, dirão na carta endereçada ao presidente Lula “a FIAN Internacional encontra-se preocupada pela situação vivida pelos povos indígenas Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, no Brasil. Os Guarani Kaiowá são hoje vítimas de um verdadeiro genocídio....Tendo em conta os assassinatos, a fome e a desnutrição, e tendo em conta as obrigações internacionais do Governo Brasileiro, nós solicitamos que V. Excelência tome todas as medidas necessárias para:
-Concluir a identificação e demarcação dos territórios Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, sem delongas, como definido pelo Termo de Ajustamento de Conduta expedido pelo Ministério Público.
- Proteger os Direitos e as vidas dos povos indígenas, durante todo o processo, com especial atenção a coibir a violência, a intimidação, a discriminação, a criminalização, a fome e a desnutrição, de maneira a evitar novas violações e mortes preveníveis, pelas quais o Estado Brasileiro pode ser responsabilizado”.

Bruxelas, Bélgica, 15 de outubro de 2008
POR Egon Heck, Avá Apykaverá, Jonia Rodrigues

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