segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Desencanto e passividade dos eleitores

Desencanto e passividade dos eleitores

por Michelle Amaral da Silva — Última modificação 25/09/2008

Em entrevista, os professores Sérgio Trein e Osvaldo Biz analisam o desencanto com as próximas eleições e refletem acerca do desenvolvimento político brasileiro que nos levou a esse cenário.
Em entrevista, os professores Sérgio Trein e Osvaldo Biz analisam o desencanto com as próximas eleições e refletem acerca do desenvolvimento político brasileiro que nos levou a esse cenário.

IHU On-Line

O cenário político brasileiro, desde o fim da ditadura militar, tem passado por profundas e constantes transformações. Muitas delas estão ligadas a esquemas de corrupção e gestões que não priorizaram o desejo do povo brasileiro. O resultado disso pode ser visto durante a atual campanha eleitoral, onde o engajamento político é bastante pequeno e o desencanto com a política é grande. Em entrevista, os professores Sérgio Trein e Osvaldo Biz analisam o tema. Para Trein, a grande razão consiste no “afastamento das pessoas em relação à política”. É por isso, explica ele, que “a grande maioria da população não lembra em que votou nas últimas eleições, e, se lembra, não sabe o que o seu candidato está fazendo, não freqüenta os espaços públicos e políticos, e vai acompanhando os fatos políticos com pouca informação”. Biz diz que o desencanto se deve mesmo a “um conjunto de fatores que transcendem o momento presente”, isso porque, “no passado, havia mais clareza sobre o que era um partido de esquerda ou de direita”, mas hoje “dezenas e dezenas de partidos desapareceram ou se uniram a outros para continuarem na atividade política”.

Sérgio Trein é graduado em Publicidade e Propaganda, pela PUCRS. É mestre, doutorando em Comunicação Social pela mesma universidade, e, atualmente, professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing e da Unisinos. Trabalha com temas como o marketing político e comunicação política.

Osvaldo Biz é bacharel em Geografia e História, pela Faculdade Salesiana. É graduado em Filosofia, pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Imaculada Conceição, e em Jornalismo, pela PUCRS, onde também especializou-se em cultura brasileira e em estudos sobre os problemas brasileiros. Também na PUCRS, fez o mestrado em História e doutorado em Comunicação Social e, hoje, atua nesta instituição como professor.

As eleições deste ano já não são tão vibrantes, em relação à movimentação dos militantes, como em outras eleições. Para o senhor, quais as razões desse desencanto?

Sérgio Trein – A primeira razão para isso é o próprio afastamento das pessoas em relação à política. A grande maioria da população não lembra em que votou nas últimas eleições, e, se lembra, não sabe o que o seu candidato está fazendo, não freqüenta os espaços públicos e políticos, e vai acompanhando os fatos políticos com pouca informação. Não bastasse tudo isso, os escândalos envolvendo os políticos acabam criando uma imagem negativa da política como um todo.

Osvaldo Biz – O desencanto dos militantes resulta de um conjunto de fatores que transcendem o momento presente. No passado, havia mais clareza sobre o que era um partido de esquerda ou de direita. Por exemplo, no período do regime militar, aqueles cidadãos que eram contra a ditadura se posicionavam ao lado do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Uma parcela maior da sociedade abrigava-se sob as asas da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), pois esta atitude representava a possibilidade de ocupar um cargo ou então fazer a defesa do sistema autoritário, baseado na necessidade de manter a ordem na Nação, sem riscos de badernas, greves, disputas pela posse da terra. Em outras palavras, a manutenção da estrutura colonial.

Hoje, existem variados partidos de direita, que sem ideologia nenhuma, sob várias siglas, lutam para vencer e se locupletar com os cargos. Temos também alguns partidos de esquerda, que se apresentam com poucos projetos diferenciados. Na realidade, os partidos são frágeis, surgem ao redor de líderes carismáticos, de cima para baixo, sem a participação dos cidadãos. Ou seja, do Império até o momento presente já aconteceram sete formações partidárias no Brasil. Dezenas e dezenas de partidos desapareceram ou se uniram a outros para continuarem na atividade política.

Como o senhor classifica a participação dos jovens na política atual?

Sérgio Trein – O engajamento dos jovens na política é algo que deveria ser mais incentivado. Não creio que a participação de candidatos jovens seja muito diferente dos pleitos anteriores. Penso que a grande modificação seja na participação dos jovens na militância dos candidatos. Alguns anos atrás, era comum ver os jovens nas esquinas, defendendo seus candidatos e seus partidos. Hoje isso mudou. E é natural que isso aconteça, porque o próprio processo eleitoral está pouco vibrante. Entretanto, os jovens são o futuro. Se eles se mantêm distantes da política, não haverá renovação

Osvaldo Biz – A participação dos jovens na política, de modo especial, nesse ano com a escolha dos prefeitos e vereadores é amorfa, desinteressada. Trabalho com centenas de alunos universitários e eu não percebo nenhum interesse em debater a conjuntura atual, a participação política. Nada está acontecendo. No dia 5 de outubro, se aproximarão da urna eletrônica e digitarão o número do candidato a prefeito e do candidato a vereador. Todo o período eleitoral de mais de 40 dias se concretiza em poucos segundos. O pior é quando há os que se aproximam com a “cola” juntada na rua, um pouco antes de votar. Na verdade, com a globalização, a política é feita pela mídia, tornando-se produto do marketing. Reina o individualismo e o consumismo, não a discussão sobre a prefeitura, o Estado ou a nação que queremos. Uma péssima contribuição, que é repassada aos jovens, diz respeito à corrupção que grassa impunemente. Daí o descrédito da política.

Podemos dizer que há um desencanto com a democracia?

Sérgio Trein – Eu não diria isso. Há uma falsa idéia de que em outros tempos era melhor. Mas, naqueles tempos, seria impossível fazer uma pergunta como essa. Nem sequer discutir questões específicas sobre política. Na realidade, o Brasil ainda está aprendendo a conviver com a democracia. O país tem mais de 500 anos, mas pouquíssimos anos de uma verdadeira democracia.

Osvaldo Biz – Não diria que há um desencanto com a democracia, mas com o modo como se faz política, como se administra o bem público que passa a ser privatizado. Acabou a distinção entre o público e o privado. Para muitos, ocupar cargos não representa um serviço para a nação, mas sim um modo de enriquecer. Por outro lado, o funcionamento da democracia não necessita da criação de tantos partidos, os quais não se distinguem pela ideologia. O candidato é produto do marketing. A política vira mercadoria. A amizade vira produto. Vale o individualismo. Temos o esvaziamento da política e o incentivo para o consumismo.

De que forma o senhor analisa as campanhas políticas que estão sendo veiculadas nas mídias?

Sérgio Trein – Eu vejo as campanhas políticas muito iguais, repetindo fórmulas utilizadas anteriormente em outras campanhas. A maior parte dos candidatos já trocou seus programas pelo menos uma vez. Isso é um sinal de que faltou planejamento, conhecimento de recepção e até mesmo falta de identidade com o candidato. Mas o principal problema, em minha opinião, ainda é a falta de programa político mesmo. Quase todos os candidatos falam de programas existentes em outros lugares; se pegaram em soluções imediatas, seguem o velho agendamento dos temas saúde e segurança. Parece-me que a própria política se distanciou da política. Em função disso, os programas eleitorais mais parecem comerciais de ofertas e de promoção do programa social mais em conta para o momento.

Osvaldo Biz – As campanhas políticas desse ano para a escolha do prefeito e vereadores são feitas pelas mídias impressas e eletrônicas. No caso dos vereadores, são tantos os candidatos que não é possível ouvi-los sobre temas cruciais do município. O tempo reservado para os candidatos a prefeito propor leis se resume em citar o próprio nome, possivelmente com a velocidade do som. Então, para marcar presença e despertar o eleitor o candidato liga seu nome com algum apelido ou tipo de trabalho. Temos, então, o “candidato do táxi”, “o da bala de goma”, “o fala fina”, o que imita a voz do Presidente Lula, do Martinho da Vila e se apresenta como Martinho da vida, e por aí... Muitos candidatos sabem, de antemão, que talvez recebam o próprio voto e o dos familiares. Mas o partido precisa completar a lista de seus candidatos. A porta de entrada fica, então, escancarada. É uma eleição caricata. Como, então, deveria se realizar uma atividade política? Em primeiro lugar: perceber a importância dos fenômenos políticos. Do momento que acontece essa descoberta, segue-se o interesse em conhecê-los e discuti-los. Daí, o terceiro elemento fundamental, traduzido no verbo interferir, ou seja, propor uma sociedade, na qual todos os brasileiros possam satisfazer suas necessidades básicas. Agir para que as decisões políticas reflitam os interesses da maioria da população. Essa interferência parte da decisão do eleitor em cobrar do seu partido e de seus candidatos a realização do projeto anunciado. Também, não pode ser desconhecida a presença da ética. A expressão melhor seria ética da política, em vez de ética na política, ou seja, é da essência da política a presença ética.

Fonte:http://www3.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/desencanto-e-passividade-dos-eleitores

0 Comments: