domingo, 6 de julho de 2008

Encontro debate segurança alimentar entre povos indígenas

Encontro debate segurança alimentar entre povos indígenas

Lúcia Sebe/Secom MG



Dom Mauro Morelli abriu I o Encontro Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de Povos Indígena
CARMÉSIA (04/07/08) - Tembi'u y porã, literalmente alimento bom, na linguagem de uma tribo indígena mexicana, traduzida magistralmente pelo presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais, dom Mauro Morelli, por "alimento de todos e para todos", deu o tom da abertura, nesta sexta-feira (4), do I Encontro Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de Povos Indígenas na Fazenda Guarani, na reserva indígena Pataxó, em Carmésia, no Vale do Aço. Reuniram-se para discutir e buscar soluções para a questão da fome e (des)nutrição entre os povos indígenas representantes de 12 nações que moram em território mineiro e um cacique tupiniquim-guarani, do Espírito Santo, mais representantes de órgãos de governo (dos níveis federal, estadual e municipal), de faculdades do Vale do Aço e de entidades ligadas à causa indigenista e de direitos humanos. O seminário é uma promoção do Consea e do Instituto Dom Luciano Mendes de Almeida.
Para dom Morelli, que repetiu exaustivamente a expressão, como um mantra, "segurança alimentar é a garantia de alimento de qualidade e na quantidade necessária para todos", Minas saiu na frente não só na realização desse encontro, o primeiro para debater a questão da fome entre os povos indígenas, mas também porque Minas foi o primeiro Estado brasileiro, é único ainda, "que reconheceu o direito sagrado ao alimento e tem um plano de resposta para a questão da fome". Ele anunciou que o próximo plano terá, certamente, um capítulo especial sobre as populações indígenas.
O cacique pataxó, Mesaque Hâpe, 24 anos, da aldeia Guarani, anfitriã do encontro, ressaltou a importância do seminário e falou dos adversários que enfrentam para resguardar a dignidade de seu povo, especialmente os problemas ambientais. Segundo ele, a desinformação dos povos indígenas é outro problema sério, o que os limita na luta pelos seus direitos.
Para Douglas Krenak, do Conselho dos Povos Indigenistas de Minas Gerais, "segurança alimentar para os povos indígenas é voltar a alimentação às origens, como era tradicionalmente em cada nação". Ele falou ainda sobre problemas ambientais, "que têm causado prejuízos enormes para nossos povos", lembrando, por exemplo, o sumiço da curvina no Rio Doce, que era fonte de alimentação dos indígenas da área de influência do rio, e que tem uma pedra na cabeça que era usada para curar problemas renais. "Sem o peixe na nossa alimentação, ficamos também sem o remédio usado para diluir pedras nos rins", contou ele.
Lider Jane Gomes, caxixó, de Martinho Campos, povo com cerca de 3 mil pessoas espalhadas no Estado, reclama das dificuldades que enfrentam por causa do pequeno espaço de terra que têm para plantar, cerca de 2 hectares. "Na aldeia, vivemos cerca de 90 pessoas em 28 casas", informa ela. Liderjane destacou ainda da importância do resgate da medicina tradicional indígena, como o uso de ervas, sem efeitos colaterais para a saúde.
Jaú Kukuru Kariri, cuja aldeia com 160 pessoas fica em Caldas, no Sul de Minas, originariamente de Alagoas, também falou das dificuldades que passam, especialmente por causa do clima frio, e da importância de parceiros para encontrar soluções para a crise de alimentos em que vivem, promovendo a adaptação da agricultura de subsistência ao clima da região.
A cacique Rosa Índia, pataxó da aldeia Imbiruçu, destacou a importância do encontro e de saírem dali com um documento que será entregue ao Consea na plenária desta segunda-feira, com o diagnóstico da situação de segurança alimentar e nutrição de todos os povos que habitam em Minas e com as possíveis soluções a serem encaminhadas aos órgãos competentes.
O indigenista Luciano Marcos da Silva, do Instituto Dom Luciano Mendes de Almeida, destacou a importância da "rede de amigos da causa indígena voltada a estimular a solidariedade", que tem mais de 560 pessoas, sendo 80% jovens que valorizam e vivenciam a cultura indígena e, nos centros urbanos, são multiplicadores desses valores.
Nações indígenas
São dez as nações indígenas que vivem em territórios mineiros: Pataxó, com cerca de 300 índios que vivem em Itapacerica e Carmésia, originários do Sul da Bahia; Xacriabá, que tem como referência São João das Missões, no Norte mineiro. São 7.500 índios; Kaxinó, cerca de 330 remanescentes que estão em Martinho Campos e Pompéu, no Vale do Rio Pará, lutando contra a destruição de sítios arqueológicos pré-coloniais em seu território; Krenak, cerca de 270 índios que vivem em Resplendor, no Vale do Rio Doce. São, em Minas, 32 famílias divididas em três aldeias; Maxakali, 1.360 índios que vivem em Bertópolis, Santa Helena de Minas, Ladainha e Pavão, esses dois últimos com 1.360 índios. Nessa nação, a desnutrição é resultado da degradação das terás, contaminação das águas e da adaptação de práticas tradicionais de caça, pesca e coleta de alimentos. O consumo de álcool agrava o quadro.
E mais: Aranã, que tem cerca de 250 índios em Araçuaí e Coronel Murta, cuja origem está ligada aos Botocudos. Pankaru tem como referência Coronel Murta, no Vale do Jequitinhonha, onde vivem cerca de 20 índios remanescentes; Xukuri-Kariri, originários de Alagoas, vivem em Caldas, no Sul de Minas; Mukurin, que vive em Martinho Campos, reconhecido recentemente; e Pataxó Hãhãhãe, em Campanário, e que luta pelo reconhecimento.
Educação, saúde e habitação para povos indígenas
Projetos já existentes no Governo mineiro em beneficio das populações indígenas, de modo a garantir sua qualidade de vida, poderão ser potencializados, segundo o Conselho de Segurança Alimentar (Consea). Douglas Krenak, da coordenação do Conselho dos Povos Indígenas de Minas Gerais, cita uma das ações que o Governo, por meio da Cohab e Secretaria de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (Sedru), está desenvolvendo. É a construção de casas destinadas aos índios em cerca de dez municípios com jurisdição indígena. "É um projeto que está em fase avançada, bem próximo da etapa de execução. Serão aproximadamente 5 mil casas que vão beneficiar e muito as populações indígenas".
Na área da saúde, o Estado tem avançado nas políticas destinadas a promover o atendimento digno aos povos das dez etnias. São diversos projetos voltados para a saúde bucal e mental indígena, capacitações e treinamentos, doações de equipamentos de informática e móveis.
Dados da Coordenadoria Estadual de Saúde Indígena mostram que o número de medicamentos específicos à realidade indígena distribuídos aumentou consideravelmente neste ano. O número passou de 31 medicamentos para cerca de 70 tipos constantes na lista de fornecimento do Estado, devendo chegar a 100 tipos até dezembro. O Governo repassa ainda auxílio para custeio das ações das equipes de saúde indígena, R$ 2 mil mensais por equipe, além de um subsídio para obtenção dos kits de atenção básica, no valor de R$ 2.785,00 por equipe.
A Secretaria de Estado de Educação, em parceria com os povos indígenas do Estado e em convênio com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Instituto Estadual de Florestas (IEF) e Fundação Nacional do Índio ( Funai) – Administração Regional de Governador Valadares, vem desenvolvendo, desde 1995, o Programa Implantação de Escolas Indígenas/MG. Esse programa, além de instalar e implementar escolas indígenas pluriculturais, procura garantir a especificidade, a diferença, o bilingüismo e a interculturalidade nas comunidades.

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