segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Relator Especial da ONU para os povos indígenas termina visita oficial ao Brasil

Relator Especial da ONU para os povos indígenas termina visita oficial ao Brasil

"Apesar de avanços, o exercício dos povos indígenas à livre determinação – isto é, o controle real de suas próprias vidas e terras – ainda é um grande desafio para o Brasil". Esta foi a principal observação do Relator Especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, S. James Anaya, ao finalizar sua visita de 12 dias ao país. Do Centro de Informação da ONU (UNIC Rio).

Brasília/Genebra - A visita do Relator Especial ocorreu após ele ter recebido pedidos neste sentido de diversas organizações indígenas do País. O propósito da mesma é investigar e relatar sobre as preocupações na área de direitos humanos dos povos indígenas e estabelecer um diálogo construtivo com o Governo do Brasil. A cooperação do Governo com a visita é um componente importante da parceria do Governo brasileiro com as Nações Unidas na construção da democracia e respeito aos direitos humanos.

O Relator Especial visitou Brasília e várias áreas dos estados do Amazonas, Roraima e Mato Grosso do Sul. Ele teve encontros em Brasília com representantes do Ministério das Relações Exteriores; da Justiça, incluindo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI); da Secretaria Especial de Direitos Humanos; do Ministério Público Federal; da Advocacia Geral da União; da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas; do Ministério da Educação; e da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). Ele também participou de um foro com varias organizações indígenas durante um seminário sobre o novo estatuto dos povos indígenas.

Ele teve encontros, em várias comunidades, com organizações indígenas, autoridades estaduais e locais, e organizações da sociedade civil durante sua passagem por Manaus e Alto Rio Negro no Estado do Amazonas, Boa Vista e Raposa Serra do Sol no Estado de Roraima, e Campo Grande e Dourados no Estado do Mato Grosso do Sul.

O Relator Especial observou com satisfação o compromisso expresso pelo Governo do Brasil de fazer avançar os direitos dos povos indígenas em conformidade com a Declaração dos Direitos os Povos Indígenas das Nações Unidas. O Relator Especial também demonstrou satisfação com a existência de proteção constitucional e de diversos tipos de proteção legal no país, que ele afirmou estarem entre as mais avançadas do mundo. No entanto, de acordo com o Relator Especial, "ainda é preciso fazer muito para melhorar a situação dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil e para implementar integralmente a proteção constitucional e as normas aceitas internacionalmente".

Livre determinação ainda é desafio

O Relator Especial observou que, de uma maneira geral, "são necessárias reformas para garantir que os povos indígenas estejam mais aptos a exercer seu direito de livre determinação no âmbito de um Estado brasileiro, que respeite a diversidade". Segundo ele, isso significa o exercício do controle sobre suas vidas, comunidades, e terras, além de participar de todas as decisões que lhes afetem, de acordo com seus próprios padrões culturais e estruturas de autoridade. O Relator Especial observou com preocupação que "é evidente que povos indígenas freqüentemente não têm controle sobre as decisões que afetam suas vidas cotidianas e suas terras, mesmo quando estas já foram oficialmente demarcadas e registradas, devido a invasões, mineração por invasores e outros fatores".

Diversos atores manifestaram ao Relator Especial preocupação sobre o fato de que as comunidades indígenas têm alguma contribuição, mas não o controle adequado, sobre a execução de serviços em suas comunidades pela FUNAI, FUNASA e outras agências do governo, especialmente aquelas responsáveis por educação e saúde. "Embora ricos culturalmente, os povos indígenas continuam empobrecidos economicamente, sem poder ou oportunidades suficientes para se desenvolverem em uma base sustentável, além de serem continuamente sufocados pela discriminação", afirmou.

O Relator Especial identificou atitudes paternalistas tanto entre agências governamentais como em organizações não-governamentais, que impedem os povos indígenas a estabelecer suas próprias prioridades e gerenciar os programas que são destinados a beneficiá-los. Além disso, o Relator Especial chamou atenção para a escassez e o uso ineficiente de recursos destinados a programas essenciais.

O Relator Especial observou que a situação da educação e da saúde é crítica na maioria das comunidades indígenas. Especialmente crianças e mulheres indígenas sofrem com o limitado acesso à saúde. "A falta de educação formal e de serviços de saúde adequados restringe as oportunidades disponíveis aos indivíduos quando procuram melhorar as condições de suas vidas, e priva as comunidades indígenas das habilidades necessárias para gerenciar seus próprios interesses e controlar os programas governamentais e de ONGs que os afetam."

Violência contra indígenas preocupa

Outra forma de privação, observou o Relator Especial, é a persistente discriminação por trás da criação de políticas, de prestação de serviços e da administração da justiça. A discriminação, às vezes, tem se infestado em parcelas da sociedade e resultado em violência. O Relator Especial ouviu depoimentos alarmantes de violência contra pessoas indígenas, especialmente contra seus líderes mais atuantes.

Outra carência é a ausência de um mecanismo que garanta a consulta adequada às comunidades indígenas sobre projetos de desenvolvimento - como a construção de rodovias, hidrelétricas e mineração em larga escala - que, apesar de estarem fora das reservas, mesmo assim os afetam. Ele acredita que isto é reflexo de um problema maior: a necessidade de harmonizar políticas governamentais, leis e iniciativas para o desenvolvimento com os direitos dos povos indígenas.

Finalmente, o Relator Especial enfatizou que durante sua visita ao Brasil percebeu que uma parte significante da sociedade brasileira e vários atores políticos influentes fazem oposição às políticas governamentais responsáveis por atender as demandas dos povos indígenas. Essa oposição parece até desafiar os direitos garantidos pela própria Constituição. O Relator Especial afirmou que esta situação demonstra uma falta de compreensão e até confusão com relação aos direitos humanos dos povos indígenas, assegurados na Constituição e em relevantes instrumentos internacionais.

"Uma campanha nacional de educação sobre as questões indígenas e o respeito pela diversidade, guiada pelo Governo em parceria com os povos e organizações indígenas e com o apoio da imprensa, provavelmente ajudaria a estabelecer pontes de compreensão mútua."

De acordo com os termos de seu mandato, o Relator Especial apresentará suas observações e recomendações em um relatório ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra (Suíça).

O Conselho de Direitos Humanos nomeou S. James Anaya como o novo Relator Especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, por um período inicial de três anos. Ele assumiu seu mandato no dia 1º de maio de 2008. Anaya é professor de Políticas e Legislação de Direitos Humanos na Universidade de Arizona (Estados Unidos). Mais informações sobre o mandato do Relator Especial em clicando aqui.

Jornalistas interessados em outras informações devem contatar a Unidade de Mídia do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, por meio deste email. Informações adicionais, por meio da UNIC Rio, com Valéria Schilling.

0 Comments: