terça-feira, 24 de novembro de 2009

Educação exige presença do setor privado?! - Folha São Paulo, 24/11/2009

Folha de São Paulo, 24/11/2009 - São Paulo SP

Educação exige presença do setor privado

Para especialistas no assunto de mais de 120 países reunidos em Doha, investimento não depende apenas do setor público. Educação do século 21 requer investimentos complexos que muitas vezes o Estado não dá conta de suprir, diz diretora-geral da Unesco

André Palhano - Enviado Especial a DOHA

Garantir o acesso a uma educação básica de qualidade, um dos desafios do milênio estabelecidos pela ONU (Organização das Nações Unidas) para 2015, exigirá mais do que recursos e esforços do setor público. Exigirá, também, uma participação ativa do setor privado, seja na exploração do segmento, seja no financiamento de atividades educativas e no engajamento com os governos. Essa é a síntese de debates realizados na última semana em Doha (Qatar) durante o World Innovation Summit for Education (Wise), encontro que reuniu especialistas em educação de mais de 120 países. "O direito à educação não é garantido hoje para milhões de pessoas no mundo e dificilmente conseguiremos cumprir essa meta nesses próximos seis anos. Isso ocorre porque a educação do século 21 exige investimentos cada vez mais complexos, que muitas vezes os Estados não dão conta de suprir", disse a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, lembrando que a crise global afetou de maneira significativa o financiamento público à educação em diversos países.

É um debate polêmico. Afinal, não é dever do Estado garantir educação de qualidade para toda a população? A resposta é positiva para grande parte dos especialistas, mas não encontra respaldo na realidade. Mesmo gestores que sempre defenderam o financiamento estatal como modelo único para a universalização da educação, caso do ex-chanceler alemão Gerhard Schröder, começam a jogar a toalha. "O setor público é e provavelmente sempre será o principal agente da educação. Tenho de reconhecer, no entanto, que em muitos países, por diferentes razões, os governos não têm condições de fazê-lo de maneira satisfatória", disse Schröder à Folha. "Em muitos casos, depender exclusivamente do financiamento estatal pode gerar abismos incontornáveis. É aqui que entra a importância do setor privado." Alguns números mostram que, mesmo nos países desenvolvidos, a demanda por educação vem crescendo a passos mais largos do que a capacidade de financiamento estatal. Nos Estados Unidos, por exemplo, o setor privado responde hoje por mais da metade (54%) dos investimentos em educação no nível superior. Na Europa, essa média pulou de minguados 4,2% há sete anos para mais de 15% atualmente. Obviamente, a maior fatia desse bolo se refere à própria exploração do segmento por empresas do setor privado. Nos países em que as faixas de renda média da população começam a mudar estruturalmente para cima, caso do Brasil, esse fenômeno é especialmente visível. Segundo dados do Censo da Educação Superior, do Ministério da Educação, o setor privado representava em 2007 nada menos do que 92,5% das faculdades, 96,7% dos centros universitários e 47,5% das universidades no país.

Desafio global - O investimento social privado em educação também possui papel de destaque nesse contexto, sobretudo nos países em desenvolvimento. No Brasil, a área recebeu a maior parte do R$ 1,1 bilhão investidos pelas empresas entre 2007 e 2008, segundo dados do último Censo Gife (Grupo de Instituições, Fundações e Empresas), que reúne os principais investidores sociais privados do país. "Com tantos modelos e sistemas diferentes, é impossível dar uma resposta única para o desafio global do financiamento à educação. Não há dúvidas, no entanto, de que a cooperação com as empresas e o investimento social privado é um elemento cada vez mais relevante", defende Svava Bjarnason, especialista sênior em educação do International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial para o setor privado.

Não se trata, segundo ela, de simplesmente injetar recursos em projetos e parcerias com organizações não governamentais em troca de retorno institucional, mas de participar da evolução da sociedade na qual a empresa está inserida de maneira ativa, gerando retornos de médio e longo prazos também em termos econômicos. Um dos principais entraves para a ampliação do investimento social privado em educação no planeta, segundo os especialistas reunidos em Doha, está na baixa atratividade dos incentivos fiscais relacionados ao tema. Pesquisas mostram que, no Brasil, essa é a segunda maior dificuldade apontada por empresas de grande porte (a primeira é a falta de recursos disponíveis) na realização de investimentos sociais.

Para ter uma ideia, mais de um terço das companhias não utiliza os incentivos previstos em lei em nível federal, estadual ou municipal, geralmente pelo baixo valor envolvido, pela complexa burocracia para obtê-los ou simplesmente por falta de conhecimento do tema. "Do mesmo modo que as empresas esperam compensações reais, o governo também as espera. Incentivar fiscalmente empresas empreendedoras, para o governo, só é vantajoso se o retorno em investimentos sociais for maior que o valor subsidiado. Para as empresas, porém, isso não ocorre, pois os retornos são inúmeros, de modo que a compensação tributária é somente um dos muitos pontos positivos a serem ganhos", escreveu a economista Aline Aparecida Roberto em relatório sobre o tema. Para o subsecretário-geral do Departamento de Informação Pública da ONU, Kiyo Akasaka, somente ações coordenadas entre setor público, setor privado e organizações da sociedade civil podem dar conta dos desafios impostos à educação. "Isoladamente, ninguém chegará a lugar algum." O jornalista ANDRÉ PALHANO viajou a convite da Fundação Qatar

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