Os Pensadores e a Educação como caminho:
Uma proposta para uma Cultura da Paz
Francisco Sales Alves 1
O presente artigo trata das perspectivas de construção da paz mundial no início do século XXI em face dos conflitos crescentes entre os povos e da necessidade de se encontrarem alternativas políticas e sociais que conduzam a preservação da espécie humana e do planeta Terra. A partir da discussão habermasiana sobre o contexto político contemporâneo, o texto aponta a educação como via de promoção de uma cultura da paz e de consolidação do ideal cosmopolita proposto pelo filósofo Immanuel Kant em suas obras.
Palavras-chave:
Educação; paz; direitos humanos; Habermas; guerra.
Ao questionarmos se a educação pode contribuir para uma cultura da paz, se faz necessário contarmos com a contribuição de alguns pensadores renomados e a partir daí tentarmos extrair de suas teorias algo que possa por fim a nossa apreensão sob os efeitos de um mundo beligerante.
Algumas reflexões concernentes ao século XX se fazem necessárias quando, em pleno início do século XXI, as aspirações de conquistarmos pela paz a prazerosa convivência, entre os povos, disseminam-se crescentemente por toda a comunidade mundial. O que aprendemos com os erros do passado? Qual a melhor maneira de evitarmos a guerra? Em relação ao primeiro questionamento,
documentos históricos registram que aprendemos muito pouco, ou, simplesmente nada. O século XX entrou para a história apresentando os maiores índices de extermínio humano até então registrados. Estatísticas revelam que o número de mortes causadas por guerras ou a elas associadas é estimado na ordem de 187 milhões, ou seja, em torno de 10% da população mundial de 1913/14. Mas se, por um lado, os relatos atemorizam, por outro, revelam que ainda não aprendemos a lição, pois verifica-se constantemente, a disposição dos chefes de Estado em estimular as guerras. Alguns conflitos arrastam-se por longa data, outros parecem verdadeiros furacões deixando efeitos devastadores. Não temos a pretensão de nomear todos nem mesmo datá-los, mas, tão somente, avivar as lembrançãs das barbáries cometidas. Não sendo possível, contudo, repará-las, os registros, quiçá, nos ajudem a evitá-las, no futuro.
O acervo das beligerâncias é farto: composto por duas Grandes Guerras, para enriquecê-lo conta ainda com as colaborações da Irlanda, Rússia, o conflito dos Bálcãs, Vietnã, Camboja, Khimer Vermelho, Kosovo, Coréia, Indochina, Ruanda, Uganda, a Guerra do Golfo, Egito, Israel, Tchetchênia, Paquistão, Invasão do Iraque, além de outros tantos países envolvidos em conflitos em andamento, ou despertando tensões. As cenas das guerras parecem estarrecedoras somente durante o instantedas primeiras imagens transmitidas pela mídia, isso é quando não vira mero espetáculo, como vimos anteriormente. No emergir de vários conflitos presenciamos também um atentado sem proporções aos direitos humanos, sendo este, no momento principiado pelos EUA que resolveram assumir o papel de "Guardião do Universo" no combate as forças do mal. Entretanto, essa postura é apenas uma desculpa esfarrapada para oficializar as hostilidades desarrazoadas em qualquer parte do mundo. Soa uma símile aparência com as ações desencadeadas pela Santa Inquisição, uma vez que as investidas norte- americanas se amparam, no momento, numa chamada doutrina religiosa2 que julga e condena ao extermínio àqueles que se opõem a suas pretensões, ainda mais se forem estes motivados por ideologias econômicas e sociais opostas as regras de mercado pré-estabelecidas pela política americana.
Em 1948, as Nações Unidas editam a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, em breve resumo, ao longo dos seus trinta artigos, temos a seguinte interpretação :"Os homens nascem e permanecem livres e com igualdade de direitos. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência contra a opressão". Entretanto, os "Direitos Humanos", que têm por princípio assegurar a dignidade humana, estão sendo ofuscados a todo instante pelas intervenções "estadunidenses" em todas as partes do planeta Terra. Sobre esses argumentos contamos com o auxílio de Habermas:
Em meio a um mundo de Estados escassamente regulamentado pela ONU, os EUA assumiram o papel de uma superpotência que mantém a ordem. E nesse contexto os direitos humanos funcionam como orientações morais para avaliação de objetivos políticos. Naturalmente, sempre houve correntes isolacionistas contrárias e, assim como outras nações, os EUA perseguem principalmente interesses próprios que nem sempre estão de acordo com os objetivos normativos declarados. A Guerra do Vietnã nos mostrou isso, bem como volta e meia é demonstrado pela forma com (sic) lidam com os problemas em seu próprio "quintal". Entretanto, a "nova mistura de altruísmo humanitário e lógicaimparcial" (Ulrich Beck) tem tradição nos Estados Unidos. Entre os motivos que levaram Wilson e Roosevelt a entrarem respectivamente na Primeira e na Segunda Guerra Mundial havia também os que se orientavam por ideais que estão profundamente enraizados na tradição pragmática. Devemos a isso, a nação que foi derrotada em 1945, o fato de termos sido ao mesmo tempo libertados. A partir desse ponto-de-vista tão americano, ou seja, o de uma política nacional do poder orientada normativamente, parece plausível que se conduza a guerra contra a Iugoslávia sem levar em conta nenhum compromisso ou desvio, a despeito de todas as possíveis complicações, inclusive, se preciso for, com a utilização de tropas terrestres. De qualquer modo, essa atitude tem ao menos o mérito de ser conseqüente. Mas o que diríamos, caso algum dia uma aliança militar de outra região - digamos na Ásia - viesse a praticar uma política armada de direitos humanos que se baseasse numa interpretação bem diferente, regional, do direito internacional ou da Carta da ONU?3.
A ameaça que o homem faz pesar sobre sua própria raça toma, de algum modo, o lugar das ameaças As quais os outros seres vivos já estão submetidos, por ações humanas. Paradoxalmente, o caos no qual a humanidade corre o risco de mergulhar traz consigo também uma oportunidade, pois a proximidade do perigo favorece as instâncias de conscientização, que podem então multiplicar-se, ampliar-se e fazer surgir uma grande política de transformação do mundo.
Uma proposta para uma Cultura da Paz
Francisco Sales Alves 1
O presente artigo trata das perspectivas de construção da paz mundial no início do século XXI em face dos conflitos crescentes entre os povos e da necessidade de se encontrarem alternativas políticas e sociais que conduzam a preservação da espécie humana e do planeta Terra. A partir da discussão habermasiana sobre o contexto político contemporâneo, o texto aponta a educação como via de promoção de uma cultura da paz e de consolidação do ideal cosmopolita proposto pelo filósofo Immanuel Kant em suas obras.
Palavras-chave:
Educação; paz; direitos humanos; Habermas; guerra.
Ao questionarmos se a educação pode contribuir para uma cultura da paz, se faz necessário contarmos com a contribuição de alguns pensadores renomados e a partir daí tentarmos extrair de suas teorias algo que possa por fim a nossa apreensão sob os efeitos de um mundo beligerante.
Algumas reflexões concernentes ao século XX se fazem necessárias quando, em pleno início do século XXI, as aspirações de conquistarmos pela paz a prazerosa convivência, entre os povos, disseminam-se crescentemente por toda a comunidade mundial. O que aprendemos com os erros do passado? Qual a melhor maneira de evitarmos a guerra? Em relação ao primeiro questionamento,
documentos históricos registram que aprendemos muito pouco, ou, simplesmente nada. O século XX entrou para a história apresentando os maiores índices de extermínio humano até então registrados. Estatísticas revelam que o número de mortes causadas por guerras ou a elas associadas é estimado na ordem de 187 milhões, ou seja, em torno de 10% da população mundial de 1913/14. Mas se, por um lado, os relatos atemorizam, por outro, revelam que ainda não aprendemos a lição, pois verifica-se constantemente, a disposição dos chefes de Estado em estimular as guerras. Alguns conflitos arrastam-se por longa data, outros parecem verdadeiros furacões deixando efeitos devastadores. Não temos a pretensão de nomear todos nem mesmo datá-los, mas, tão somente, avivar as lembrançãs das barbáries cometidas. Não sendo possível, contudo, repará-las, os registros, quiçá, nos ajudem a evitá-las, no futuro.
O acervo das beligerâncias é farto: composto por duas Grandes Guerras, para enriquecê-lo conta ainda com as colaborações da Irlanda, Rússia, o conflito dos Bálcãs, Vietnã, Camboja, Khimer Vermelho, Kosovo, Coréia, Indochina, Ruanda, Uganda, a Guerra do Golfo, Egito, Israel, Tchetchênia, Paquistão, Invasão do Iraque, além de outros tantos países envolvidos em conflitos em andamento, ou despertando tensões. As cenas das guerras parecem estarrecedoras somente durante o instantedas primeiras imagens transmitidas pela mídia, isso é quando não vira mero espetáculo, como vimos anteriormente. No emergir de vários conflitos presenciamos também um atentado sem proporções aos direitos humanos, sendo este, no momento principiado pelos EUA que resolveram assumir o papel de "Guardião do Universo" no combate as forças do mal. Entretanto, essa postura é apenas uma desculpa esfarrapada para oficializar as hostilidades desarrazoadas em qualquer parte do mundo. Soa uma símile aparência com as ações desencadeadas pela Santa Inquisição, uma vez que as investidas norte- americanas se amparam, no momento, numa chamada doutrina religiosa2 que julga e condena ao extermínio àqueles que se opõem a suas pretensões, ainda mais se forem estes motivados por ideologias econômicas e sociais opostas as regras de mercado pré-estabelecidas pela política americana.
Em 1948, as Nações Unidas editam a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, em breve resumo, ao longo dos seus trinta artigos, temos a seguinte interpretação :"Os homens nascem e permanecem livres e com igualdade de direitos. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência contra a opressão". Entretanto, os "Direitos Humanos", que têm por princípio assegurar a dignidade humana, estão sendo ofuscados a todo instante pelas intervenções "estadunidenses" em todas as partes do planeta Terra. Sobre esses argumentos contamos com o auxílio de Habermas:
Em meio a um mundo de Estados escassamente regulamentado pela ONU, os EUA assumiram o papel de uma superpotência que mantém a ordem. E nesse contexto os direitos humanos funcionam como orientações morais para avaliação de objetivos políticos. Naturalmente, sempre houve correntes isolacionistas contrárias e, assim como outras nações, os EUA perseguem principalmente interesses próprios que nem sempre estão de acordo com os objetivos normativos declarados. A Guerra do Vietnã nos mostrou isso, bem como volta e meia é demonstrado pela forma com (sic) lidam com os problemas em seu próprio "quintal". Entretanto, a "nova mistura de altruísmo humanitário e lógicaimparcial" (Ulrich Beck) tem tradição nos Estados Unidos. Entre os motivos que levaram Wilson e Roosevelt a entrarem respectivamente na Primeira e na Segunda Guerra Mundial havia também os que se orientavam por ideais que estão profundamente enraizados na tradição pragmática. Devemos a isso, a nação que foi derrotada em 1945, o fato de termos sido ao mesmo tempo libertados. A partir desse ponto-de-vista tão americano, ou seja, o de uma política nacional do poder orientada normativamente, parece plausível que se conduza a guerra contra a Iugoslávia sem levar em conta nenhum compromisso ou desvio, a despeito de todas as possíveis complicações, inclusive, se preciso for, com a utilização de tropas terrestres. De qualquer modo, essa atitude tem ao menos o mérito de ser conseqüente. Mas o que diríamos, caso algum dia uma aliança militar de outra região - digamos na Ásia - viesse a praticar uma política armada de direitos humanos que se baseasse numa interpretação bem diferente, regional, do direito internacional ou da Carta da ONU?3.
A ameaça que o homem faz pesar sobre sua própria raça toma, de algum modo, o lugar das ameaças As quais os outros seres vivos já estão submetidos, por ações humanas. Paradoxalmente, o caos no qual a humanidade corre o risco de mergulhar traz consigo também uma oportunidade, pois a proximidade do perigo favorece as instâncias de conscientização, que podem então multiplicar-se, ampliar-se e fazer surgir uma grande política de transformação do mundo.
Aristotelicamente falando, a terra é movida por quatro motores associados e, ao mesmo tempo, descontrolados: ciência, técnica, indústria e capitalismo (lucro). O problema está em se estabelecer um controle sobre esses motores de modo a garantir não só a existência humana, mas do próprio planeta. Os poderes da ciência, da técnica e da indústria, bem como do capital, devem ser controlados pela ética deontológica (dever ser) e esta só pode impor seu controle por meio da política. A economia não apenas deve ser regulamentada, como também tornar-se plural, incluindo associações de mutuários, cooperativas e trocas de serviços. A exclusão sentida nos quatro cantos do planeta tenderia a diminuir gradativamente por meio de ações conjuntas desses motores em prol de um mesmo objetivo. Assim, por exemplo, a erradicação dos altos índices de miserabilidade de ordem mundial comprovaria a pujança dos Direitos Humanos na supressão dos conflitos.
Para chegarmos a grande civilidade mundial seria preciso que fossem conquistados grandes progressos no espírito humano, não tanto de suas capacidades técnicas e matemáticas, não apenas no conhecimento das complexidades, mas em sua interioridade psíquica. Verificaremos mais a frente, nas assertivas de Adorno, que uma reforma não só da civilização ocidental mas de todas as civilizações se faz necessária. E não está menos claro que uma reforma radical de todos os sistemas de educação é imprescindível como também prevalece uma inconsciência total e profunda da necessidade dessa reforma.
Ao referir-se a barbárie do século XX, Adorno ressalta que uma exigência para que a humanidade não repita a experiência de Auschwitz encontra-se na sedimentada na educação. Além disso, desenvolve a idéia da necessidade de supressão do nacionalismo a todo custo, pois vê nos movimentos nacionalistas, a organização de grupos com disposição para promover os conflitos. Refere-se a educação, após Auschwitz, sob duas análises: "em primeiro lugar, educação na infância, sobretudo na primeira; logo, o esclarecimento geral que estabeleça um clima espiritual, cultural e social que não admita a repetição daquilo; um clima, portanto, em que os motivos que conduziram ao horror tenham chegado, na medida do possível, a tornar-se conscientes"4.
Percebe-se claramente a preocupação adorniana em despertar nas pessoas aspectos do esclarecimento alicerçãdo na autonomia, como sendo a única forçã para a reflexão, ou seja, uma autodeterminação para não se deixarem levar pelos bens de consumo. Nessa expressão de Adorno encontra-se o receituário para negação dos ditames da indústria cultural. Adorno chama a atenção para o conceito de consciência coisificada instituída pela indústria cultural, como se faz notar ao longo da Dialética do Esclarecimento. Segundo ele, o grande mal é que as pessoas deixam-se contaminar pelos avanços tecnológicos a ponto de esquecerem o respeito humano devido aos seus semelhantes, tão somente motivados pela fetichização da técnica. Vejamos:
O tipo propenso para a fetichização da técnica está representado por pessoas que, dito de forma simples, são incapazes de amar. Esta afirmação não tem um sentido sentimental nem moralizante; apenas se limita a descrever a insuficiente relação libidinosa com outras pessoas. Trata-se de pessoas completamente frias, que devem negar mesmo em seu íntimo a possibilidade de amar e rechaçam desde o princípio, ainda antes que se desenvolva seu amor pelas outras pessoas. E a capacidade de amar que, porventura, sobreviva nelas volta-se, invariavelmente, para os meios. Os tipos de caráter marcados pelo preconceito e pelo autoritarismo com os quais lidamos na pesquisa sobre 'Authoritarian Personality', em Berkeley, fornecem numerosas evidências a respeito disso. Um sujeito da experimentação dizia de si mesmo, numa expressão que já é em si típica da consciência coisificada: 'I like Nice equipament' ("Sou vidrado em aparelhagens bonitas"), sendo inteiramente indiferente quais fossem elas. Seu amor estava absorvido pelos objetos, pelas máquinas como tais. O que consterna em tudo isso - e consterna porque parece tão inútil combatê-lo - é que essa tentativa está acoplada a tendência global da civilização. Combatê-lo equivale a opor-se ao espírito
do mundo; mas, com isto, não faço mais que repetir algo que caracterizei no começo como o aspecto mais sombrio de uma educação contra um novo Auschwitz5.
A proposta de uma educação capaz de modificar a conduta do homem de modo a inseri-lo na sociedade, e mediante suas responsabilidades, transformá-la para o melhor, foi um dos desafios enfrentados por Kant, sem parcimônia, por acreditar ser o homem a única criatura que precisa ser educada, instruída desde a infância exercitando-a a disciplina, bem como a instrução e a formação. Por esses argumentos vemos uma certa influência kantiana, nas proposições de Adorno, ao pensar a educação como instrumento proibitivo de uma nova barbárie como aquela que aconteceu em Auschwitz. Uma educação voltada para a formação do caráter e da dignidade humana se faz ver, em Kant, na obra Sobre a Pedagogia, quando ele nos leva a repensar, de modo ambivalente, tanto nossa formação, quanto a responsabilidade por nós assumida enquanto agentes formadores. Para uma melhor elucubração seguem-se quatro máximas kantianas mostrando, a educação, a qual o homem se obriga a seguir como forma de corrigir seu comportamento (relacionamento) em sociedade:
1. Ser disciplinado. Disciplinar quer dizer: procurar impedir que a animalidade prejudique o caráter humano, tanto no indivíduo como na sociedade, portanto, a disciplina consiste em domar a selvageria.
2. Tornar-se culto. A cultura abrange a instrução e vários conhecimentos. A cultura é a criação das habilidades e esta é a posse de uma capacidade condizente com todos os fins que almejamos. Ela, portanto não determina por si mesma nenhum fim, mas deixa esse cuidado à s circunstâncias.
Algumas formas de habilidades são úteis em todos os casos, por exemplo, o ler e o escrever; outras são só em relação a certos fins, por exemplo, a música, para nos tornar queridos. A habilidade é de certo modo infinita, graças aos muitos fins.
3. A educação deve também cuidar para que o homem se torne prudente, que ele permaneça em seu lugar na sociedade e que seja querido e tenha infância. A essa espécie de cultura pertence aquela chamada propriamente de civilidade. Esta requer certos modos corteses, gentileza e a prudência de nos servirmos dos outros homens para os nossos fins. Ela se regula pelo gosto mutável de cada época. Assim, prezavam-se, faz alguns decênios, as cerimônias sociais.
4. Deve, por fim, cuidar da moralização. Na verdade, não basta que o homem seja capaz de toda sorte de fins; convém também que ele consiga a disposição de escolher apenas os bons fins. Bons são aqueles fins aprovados necessariamente por todos e que podem ser, ao mesmo tempo, os fins de cada um6.
A educação apresenta-se como o phármakon indispensável, com o qual as pessoas devem medicar-se diariamente, pois, quiçá, sob sua influência haja possibilidade de percebermos que o último segredo da caixa de Pandora não foi inutilmente guardado, nem tampouco será esquecido quando a finalidade é a paz. O mal que o nacionalismo pode despertar nas pessoas pode ser corrigido pela educação, segundo Adorno, como vimos anteriormente; Habermas, quando da Guerra do Golfo, em 1991, também nos chama a atenção para os riscos do nacionalismo e mostra como uma ordem de paz mundial pode funcionar:
Uma ordem de paz mundial somente pode funcionar se aceitamos como premissa que as poderosas nações industriais, por razões internas, terão cada vez menos chances de agir como Estados beligerantes. Kant já refletira no fato que somente os Estados cuja constituição interna é republicana estão em condições de se aliar e constituir uma ordem de paz federativa. Nós também temos que esperar que os povos das democracias que vivem nos Estados de bem-estar adotem passo a passo culturas políticas liberais, acostumem-se a instituições da liberdade e que em sua maioria criem uma mentalidade pacífica, de tal modo que as guerras clássicas não possam mais ser mobilizadas. Apesar das recaídas que podemos observar hoje, quando ainda se adotam posições nacionalistas típicas do século XIX, as tendências a longo prazo apontam para a democracia7.
Educar para a paz soa como algo distante e utópico quando os gastos com material bélico ultrapassam de forma indizível as finançãs (migalhas) destinadas ao social. Enquanto o social continuar esquecido, sem receber o devido valor que merece, presenciaremos o surgimento de conflitos em larga escala, ora apoiando-se nos fundamentalismos religiosos, ora por obra do terrorismo. Fato é que esses acontecimentos poderão envolver países contra países num conflito de proporções imagináveis como presenciados durante as duas Grandes Guerras. Onde reina a violência, mencionar a Educação como forma de resolver os conflitos, conota atentado, no entanto, o Tânatos
manifestado no adulto de hoje é conseqüência da não correção da libido ainda na infância.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, Theodor W. Palavras e sinais. Tradução Maria Helena Ruschel.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
BENJAMIN, César. Aprendizes de feiticeiros. Revista Caros Amigos, ano 7,
n.73. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2003.
HABERMAS, Jürgen. Humanidade e bestialidade: uma guerra nos limites entre o
direito e a moral. ETHICA: Cadernos Acadêmicos, v.7, Rio de Janeiro, 2000.
HABERMAS, Jürgen. Passado Como Futuro. Tradução Flávio Beno Siebeneichler.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993.
KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Tradução Francisco Cock Fontanella.
3.ed., Piracicaba: Ed. UNIMEP, 2002.
1 Mestre pela PUC-Campinas.
2 BENJAMIN, César. Aprendizes de feiticeiros. Revista Caros Amigos, ano 7,
n.73. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2003, p.17. [...] De Bíblia em punho, Bush discursou sobre o "Deus verdadeiro" antes de assinar sua mais recente declaração de guerra. Em menos de três anos no poder, agindo sempre de forma unilateral, esse grupo atentou contra todos os fundamentos, internos e externos, de democracia e da civilização: aboliu direitos civis dentro dos Estados Unidos; boicotou o Protocolo de Kioto sobre o clima; retirou-se do Tratado de Mísseis Balísticos; impediu o avanço das negociações para a Convenção contra Armas Biológicas; recusou-se a submeter seus soldados à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, criado para julgar crimes de guerra; não assinou o acordo mundial para o banimento das minas terrestres; incrementou a tensão militar entre as duas Coréias e entre China e Formosa; instalou, pela primeira vez, bases militares na América do Sul; ampliou um política genocida na Palestina; ameaçou intervir em pelo menos meia dúzia de países do chamado "Eixo do Mal"; humilhou a Organização das Nações Unidas.
3 HABERMAS, Jürgen. Humanidade e bestialidade: uma guerra nos limites entre o direito e a moral. ETHICA: Cadernos Acadêmicos, v.7, Rio de Janeiro, 2000. p. 47-48.
4 ADORNO, Theodor W. Palavras e sinais.
Para chegarmos a grande civilidade mundial seria preciso que fossem conquistados grandes progressos no espírito humano, não tanto de suas capacidades técnicas e matemáticas, não apenas no conhecimento das complexidades, mas em sua interioridade psíquica. Verificaremos mais a frente, nas assertivas de Adorno, que uma reforma não só da civilização ocidental mas de todas as civilizações se faz necessária. E não está menos claro que uma reforma radical de todos os sistemas de educação é imprescindível como também prevalece uma inconsciência total e profunda da necessidade dessa reforma.
Ao referir-se a barbárie do século XX, Adorno ressalta que uma exigência para que a humanidade não repita a experiência de Auschwitz encontra-se na sedimentada na educação. Além disso, desenvolve a idéia da necessidade de supressão do nacionalismo a todo custo, pois vê nos movimentos nacionalistas, a organização de grupos com disposição para promover os conflitos. Refere-se a educação, após Auschwitz, sob duas análises: "em primeiro lugar, educação na infância, sobretudo na primeira; logo, o esclarecimento geral que estabeleça um clima espiritual, cultural e social que não admita a repetição daquilo; um clima, portanto, em que os motivos que conduziram ao horror tenham chegado, na medida do possível, a tornar-se conscientes"4.
Percebe-se claramente a preocupação adorniana em despertar nas pessoas aspectos do esclarecimento alicerçãdo na autonomia, como sendo a única forçã para a reflexão, ou seja, uma autodeterminação para não se deixarem levar pelos bens de consumo. Nessa expressão de Adorno encontra-se o receituário para negação dos ditames da indústria cultural. Adorno chama a atenção para o conceito de consciência coisificada instituída pela indústria cultural, como se faz notar ao longo da Dialética do Esclarecimento. Segundo ele, o grande mal é que as pessoas deixam-se contaminar pelos avanços tecnológicos a ponto de esquecerem o respeito humano devido aos seus semelhantes, tão somente motivados pela fetichização da técnica. Vejamos:
O tipo propenso para a fetichização da técnica está representado por pessoas que, dito de forma simples, são incapazes de amar. Esta afirmação não tem um sentido sentimental nem moralizante; apenas se limita a descrever a insuficiente relação libidinosa com outras pessoas. Trata-se de pessoas completamente frias, que devem negar mesmo em seu íntimo a possibilidade de amar e rechaçam desde o princípio, ainda antes que se desenvolva seu amor pelas outras pessoas. E a capacidade de amar que, porventura, sobreviva nelas volta-se, invariavelmente, para os meios. Os tipos de caráter marcados pelo preconceito e pelo autoritarismo com os quais lidamos na pesquisa sobre 'Authoritarian Personality', em Berkeley, fornecem numerosas evidências a respeito disso. Um sujeito da experimentação dizia de si mesmo, numa expressão que já é em si típica da consciência coisificada: 'I like Nice equipament' ("Sou vidrado em aparelhagens bonitas"), sendo inteiramente indiferente quais fossem elas. Seu amor estava absorvido pelos objetos, pelas máquinas como tais. O que consterna em tudo isso - e consterna porque parece tão inútil combatê-lo - é que essa tentativa está acoplada a tendência global da civilização. Combatê-lo equivale a opor-se ao espírito
do mundo; mas, com isto, não faço mais que repetir algo que caracterizei no começo como o aspecto mais sombrio de uma educação contra um novo Auschwitz5.
A proposta de uma educação capaz de modificar a conduta do homem de modo a inseri-lo na sociedade, e mediante suas responsabilidades, transformá-la para o melhor, foi um dos desafios enfrentados por Kant, sem parcimônia, por acreditar ser o homem a única criatura que precisa ser educada, instruída desde a infância exercitando-a a disciplina, bem como a instrução e a formação. Por esses argumentos vemos uma certa influência kantiana, nas proposições de Adorno, ao pensar a educação como instrumento proibitivo de uma nova barbárie como aquela que aconteceu em Auschwitz. Uma educação voltada para a formação do caráter e da dignidade humana se faz ver, em Kant, na obra Sobre a Pedagogia, quando ele nos leva a repensar, de modo ambivalente, tanto nossa formação, quanto a responsabilidade por nós assumida enquanto agentes formadores. Para uma melhor elucubração seguem-se quatro máximas kantianas mostrando, a educação, a qual o homem se obriga a seguir como forma de corrigir seu comportamento (relacionamento) em sociedade:
1. Ser disciplinado. Disciplinar quer dizer: procurar impedir que a animalidade prejudique o caráter humano, tanto no indivíduo como na sociedade, portanto, a disciplina consiste em domar a selvageria.
2. Tornar-se culto. A cultura abrange a instrução e vários conhecimentos. A cultura é a criação das habilidades e esta é a posse de uma capacidade condizente com todos os fins que almejamos. Ela, portanto não determina por si mesma nenhum fim, mas deixa esse cuidado à s circunstâncias.
Algumas formas de habilidades são úteis em todos os casos, por exemplo, o ler e o escrever; outras são só em relação a certos fins, por exemplo, a música, para nos tornar queridos. A habilidade é de certo modo infinita, graças aos muitos fins.
3. A educação deve também cuidar para que o homem se torne prudente, que ele permaneça em seu lugar na sociedade e que seja querido e tenha infância. A essa espécie de cultura pertence aquela chamada propriamente de civilidade. Esta requer certos modos corteses, gentileza e a prudência de nos servirmos dos outros homens para os nossos fins. Ela se regula pelo gosto mutável de cada época. Assim, prezavam-se, faz alguns decênios, as cerimônias sociais.
4. Deve, por fim, cuidar da moralização. Na verdade, não basta que o homem seja capaz de toda sorte de fins; convém também que ele consiga a disposição de escolher apenas os bons fins. Bons são aqueles fins aprovados necessariamente por todos e que podem ser, ao mesmo tempo, os fins de cada um6.
A educação apresenta-se como o phármakon indispensável, com o qual as pessoas devem medicar-se diariamente, pois, quiçá, sob sua influência haja possibilidade de percebermos que o último segredo da caixa de Pandora não foi inutilmente guardado, nem tampouco será esquecido quando a finalidade é a paz. O mal que o nacionalismo pode despertar nas pessoas pode ser corrigido pela educação, segundo Adorno, como vimos anteriormente; Habermas, quando da Guerra do Golfo, em 1991, também nos chama a atenção para os riscos do nacionalismo e mostra como uma ordem de paz mundial pode funcionar:
Uma ordem de paz mundial somente pode funcionar se aceitamos como premissa que as poderosas nações industriais, por razões internas, terão cada vez menos chances de agir como Estados beligerantes. Kant já refletira no fato que somente os Estados cuja constituição interna é republicana estão em condições de se aliar e constituir uma ordem de paz federativa. Nós também temos que esperar que os povos das democracias que vivem nos Estados de bem-estar adotem passo a passo culturas políticas liberais, acostumem-se a instituições da liberdade e que em sua maioria criem uma mentalidade pacífica, de tal modo que as guerras clássicas não possam mais ser mobilizadas. Apesar das recaídas que podemos observar hoje, quando ainda se adotam posições nacionalistas típicas do século XIX, as tendências a longo prazo apontam para a democracia7.
Educar para a paz soa como algo distante e utópico quando os gastos com material bélico ultrapassam de forma indizível as finançãs (migalhas) destinadas ao social. Enquanto o social continuar esquecido, sem receber o devido valor que merece, presenciaremos o surgimento de conflitos em larga escala, ora apoiando-se nos fundamentalismos religiosos, ora por obra do terrorismo. Fato é que esses acontecimentos poderão envolver países contra países num conflito de proporções imagináveis como presenciados durante as duas Grandes Guerras. Onde reina a violência, mencionar a Educação como forma de resolver os conflitos, conota atentado, no entanto, o Tânatos
manifestado no adulto de hoje é conseqüência da não correção da libido ainda na infância.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, Theodor W. Palavras e sinais. Tradução Maria Helena Ruschel.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
BENJAMIN, César. Aprendizes de feiticeiros. Revista Caros Amigos, ano 7,
n.73. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2003.
HABERMAS, Jürgen. Humanidade e bestialidade: uma guerra nos limites entre o
direito e a moral. ETHICA: Cadernos Acadêmicos, v.7, Rio de Janeiro, 2000.
HABERMAS, Jürgen. Passado Como Futuro. Tradução Flávio Beno Siebeneichler.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993.
KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Tradução Francisco Cock Fontanella.
3.ed., Piracicaba: Ed. UNIMEP, 2002.
1 Mestre pela PUC-Campinas.
2 BENJAMIN, César. Aprendizes de feiticeiros. Revista Caros Amigos, ano 7,
n.73. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2003, p.17. [...] De Bíblia em punho, Bush discursou sobre o "Deus verdadeiro" antes de assinar sua mais recente declaração de guerra. Em menos de três anos no poder, agindo sempre de forma unilateral, esse grupo atentou contra todos os fundamentos, internos e externos, de democracia e da civilização: aboliu direitos civis dentro dos Estados Unidos; boicotou o Protocolo de Kioto sobre o clima; retirou-se do Tratado de Mísseis Balísticos; impediu o avanço das negociações para a Convenção contra Armas Biológicas; recusou-se a submeter seus soldados à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, criado para julgar crimes de guerra; não assinou o acordo mundial para o banimento das minas terrestres; incrementou a tensão militar entre as duas Coréias e entre China e Formosa; instalou, pela primeira vez, bases militares na América do Sul; ampliou um política genocida na Palestina; ameaçou intervir em pelo menos meia dúzia de países do chamado "Eixo do Mal"; humilhou a Organização das Nações Unidas.
3 HABERMAS, Jürgen. Humanidade e bestialidade: uma guerra nos limites entre o direito e a moral. ETHICA: Cadernos Acadêmicos, v.7, Rio de Janeiro, 2000. p. 47-48.
4 ADORNO, Theodor W. Palavras e sinais.
Tradução Maria Helena Ruschel. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, p.108.
5 Ibid, p.118-119.
6 KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Tradução Francisco Cock Fontanella.
3.ed., Piracicaba: Ed. UNIMEP, 2002, p.25-26.
7 HABERMAS, Jürgen. Passado Como Futuro. Tradução Flávio Beno Siebeneichler.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993, p.24.
Fonte: Centro de Filosofia
Educação para o Pensar: Artigos - Assessoria Filosófico-pedagógica
http://www.centro-filos.org.br/professores/?action=artigos&codigo=29
5 Ibid, p.118-119.
6 KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Tradução Francisco Cock Fontanella.
3.ed., Piracicaba: Ed. UNIMEP, 2002, p.25-26.
7 HABERMAS, Jürgen. Passado Como Futuro. Tradução Flávio Beno Siebeneichler.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993, p.24.
Fonte: Centro de Filosofia
Educação para o Pensar: Artigos - Assessoria Filosófico-pedagógica
http://www.centro-filos.org.br/professores/?action=artigos&codigo=29
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