Brasil pretende construir novo sistema de indicadores
21/06/2007 Por Bia Barbosa - Carta Maior
SÃO PAULO - A luta histórica pela defesa, promoção e garantia dos direitos humanos ganhou, nos últimos anos, um aliado estratégico no enfretamento às violações cometidas por agentes públicos e privados. A construção de indicadores para o setor, que apontam de forma precisa, qualitativa e quantitativamente, quais são essas violações, os grupos mais vulneráveis, suas causas e perspectivas de solução, é cada vez mais um importante instrumental técnico para uma afirmação baseada dos direitos. Mais do que isso, medir, cruzar e avaliar dados também são uma ferramenta central para promover o diálogo entre a construção de políticas públicas e os compromissos assumidos internacionalmente pelos Estados.
Há muito tempo a produção de estatísticas faz parte da lógica de planejamento de ações governamentais no Brasil. No campo dos direitos humanos, no entanto, os dados ainda são deficientes. "Há um ano e meio à frente da Secretaria, vemos que de fato há uma carência profunda de indicadores específicos para o setor ou indicadores com enfoque de direitos humanos sobre o que se passa na saúde, na educação, na moradia. Isso atrapalha a afirmação dos direitos no seio dos governos. Sem indicadores fica mais difícil fazer uma pressão intergovernamental para que cada área incorpore esta perspectiva", explica Paulo Vanucchi, ministro de Direitos Humanos.
Para ampliar o debate sobre a sistematização de indicadores que subsidiem a formulação e implementação de políticas públicas no campo, acontece até esta quinta (21), em São Paulo, um seminário internacional que reúne especialistas em avaliação e monitoramento de direitos humanos. "Nossa preocupação é chegar ao dado preciso e a uma investigação séria que possa fortalecer as batalhas que travamos em defesa dos direitos", explica José Gregori, presidente da Comissão Municipal de Direito Humanos de São Paulo, órgão promotor do evento.
Na avaliação dos participantes, é praticamente impossível planejar o desenvolvimento dos países sem a existência de um sistema de monitoramento adequado da situação dos direitos humanos. Isso não atenderia, portanto, somente aos interesses da sociedade civil, de acompanhar as ações e omissões
dos governos em sua tarefa de controle social, mas dos próprios países.
Os aspectos a se analisar são múltiplos. Na construção de indicadores, podem ser utilizados dados coletados especificamente para o monitoramento de tratados, políticas e planos de ação ligados aos direitos humanos ou dados gerados com outros propósitos, mas que se relacionam com direitos de alguma forma. A taxa de moralidade infantil medida em uma cidade, por exemplo, pode revelar informações não apenas sobre o respeito aos direitos da criança, mas também sobre saúde da mulher, renda familiar etc.
Outras questões a serem respondidas são como o dado está sendo coletado, quem é responsável por seu levantamento - se o poder público, organizações não governamentais ou organismos internacionais -, para que tipo de indicador será usado - quantitativo ou qualitativo -, como o dado coletado será utilizado para garantir uma melhora efetiva da vida da população, se a informação poderá depois ser desagregada por critérios de sexo, origem social, raça, orientação sexual, entre outros.
"É preciso estabelecer o dado realmente imparcial, neutro e objetivo para a construção de um indicador", explica Laura Ferguson, pesquisadora associada do Programa de Saúde Internacional e Direitos Humanos da escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard. "E o indicador 'perfeito' é o mais simples, o mais fácil de ser medido, o mais aceitável pela comunidade e o mais transparente", diz.
Para Raul Suarez de Miguel, coordenador do Metágora (projeto internacional de indicadores em direitos humanos, democracia e governança), para ser relevante, um indicador deve estar sempre relacionado a uma política pública ou programa de governo, ser uma forma de garantir direitos de determinada população, tornar evidente a responsabilidade dos governos nos processo e não só apontar problemas, mas encontrar soluções. "Medir direitos humanos é uma tarefa para mudar a qualidade de vida das pessoas. É um processo que tem características políticas, que deve ser participativo. Para serem sustentáveis, os indicadores precisam de base social e legitimidade política", completa.
A experiência brasileira
Na década de 80, o principal indicador social construído no país era o PIB per capita. Nos anos 90, o Brasil passou a utilizar o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) como forma de avaliar a qualidade de vida da população. Mais recentemente, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatíticas)empreendeu uma série de mudanças no sistema de coleta de informações domiciliares de forma a responder às novas demandas. E, nos últimos anos, uma série de indicadores relacionados aos direitos humanos vem sendo produzida.
Em 2005, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a pedido do presidente Lula, lançou a primeira versão do Radar Social, que analisa seis dimensões: trabalho, renda, educação, moradia, segurança e alimentação. A terceira versão do levantamento está prevista para 2008. Em 2004, por
demanda das Nações Unidas, o Brasil também elaborou seu relatório de evolução acerca dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, e apresentou dados da situação do país em relação às 18 metas e 48 indicadores elaborados pela ONU. A partir deste estudo, o país elaborou cinco novas metas nacionais, complementares e mais amplas que os Objetivos do Milênio.
No ano passado, Ipea, Ministério das Relações Exteriores e Secretaria Especial de Direitos Humanos coordenaram o segundo relatório brasileiro de acompanhamento do Pacto Interamericano de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc). E os próprios ministérios têm investido na elaboração e produção de informação em suas áreas específicas, muitas vezes com o apoio de conselhos com representação da sociedade civil.
"Temos avançado, mas ainda de forma não coordenada ou centralizada. Os relatórios ainda são feitos de forma assistemática. Surge a demanda, articula-se um grupo no âmbito governamental, prepara-se o relatório e, quando a tarefa termina, a equipe é desmontada", relata Luiz Fernando Lara Resende, do Ipea. "O que precisamos agora é de um arcabouço institucional que nos permita desenvolver este sistema. Da parte do governo, não faltam recursos humanos para isso. É só uma questão técnica de pensar esses indicadores e uma questão política de dar prioridade a eles. Vejo como possibilidade institucionalizar algum grupo governamental, com participação da sociedade civil e, no prazo de um ano, apresentarmos uma proposta para ser validada nas áreas afins", acredita.
Algumas questões precisam ser respondidas neste processo. Será possível fugir da lógica setorial, por área, dos indicadores já produzidos ou o princípio de funcionamento deste sistema deve ser a indivisibilidade dos direitos humanos? Diante de uma prevalência de dados disponíveis acerca dos direitos econômicos e sociais, é hora de priorizar a produção de dados que respondam a garantia de direitos civis e políticos?
Em maio do ano passado, no âmbito da reunião das altas autoridades em direitos humanos do Mercosul, foi criado um grupo de trabalho para elaborar um marco conceitual para o desenvolvimento de um Sistema de Indicadores de Direitos Humanos. Na avaliação de Zulma Sosa, diretora da Direção Geral de Estatísticas, Pesquisas e Censos do Paraguai - país que tem este ano a presidência do Mercosul -, o grupo espera que as contribuições do processo brasileiro, resultantes em parte do seminário que termina nesta quinta em São Paulo, funcione como um importante laboratório e sirva de exemplo para que outros países avancem rumo a construção de indicadores para o setor.
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21/06/2007 Por Bia Barbosa - Carta Maior
SÃO PAULO - A luta histórica pela defesa, promoção e garantia dos direitos humanos ganhou, nos últimos anos, um aliado estratégico no enfretamento às violações cometidas por agentes públicos e privados. A construção de indicadores para o setor, que apontam de forma precisa, qualitativa e quantitativamente, quais são essas violações, os grupos mais vulneráveis, suas causas e perspectivas de solução, é cada vez mais um importante instrumental técnico para uma afirmação baseada dos direitos. Mais do que isso, medir, cruzar e avaliar dados também são uma ferramenta central para promover o diálogo entre a construção de políticas públicas e os compromissos assumidos internacionalmente pelos Estados.
Há muito tempo a produção de estatísticas faz parte da lógica de planejamento de ações governamentais no Brasil. No campo dos direitos humanos, no entanto, os dados ainda são deficientes. "Há um ano e meio à frente da Secretaria, vemos que de fato há uma carência profunda de indicadores específicos para o setor ou indicadores com enfoque de direitos humanos sobre o que se passa na saúde, na educação, na moradia. Isso atrapalha a afirmação dos direitos no seio dos governos. Sem indicadores fica mais difícil fazer uma pressão intergovernamental para que cada área incorpore esta perspectiva", explica Paulo Vanucchi, ministro de Direitos Humanos.
Para ampliar o debate sobre a sistematização de indicadores que subsidiem a formulação e implementação de políticas públicas no campo, acontece até esta quinta (21), em São Paulo, um seminário internacional que reúne especialistas em avaliação e monitoramento de direitos humanos. "Nossa preocupação é chegar ao dado preciso e a uma investigação séria que possa fortalecer as batalhas que travamos em defesa dos direitos", explica José Gregori, presidente da Comissão Municipal de Direito Humanos de São Paulo, órgão promotor do evento.
Na avaliação dos participantes, é praticamente impossível planejar o desenvolvimento dos países sem a existência de um sistema de monitoramento adequado da situação dos direitos humanos. Isso não atenderia, portanto, somente aos interesses da sociedade civil, de acompanhar as ações e omissões
dos governos em sua tarefa de controle social, mas dos próprios países.
Os aspectos a se analisar são múltiplos. Na construção de indicadores, podem ser utilizados dados coletados especificamente para o monitoramento de tratados, políticas e planos de ação ligados aos direitos humanos ou dados gerados com outros propósitos, mas que se relacionam com direitos de alguma forma. A taxa de moralidade infantil medida em uma cidade, por exemplo, pode revelar informações não apenas sobre o respeito aos direitos da criança, mas também sobre saúde da mulher, renda familiar etc.
Outras questões a serem respondidas são como o dado está sendo coletado, quem é responsável por seu levantamento - se o poder público, organizações não governamentais ou organismos internacionais -, para que tipo de indicador será usado - quantitativo ou qualitativo -, como o dado coletado será utilizado para garantir uma melhora efetiva da vida da população, se a informação poderá depois ser desagregada por critérios de sexo, origem social, raça, orientação sexual, entre outros.
"É preciso estabelecer o dado realmente imparcial, neutro e objetivo para a construção de um indicador", explica Laura Ferguson, pesquisadora associada do Programa de Saúde Internacional e Direitos Humanos da escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard. "E o indicador 'perfeito' é o mais simples, o mais fácil de ser medido, o mais aceitável pela comunidade e o mais transparente", diz.
Para Raul Suarez de Miguel, coordenador do Metágora (projeto internacional de indicadores em direitos humanos, democracia e governança), para ser relevante, um indicador deve estar sempre relacionado a uma política pública ou programa de governo, ser uma forma de garantir direitos de determinada população, tornar evidente a responsabilidade dos governos nos processo e não só apontar problemas, mas encontrar soluções. "Medir direitos humanos é uma tarefa para mudar a qualidade de vida das pessoas. É um processo que tem características políticas, que deve ser participativo. Para serem sustentáveis, os indicadores precisam de base social e legitimidade política", completa.
A experiência brasileira
Na década de 80, o principal indicador social construído no país era o PIB per capita. Nos anos 90, o Brasil passou a utilizar o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) como forma de avaliar a qualidade de vida da população. Mais recentemente, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatíticas)empreendeu uma série de mudanças no sistema de coleta de informações domiciliares de forma a responder às novas demandas. E, nos últimos anos, uma série de indicadores relacionados aos direitos humanos vem sendo produzida.
Em 2005, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a pedido do presidente Lula, lançou a primeira versão do Radar Social, que analisa seis dimensões: trabalho, renda, educação, moradia, segurança e alimentação. A terceira versão do levantamento está prevista para 2008. Em 2004, por
demanda das Nações Unidas, o Brasil também elaborou seu relatório de evolução acerca dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, e apresentou dados da situação do país em relação às 18 metas e 48 indicadores elaborados pela ONU. A partir deste estudo, o país elaborou cinco novas metas nacionais, complementares e mais amplas que os Objetivos do Milênio.
No ano passado, Ipea, Ministério das Relações Exteriores e Secretaria Especial de Direitos Humanos coordenaram o segundo relatório brasileiro de acompanhamento do Pacto Interamericano de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc). E os próprios ministérios têm investido na elaboração e produção de informação em suas áreas específicas, muitas vezes com o apoio de conselhos com representação da sociedade civil.
"Temos avançado, mas ainda de forma não coordenada ou centralizada. Os relatórios ainda são feitos de forma assistemática. Surge a demanda, articula-se um grupo no âmbito governamental, prepara-se o relatório e, quando a tarefa termina, a equipe é desmontada", relata Luiz Fernando Lara Resende, do Ipea. "O que precisamos agora é de um arcabouço institucional que nos permita desenvolver este sistema. Da parte do governo, não faltam recursos humanos para isso. É só uma questão técnica de pensar esses indicadores e uma questão política de dar prioridade a eles. Vejo como possibilidade institucionalizar algum grupo governamental, com participação da sociedade civil e, no prazo de um ano, apresentarmos uma proposta para ser validada nas áreas afins", acredita.
Algumas questões precisam ser respondidas neste processo. Será possível fugir da lógica setorial, por área, dos indicadores já produzidos ou o princípio de funcionamento deste sistema deve ser a indivisibilidade dos direitos humanos? Diante de uma prevalência de dados disponíveis acerca dos direitos econômicos e sociais, é hora de priorizar a produção de dados que respondam a garantia de direitos civis e políticos?
Em maio do ano passado, no âmbito da reunião das altas autoridades em direitos humanos do Mercosul, foi criado um grupo de trabalho para elaborar um marco conceitual para o desenvolvimento de um Sistema de Indicadores de Direitos Humanos. Na avaliação de Zulma Sosa, diretora da Direção Geral de Estatísticas, Pesquisas e Censos do Paraguai - país que tem este ano a presidência do Mercosul -, o grupo espera que as contribuições do processo brasileiro, resultantes em parte do seminário que termina nesta quinta em São Paulo, funcione como um importante laboratório e sirva de exemplo para que outros países avancem rumo a construção de indicadores para o setor.
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