Teatro é a solução
Augusto Boal
Li, com inaudito espanto, artigo que a revista Veja publicou sob o título de O teatro é o problema. De início, fiquei felicíssimo com as revelações do jornalista: em Ribeirão Preto, a prefeitura "colocou 300 adolescentes para interpretar sketches pedagógicos sobre a dengue, em locais públicos". Em Porto Alegre, no Fórum Social Mundial, ativistas "recitaram um ato em favor da estatização da indústria farmacêutica". Em São Paulo, a prefeita "organizou um psicodrama coletivo para discutir 'o que você pode fazer para ter uma cidade feliz?' O evento mobilizou 8.000 moradores". Em Santo André "os grupos teatrais incentivaram o espectador a debater os problemas da cidade e a sugerir soluções".
Depois dessas revelações que enchem minh'alma de justa alegria, o articulista conclui que eu sou o culpado de tudo isso porque inventei o Teatro do Oprimido, e que todo o teatro é intrinsecamente maléfico, pois a nossa população necessita de um "pouco mais de freio inibitório" porque nós "não necessitamos de mais teatros" – e ainda "as igrejas evangélicas trouxeram o benefício de fechar grande quantidade de teatros inúteis". Em suas linhas epilogais, o articulista revela seus temores: "O risco que corremos agora é que, com a vitória de Lula, o teatro brasileiro recupere as forças e tome as ruas".
Diante do pânico do jornalista, eu gostaria de tranqüilizá-lo. O Teatro do Oprimido existe hoje em mais de 70 países. Não cabe ao candidato nenhuma culpa pelo extraordinário desenvolvimento do TO no mundo inteiro, não só nas atividades político-legislativas referidas, mas também psicoterapêuticas, sociais e pedagógicas, nas quais é amplamente utilizado.
É verdade que os exemplos citados foram obra de governos municipais do PT. No entanto, o trabalho que fizemos no ano passado em 37 prisões de São Paulo; o que estamos fazendo com seis grupos do Teatro Legislativo, no Rio; ou com os trabalhadores do MST em todo o Brasil – esse nada têm a ver com nenhum partido.
O medo do articulista muito nos anima e, com ansiedade, esperamos que se cumpra a sua profecia de que "o Brasil se transforme em um gigantesco palco". Não para canastrões, como diz o artigo, mas para que cidadãos livres possam, democraticamente, recuperar o seu legítimo direito à expressão teatral. Ainda uma vez discordo do articulista quando afirma que "os petistas ainda acham que o teatro deve ser usado como instrumento de transformação social". Digo que não só eles, mas, desde Aristóteles, todo mundo. A diferença é que alguns pretendem usá-lo para adormecer os espectadores e, outros, para despertá-los.
Discordo ainda – e nisto tenho o apoio de 99,99% da nossa classe teatral – de que "já não necessitamos de mais teatros... porque já se produzem bobagens suficientes no Brasil". Bobagens, é verdade, vemos em toda a parte: no teatro, sim, mas também no jornalismo, nas telas de TV, nos filmes de inspiração holliudesca, na política. Tenho certeza de que o jornalista não dirá que já não necessitamos de governos ou de novos jornais ou revistas, só porque, por esses meios, tantas tolices já foram ditas e postas em prática.
Quando ele se regozija com o fechamento de teatros e, ao mesmo tempo, se insurge contra o teatro feito nas ruas, na verdade o que o intimida é o fato de ser o teatro uma linguagem que pode ser usada pela população a qualquer momento, em qualquer lugar.
Augusto Boal é teatrólogo
Fonte: JB, 16 de julho de 2002
Fonte: http://www.consciencia.net/artes/teatro.html
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