País não pode conviver com os crimes cometidos pela ditadura
O Brasil precisa apurar com rigor e sem temor os crimes cometidos pela Ditadura Militar (1964-1985). O assunto é de capital importância para o país que é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos.
O Brasil, no entanto, não investiga os crimes cometidos no episódio da Guerrilha do Araguaia (ocorridos há 40 anos), razão pela qual os familiares dos mortos e desaparecidos na guerrilha e entidades de direitos humanos ofereceram denúncia à Corte Interamericana, o que culminou com a condenação do país esta semana.
Segundo Felipe González, presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos “a principal tarefa do Brasil no momento é remover todos os obstáculos que impeçam o cumprimento da sentença, com a determinação para que os fatos sejam apurados e os responsáveis pelos crimes, punidos. O passo inicial seria a revogação da Lei da Anistia, de 1979, que impede o julgamento de agentes do Estado acusados de violações de direitos humanos”.
O coordenador nacional do MNDH, Gilson Cardoso, lembra que o Movimento, inclusive, desenvolve ações como a Campanha pelo Direito à Memória e à Verdade como Direitos Humanos que “pretende sensibilizar, mobilizar e capacitar para construir uma luta que articule diversos agentes sociais a fim de aprofundar a compreensão da memória e da verdade como direitos humanos; pautar a sociedade brasileira sobre a necessidade de garantir acesso às informações e de construir a verdade sobre o período da ditadura militar; mobilizar lideranças sociais, pesquisadores/as, movimentos sociais para a importância da luta pelo direito à memória e à verdade e desenvolver ações de revisão e de formulação da legislação de tal forma a garantir o direito à memória e à verdade”.
“Trata-se de um direito das pessoas que perderam entes nas lutas contra a ditadura militar ver o Estado nacional responsabilizado pelas ações e os autores das atrocidades – tortura, mortes – punidos”, argumenta Gilson Cardoso.
Empecilho
Felipe González, defendendo a condenação do Brasil na Corte, diz que “a principal tarefa do país, no momento, é remover todos os obstáculos que impeçam o cumprimento da sentença, com a determinação para que os fatos sejam apurados e os responsáveis pelos crimes, punidos”.
Ele argumenta que o passo inicial a ser dado pelo Brasil é revogar “a Lei da Anistia, de 1979, que impede o julgamento de agentes do Estado acusados de violações de direitos humanos”.
Pela interpretação jurídica em vigor no País, esses agentes teriam sido beneficiados pela lei, originalmente destinada apenas aos opositores do regime que vivia no exílio, estavam presos ou impedidos de exercer seus direitos políticos. Mas, segundo González, a lei não tem nenhuma validade, porque viola princípios da Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.
"Quando uma lei de anistia beneficia autores de crimes contra a humanidade, como a tortura e o desaparecimento forçado entram em confronto com a Convenção Americana", diz ele. "O Brasil sabe disso, porque há uma jurisprudência bem fundamentada no sistema interamericano em relação a crimes contra a humanidade.
Soberania
Em relação ao argumento apresentado por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) - de que a sentença viola o sistema jurídico e a soberania do País - González observa: "não é invasão de soberania, porque foi o Brasil que, voluntariamente, assumiu obrigações em nível internacional ao ratificar a Convenção Americana e ao reconhecer a jurisdição da corte em matéria contenciosa. Foi o Brasil que entregou essa faculdade à Corte Interamericana."
O presidente da Comissão de Direitos Humanos também observa que as reações iniciais às decisões da corte são freqüentemente de recusa e contestação. Em quase todos os casos, porém, as resistências acabam vencidas.
"O sistema internacional não emprega elementos de coação, mas vai manter o caso aberto até que o Brasil cumpra a sentença", explica. "Periodicamente serão solicitados informes e relatórios e o processo pode demorar anos. Por outro lado, a assembléia da OEA também recebe comunicados anuais sobre os países que não cumprem as sentenças. Com o correr do tempo, as decisões acabam sendo cumpridas. As cortes supremas da Argentina, do Chile e da Colômbia mudaram suas jurisprudências."
Passo
"O Brasil daria um magnífico exemplo e fortaleceria sua imagem se acatasse as determinações", diz ele. "Do ponto de vista interno, não se trata apenas de um confronto com o passado. O cumprimento da sentença fortaleceria a democracia, mostrando que não existem cidadãos de primeira e de segunda categoria e que todos os crimes, não importa quem pratique, são investigados e os culpados, punidos."
Nelson Jobim contradiz
A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos não afeta o país. A análise é do ministro da Defesa, Nelson Jobim.
O ministro argumenta que o STF já tem uma decisão sobre a questão da apuração de crimes da ditadura e, por isso, as decisões da Corte da OEA são “absolutamente ineficazes” no país.
Para ele, “a OEA poderá fazer algum tipo de advertência ao Brasil, mas ficará apenas na advertência diplomática. Não terá nenhum efeito”.
A ação
A demanda contra o Brasil foi apresenta à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em agosto de 1995 pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e pela ONG americana Human Rights Watch/Americas, em nome de pessoas desaparecidas no contexto da Guerrilha do Araguaia e seus familiares.
A decisão coloca em evidência a divergência de posição da Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Estado brasileiro em relação à aplicação da Lei de Anistia de 1979 e à punição de supostos violadores dos direitos humanos que atuaram na repressão política durante a ditadura militar.
A questão da aplicação da lei foi submetida ao Supremo Tribunal Federal que, em abril deste ano, por 7 votos a 2, decidiu contra a revogação da anistia para agentes públicos acusados de cometer crimes comuns durante a ditadura militar. De acordo com o relator da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental movida pela OAB, a anistia concedida em 1979 a crimes políticos e conexos cometidos durante a vigência do regime militar foi admitida na Constituição de 1988, por meio da mesma emenda constitucional que convocou a assembléia nacional constituinte, em 1985.
Para a Corte Interamericana, no entanto, o Brasil "descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, contida em seu artigo 2, em relação aos artigos 8.1, 25 e 1.1 do mesmo instrumento, como conseqüência da interpretação e aplicação que foi dada à Lei de Anistia a respeito de graves violações de direitos humanos".
Para Gilson Cardoso, o Brasil precisa passar sua história a limpo: “não é uma questão de revanchismo. É uma questão de justiça, é uma questão de direito, é uma questão de direitos humanos. Lutava-se pela volta ao Estado de direito. E, portanto, os familiares dos desaparecidos têm pleno direito de ver o seu país revelar fatos até hoje escondidos, resgatar a memória de quem lutou pela liberdade e ver, ainda, o Estado se responsabilizar pelos atos praticados por seus agentes”.
Finalizando, Gilson Cardoso diz que a decisão da Corte Interamericana coloca o STF em cheque e, segundo o coordenador nacional do MNDH “o Brasil tem de acatar a decisão e o governo tem de fazer todos os esforços para agilizar aprovação do Projeto de Lei (PL) 7.376/2010 que cria a Comissão Nacional da Verdade. O MNDH trabalha incessantemente para a aprovação da matéria, essencial para a defesa dos direitos humanos no país”.
Clique aqui para ler a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a Guerrilha do Araguaia.
O Brasil precisa apurar com rigor e sem temor os crimes cometidos pela Ditadura Militar (1964-1985). O assunto é de capital importância para o país que é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos.
O Brasil, no entanto, não investiga os crimes cometidos no episódio da Guerrilha do Araguaia (ocorridos há 40 anos), razão pela qual os familiares dos mortos e desaparecidos na guerrilha e entidades de direitos humanos ofereceram denúncia à Corte Interamericana, o que culminou com a condenação do país esta semana.
Segundo Felipe González, presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos “a principal tarefa do Brasil no momento é remover todos os obstáculos que impeçam o cumprimento da sentença, com a determinação para que os fatos sejam apurados e os responsáveis pelos crimes, punidos. O passo inicial seria a revogação da Lei da Anistia, de 1979, que impede o julgamento de agentes do Estado acusados de violações de direitos humanos”.
O coordenador nacional do MNDH, Gilson Cardoso, lembra que o Movimento, inclusive, desenvolve ações como a Campanha pelo Direito à Memória e à Verdade como Direitos Humanos que “pretende sensibilizar, mobilizar e capacitar para construir uma luta que articule diversos agentes sociais a fim de aprofundar a compreensão da memória e da verdade como direitos humanos; pautar a sociedade brasileira sobre a necessidade de garantir acesso às informações e de construir a verdade sobre o período da ditadura militar; mobilizar lideranças sociais, pesquisadores/as, movimentos sociais para a importância da luta pelo direito à memória e à verdade e desenvolver ações de revisão e de formulação da legislação de tal forma a garantir o direito à memória e à verdade”.
“Trata-se de um direito das pessoas que perderam entes nas lutas contra a ditadura militar ver o Estado nacional responsabilizado pelas ações e os autores das atrocidades – tortura, mortes – punidos”, argumenta Gilson Cardoso.
Empecilho
Felipe González, defendendo a condenação do Brasil na Corte, diz que “a principal tarefa do país, no momento, é remover todos os obstáculos que impeçam o cumprimento da sentença, com a determinação para que os fatos sejam apurados e os responsáveis pelos crimes, punidos”.
Ele argumenta que o passo inicial a ser dado pelo Brasil é revogar “a Lei da Anistia, de 1979, que impede o julgamento de agentes do Estado acusados de violações de direitos humanos”.
Pela interpretação jurídica em vigor no País, esses agentes teriam sido beneficiados pela lei, originalmente destinada apenas aos opositores do regime que vivia no exílio, estavam presos ou impedidos de exercer seus direitos políticos. Mas, segundo González, a lei não tem nenhuma validade, porque viola princípios da Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.
"Quando uma lei de anistia beneficia autores de crimes contra a humanidade, como a tortura e o desaparecimento forçado entram em confronto com a Convenção Americana", diz ele. "O Brasil sabe disso, porque há uma jurisprudência bem fundamentada no sistema interamericano em relação a crimes contra a humanidade.
Soberania
Em relação ao argumento apresentado por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) - de que a sentença viola o sistema jurídico e a soberania do País - González observa: "não é invasão de soberania, porque foi o Brasil que, voluntariamente, assumiu obrigações em nível internacional ao ratificar a Convenção Americana e ao reconhecer a jurisdição da corte em matéria contenciosa. Foi o Brasil que entregou essa faculdade à Corte Interamericana."
O presidente da Comissão de Direitos Humanos também observa que as reações iniciais às decisões da corte são freqüentemente de recusa e contestação. Em quase todos os casos, porém, as resistências acabam vencidas.
"O sistema internacional não emprega elementos de coação, mas vai manter o caso aberto até que o Brasil cumpra a sentença", explica. "Periodicamente serão solicitados informes e relatórios e o processo pode demorar anos. Por outro lado, a assembléia da OEA também recebe comunicados anuais sobre os países que não cumprem as sentenças. Com o correr do tempo, as decisões acabam sendo cumpridas. As cortes supremas da Argentina, do Chile e da Colômbia mudaram suas jurisprudências."
Passo
"O Brasil daria um magnífico exemplo e fortaleceria sua imagem se acatasse as determinações", diz ele. "Do ponto de vista interno, não se trata apenas de um confronto com o passado. O cumprimento da sentença fortaleceria a democracia, mostrando que não existem cidadãos de primeira e de segunda categoria e que todos os crimes, não importa quem pratique, são investigados e os culpados, punidos."
Nelson Jobim contradiz
A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos não afeta o país. A análise é do ministro da Defesa, Nelson Jobim.
O ministro argumenta que o STF já tem uma decisão sobre a questão da apuração de crimes da ditadura e, por isso, as decisões da Corte da OEA são “absolutamente ineficazes” no país.
Para ele, “a OEA poderá fazer algum tipo de advertência ao Brasil, mas ficará apenas na advertência diplomática. Não terá nenhum efeito”.
A ação
A demanda contra o Brasil foi apresenta à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em agosto de 1995 pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e pela ONG americana Human Rights Watch/Americas, em nome de pessoas desaparecidas no contexto da Guerrilha do Araguaia e seus familiares.
A decisão coloca em evidência a divergência de posição da Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Estado brasileiro em relação à aplicação da Lei de Anistia de 1979 e à punição de supostos violadores dos direitos humanos que atuaram na repressão política durante a ditadura militar.
A questão da aplicação da lei foi submetida ao Supremo Tribunal Federal que, em abril deste ano, por 7 votos a 2, decidiu contra a revogação da anistia para agentes públicos acusados de cometer crimes comuns durante a ditadura militar. De acordo com o relator da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental movida pela OAB, a anistia concedida em 1979 a crimes políticos e conexos cometidos durante a vigência do regime militar foi admitida na Constituição de 1988, por meio da mesma emenda constitucional que convocou a assembléia nacional constituinte, em 1985.
Para a Corte Interamericana, no entanto, o Brasil "descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, contida em seu artigo 2, em relação aos artigos 8.1, 25 e 1.1 do mesmo instrumento, como conseqüência da interpretação e aplicação que foi dada à Lei de Anistia a respeito de graves violações de direitos humanos".
Para Gilson Cardoso, o Brasil precisa passar sua história a limpo: “não é uma questão de revanchismo. É uma questão de justiça, é uma questão de direito, é uma questão de direitos humanos. Lutava-se pela volta ao Estado de direito. E, portanto, os familiares dos desaparecidos têm pleno direito de ver o seu país revelar fatos até hoje escondidos, resgatar a memória de quem lutou pela liberdade e ver, ainda, o Estado se responsabilizar pelos atos praticados por seus agentes”.
Finalizando, Gilson Cardoso diz que a decisão da Corte Interamericana coloca o STF em cheque e, segundo o coordenador nacional do MNDH “o Brasil tem de acatar a decisão e o governo tem de fazer todos os esforços para agilizar aprovação do Projeto de Lei (PL) 7.376/2010 que cria a Comissão Nacional da Verdade. O MNDH trabalha incessantemente para a aprovação da matéria, essencial para a defesa dos direitos humanos no país”.
Clique aqui para ler a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a Guerrilha do Araguaia.
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