sábado, 26 de janeiro de 2008

Boaventura Sousa Santos

Boaventura analisa Justiça brasileira e defende revolução democrática

– Novo livro de Boaventura Sousa Santos: Para uma revolução democrática da justiça –

Flávia Carlet

Carta Maior

Novo livro do sociólogo português desafia‑nos a pensar sobre tal revolução como exigência de um tempo marcado pelo protagonismo do actual sistema judicial e pela conscientização das classes populares sobre a desigualdade e violações de direitos.

Já não é novidade o facto de que a política económica neoliberal tem actuado de modo globalizado em nome de uma agenda que, dentre outras pautas, tem objectivado a prevalência do mercado em detrimento do Estado, do sector privado sobre o público, do individual sobre o colectivo. São conhecidas no mundo inteiro, em especial nos países latino­‑americanos, as escandalosas sequelas sociais fruto desta política, em especial a falta de casa e comida, os altos índices de desemprego e a degradação ambiental.

Neste projecto de globalização, o direito hegemonicamente vigente tem­‑se colocado a serviço desta agenda a quem tem garantido preferência e protecção efectiva, sobretudo através do sistema jurídico estatal.

O resultado disso, sobretudo no Brasil, tem­‑se reflectido na ausência de uma cultura jurídica democrática, traduzida não apenas no crescente afastamento entre o sistema judiciário e as demandas de prestação jurisdicional – notadamente das camadas populares –, como também na formação legalista dos magistrados, num sistema judicial voltado para a segurança jurídica dos negócios e da economia, na incompreensão das actuais exigências sociais e na baixa aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal.

OS SISTEMAS JURÍDICO E JUDICIAL SOB A IDEIA DE REVOLUÇÃO

Superar esta realidade a partir de uma ampla revolução democrática do direito e da justiça é o que vem propondo o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Lançada no final do ano passado, durante o Encontro do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável, a sua mais recente produção bibliográfica, intitulada Para uma revolução democrática da justiça (Editora Cortez, 2007), representa uma das mais lúcidas e pertinentes contribuições sobre o tema.

Centrado nos sistemas jurídico e judicial brasileiro, Boaventura desafia­‑nos a pensar sobre tal revolução como exigência de um tempo marcado não apenas pelo crescente protagonismo social e político do actual sistema judicial, como também por uma colectividade de cidadãos, em especial as classes populares, cada vez mais consciente das desigualdades e violações de direitos fundamentais de que são vítimas.

A revolução democrática da justiça é uma tarefa exigente, que só fará sentido se for tomada como ponto de partida uma concepção emancipatória do acesso ao direito e à justiça. Para tanto, enfatiza, são necessárias profundas transformações na cultura jurídica e judiciária que só serão possíveis se forem capazes de compreender uma nova formação dos operadores do direito; profundas reformas processuais; novas concepções de independência judicial; uma nova relação de poder judicial, mais próxima dos movimentos e organizações sociais; novos mecanismos de protagonismo no acesso ao direito e à justiça e ainda uma cultura jurídica democrática.

Ideias e contribuições relativas ao tema da democratização do acesso à justiça não são novas. O mérito das discussões provocadas por Boaventura de Sousa Santos, em especial aquelas aventadas neste livro recente, está justamente em evidenciar que o actual momento social e jurídico é «tão estimulante quanto exigente». Experiências como as promotoras legais populares, as assessorias jurídicas universitárias, o programa justiça comunitária e a advocacia popular, são exemplos de iniciativas existentes no Brasil, valorizadas pelo autor, que muito tem contribuído para a reinvenção de práticas alternativas ao direito hegemonicamente vigente. Uma revolução democrática seria assim, por que não, um caminho contra-hegemónico, capaz de originar um paradigma emancipatório de promoção e garantia de uma justiça social e cidadã.

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