segunda-feira, 12 de abril de 2010

Entrevista: Dudu Nicácio

Entrevista: Dudu Nicácio

Calça social, sapato preto, blusa risca de giz. Sentado a frente de um computador, digitava com rapidez e atenção. Foi assim que encontrei
Dudu Nicácio, no 6º andar do prédio da Faculdade de Direito da UFMG. Muito diferente do figurino que costumamos ver ele vestindo em cima dos palcos, com o Dois do Samba, ou a frente de projetos como "Choro Livre" e "Do Morro ao Asfalto". Mas é que, além de agitador cultural e músico, Dudu também é advogado. Trabalha com direitos humanos no Projeto de Extensão da UFMG Pólos de Cidadania. As roupas sérias, mesmo sob o calor de 30 graus que fazia em Belo Horizonte, não escondiam a simpatia o bom humor. Durante os quase 50 minutos a descontração marcou a conversa.

Dudu, você é formado em Direito, como começou sua carreira artística?

Na verdade minha carreira artística começou antes da jurídica. Eu nasci em Belo Horizonte, mas fui criado na cidade de Oliveira, que tem um cenário artístico muito grande. E desde moleque trabalho com teatro amador, depois na adolescência eu cantava em bares, mas tudo de forma amadora. Profissionalmente, eu comecei em 2002, aqui em BH. O marco do inicio da minha carreira foi quando ingressei naquele ano para o "Oficinão do Galpão", com o Chico Pelúcio. E no mesmo ano, produzi e me apresentei no projeto "Reciclo Geral", que no Reciclo. Esse projeto foi um barato, por que participaram vários compositores que estavam iniciando sua carreira naquela época. Hoje, boa parte desses artistas está se consolidando. Apresentaram, além de mim, Érica Machado, Pedro Morais, Makely Ka, que também era um dos organizadores, Mestre Jonas, Sergio Pererê, mais uma série de artistas. Era o lançamento de uma cena de artistas que estavam iniciando sua carreira. A partir dali conseguimos muita visibilidade. Então o marco para mim é esse, tanto como produtor, como artista. Já meu primeiro CD foi gravado em parceria com a cantora Leopoldina, e é um disco mais ligado as tradição da música mineira.

E de lá para cá, quais foram os principais projetos que você participou?

Acabei montando uma agência cultural, que chama "Ultrapássaro". Ela desenvolve inúmeros projetos, mas podemos destacar o "Choro Livre", que era um festival de chorinho nos mercados da cidade. O "Do Morro ao Asfalto", que é um circuito de samba nas favelas. E nesse projeto eu participo também como artista, com "Dois do Samba", que é quem comanda a roda. E tem outros, como o "Samba do Compositor", que desenvolvo com o Miguel dos Anjos e o Mestre Jonas. E artístico tem um monte. Já participei do Conexão Vivo, Stereoteca, esse ano lançamos o cd do "Dois do Samba" na Europa.

A carreira jurídica, continua?

Continua! Bom, sou formado em Direito, desde 2005, e atuo mais na área acadêmica. Eu coordeno um programa de pesquisa e extensão da UFMG, que chama Pólos de Cidadania. E paralelamente desenvolvo minha pesquisa de mestrado, também na área de Direitos Humanos, e coordeno o Fórum Mineiro de Direitos Humanos. Ih uma trabalheira danada...

Você participa e produz o projeto de "Do morro ao asfalto" e "Samba do Compositor". O interesse pelo samba é de família?

Eu me envolvi profissionalmente com o samba em 2006, quando já tinha até disco lançado. Mas já tenho a tradição de samba desde criança. Meu pai, lá em Oliveira coordenava uma escola de samba. Então chegava novembro, toda noite era ir para a escola de samba ver o ensaio, ver montar carro alegórico. Quando eu mudei para Belo Horizonte, fui morar no Caiçara, e lá tem o "Opção". Era muito perto da minha casa, então ia para lá toda semana, e o "seu Ronaldo" me deixavaeu tocar. Ai eu aprendia muita coisa, conhecia os sambistas da cidade. Só mais tarde, na época do lançamento do meu primeiro disco, com a Leopoldina, eu passei a compor samba, com meu parceiro, hoje do "Dois no Samba", Rodrigo Braga. Depois vieram outros parceiros, e os projetos que passei a desenvolver também tinha muito de samba. Apesar de não ser só de samba.

"Do morro ao asfalto", "Choro Livre", você busca em seus projetos um resgate da música brasileira. Para você, ainda falta valorização e resgate em Belo Horizonte?

Acho que esta cada vez mais acontecendo, e vejo uma forma muito positiva de como acontece. Por exemplo, o "Samba do Compositor" o que a gente mais visa é consolidar uma cena de sambistas no estado. Minas sempre forneceu sambistas, mas essas pessoas nunca foram identificadas como mineiras. Assim como existe em São Paulo, todos falam no samba paulista, no Rio, na Bahia, com seu samba mais mole, mais cadenciado. A nossa tarefa é desenvolver essa cena. O projeto surgiu em 2006 e a partir dele inúmeros outras iniciativas já surgiram na cidade e no estado, nessa mesma direção de consolidação do samba. E por outro lado, que o público também está ligado a esse samba. No chorinho a mesma coisa, há muito tempo que vem surgindo muitas rodas de chorinho na cidade, e agora todos esses artistas estão conseguindo visibilidade, a gravar seus discos.

Mas, para você, como está o cenário cultural de BH hoje?

Por um lado, tem crescido muito a profissionalização dos artistas mineiros. Acho que as leis de incentivo contribuem muito para isso, e esse é um lado positivo da lei. Então tem uma oferta grande para o público. Até mesmo os projetos com entrada franca. Como as leis têm ajudado, a maioria dos projetos tem entrada franca. Mas, quando não tem a lei, você tem que sustentar o evento, aí tem que cobrar. Então acaba que muitas vezes esses os projetos que não tem incentivo são prejudicados. Hoje a gente tem que a entrada não seja somente franca, ela possa ter o reconhecimento do valor daquele projeto. Pedimos doação de alimentos, de um brinquedo. Mas que a pessoa tenha algum esforço para que ela usufrua daquela cultura que está sendo mostrada. Senão acaba sendo um sistema autoritário, quem está com o dinheiro da lei consegue fazer, consegue ter entrada franca, e consegue ter público. Quem está do outro lado, não consegue fazer, tem que cobrar um pouquinho e não tem público. Existe esse dilema, e a gente tem que ficar atento. A pessoa tem que na verdade é avaliar, o que vale a pena pagar um pouquinho mais.


E em que somos referência?

Todos os lugares produzem arte, então em termos de produção artística é difícil de fazer esse julgamento. Ainda mais no Brasil, que tem uma criação artística muito grande. O que eu vejo é que a gente aqui tem conseguido articular mais espaços, e a classe artística tem conseguido trabalhar mais organizada. E assim conseguido cobrar mais do governo, e isso possibilita um maior acesso aos recursos públicos, de forma honesta, de forma democrática. E isso tem ajudado muito os artistas independentes. Então eu acho que isso tem sido um diferencial em relação aos outros estados. As leis aqui, por mais que tenha que melhorar, que implantar outras políticas publicas, mas isso eu percebo que contribui mais. Funciona, por exemplo, muito melhor que do Rio de Janeiro. Um artista independente, em inicio de carreira lá, passa um cortado muito maior que aqui. Lá o artista ou é global, ou tem que lamber muita noite até se destacar. Aqui você tem conseguido fazer intermédios, que já dão uma dinamizada na vida do artista.

Você tem destacado a Lei de Incentivo a Cultura, acha que seria possível produzir sem ela?

A lei tem que ser um apoio, não um fundamento: "se eu não tiver lei eu não faço". Por exemplo, eu tenho dois discos gravados, e ambos eu fiz com recursos próprios, só depois consegui recurso para o lançamento. È muito mais difícil, é muito mais duro, literalmente né, já que você tem que tirar dinheiro quase sempre de onde não tem. Mas isso não pode ser limite da pessoa fazer ou não fazer.

E qual outra política pública é essencial para o fomento da cultura na cidade?

Cada vez mais tem se pensado que você não pode transmitir a responsabilidade do estado, de uma fundação publica de cultura popular.

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