Alimentos mais caros, e nas mãos de poucos. Dez empresas dominam mercado global e dificultam reação à alta de preços
Um punhado de grandes empresas domina os setores de alimentos, sementes, fertilizantes e transgênicos, no atacado e no varejo globais, agravando as dificuldades dos países de conter o impacto da disparada dos preços nas suas economias — a segunda em três anos — e reduzindo a sua capacidade de reação a crises. Dados da ETC, organização especializada no acompanhamento de alimentos, indicam que apenas dez empresas — entre elas Cargill, Bunge, Louis Dreyfus e ADM — dominam o mercado mundial neste segmento. O grupo restrito concentra nada menos do que 67% das marcas registradas de sementes e 89% dos agroquímicos.
A reportagem é de Vivian Oswald e publicada pelo jornal O Globo, 20-02-2011.
Nem mesmo o Brasil, celeiro global, escapa da sina. Responsáveis por pouco mais de 7% de tudo o que o país exportou no ano passado, as quatro empresas figuram na lista dos 14 maiores exportadores do país: Bunge (3ª posição), Cargill (6ª ), Louis Dreyfus (7ª ) e ADM (14ª ). De acordo com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), o grupo controla o armazenamento de grãos do país e ainda condiciona o financiamento da produção e pesquisa, além da aquisição das plantações, à venda dos fertilizantes e defensivos agrícolas, segmentos que também dominam.
— Em março, vamos ver a força destas empresas. É o anúncio da safra dos Estados Unidos. Como são todas americanas (à exceção da Louis Dreyfus), diante do que sair lá, vão pautar o que temos de plantar aqui — disse a presidente da CNA, Kátia Abreu.
Grandes controlam exportação aqui e compras lá fora
As mesmas grandes tradings que exportam no Brasil são as empresas que compram, na outra ponta, no exterior, dominando todos os extremos da cadeia. Das 13 milhões de toneladas do último leilão de milho da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para regular os preços da commodity no Brasil, 11,2 milhões foram comprados pelas grandes empresas.
O diretor de Assuntos Corporativos da Bunge, Adalgiso Telles, garante que as grandes empresas não têm o poder que se imagina e que os preços são ditados pelos volumes de oferta e demanda. Ele atribui as pressões recentes nos preços de alimentos às enchentes e secas pelo mundo e à alta da demanda de consumidores de países como Índia e China.
— Como podem ter controle de preços, se os lucros de empresas como a Bunge oscilam próximos de 1% do seu faturamento? — diz.
As três maiores redes de supermercados que operam no Brasil, Wal-Mart, Carrefour e Pão de Açúcar, que detêm cerca de 50% dos alimentos comercializados no país, também estariam pautando o que o consumidor brasileiro come, do campo à mesa, segundo o diretor de Política agrícola e Informações da (Conab), Silvio Porto. A maioria dá até as sementes que quer plantadas.
— Até pouco tempo, quase não se consumia manjericão e outros temperos frescos. Os supermercados nos pediram para plantar e tivemos que aprender a lidar com a planta. Depois, o pessoal tomou gosto. Eu mesma passei a fazer salada sempre com manjericão — diz a produtora Carmelita Horn, que abastece grandes redes em Brasília.
Porto afirma que os grandes determinam uma espécie de padronização nos hábitos de consumo segundo os seus próprios interesses. Ao ignorar os regionalismos, sujeitam o país inteiro às oscilações de preços sem abrir margem para a substituição de produtos por iguarias locais, obrigando o consumidor do Nordeste ao Sul a consumir os mesmos itens. Elas também tiram do mapa a concorrência dos pequenos e médios mercados, aumentando ainda mais a dependência dos clientes.
Pão de Açúcar tem rede de 415 fornecedores
O vice-presidente Corporativo do grupo Pão de Açúcar, Hugo Bethlem, garante que não existe concentração no varejo brasileiro, diferentemente do que há na Europa, por exemplo. Segundo ele, é o cliente que dá as regras.
— As empresas não têm essa força. Dos 20 mil produtos novos lançados pela indústria por ano, apenas 2% têm mais de dois anos de vida útil — defendeu Bethlem.
Ele admitiu que o Pão de Açúcar foi pioneiro ao desenvolver 415 fornecedores de frutas, legumes e verduras, ajudando a escolher desde a semente a garantir que estão todos certificados.
— Isso garante a quantidade, a qualidade e o preço que o cliente quer — afirmou.
Outra grande falha apontada por todos os especialistas é o fato de a infraestrutura — ou a falta dela — nos países em desenvolvimento também estar concentrada nas mãos de alguns, oferecendo pouca concorrência e encarecendo de maneira significativa o custo dos transportes.
— Quando começamos a ver um processo extremamente significativo de concentração nos âmbitos dos insumos, grãos, produção, infraestrutura, varejo, atacado, sementes e químicos, é preocupante. É suicídio e perda total de controle por parte do Estado, que perde a capacidade de intervir — diz Porto.
A economista sênior da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Concepción Calpe, explicou que a concentração não é o principal fator responsável pela alta dos preços, mas agrava o cenário e reduz as armas dos governos. Ela diz que o freio à alta de preços passa pelo aumento da produção e o investimento em tecnologia e inovação.
Preços estão no maior patamar desde 1990
Já a redução da volatilidade, diz, passa por uma maior regulação no mercado financeiro. Concepción garante que aumentar os estoques dos produtos não resolve os problemas mundiais e oferecem um custo muito alto para os países.
Números da FAO mostram que a inflação das commodities já supera aquela registrada em 2008, no auge da alta dos preços dos alimentos. O índice subiu em janeiro pelo sétimo mês seguido, registrando o maior patamar desde o início da série histórica, em 1990, a 230,7 pontos. De acordo com dados do Banco Mundial, o setor de alimentos e agrícola corresponde a 10% do PIB global, o que equivale a mais de US$4,8 trilhões.
Cargill, ADM e Dreyfus não comentaram o assunto. O Carrefour e o Wal-Mart também não.
Fonte: Instituto Humanitas
Um punhado de grandes empresas domina os setores de alimentos, sementes, fertilizantes e transgênicos, no atacado e no varejo globais, agravando as dificuldades dos países de conter o impacto da disparada dos preços nas suas economias — a segunda em três anos — e reduzindo a sua capacidade de reação a crises. Dados da ETC, organização especializada no acompanhamento de alimentos, indicam que apenas dez empresas — entre elas Cargill, Bunge, Louis Dreyfus e ADM — dominam o mercado mundial neste segmento. O grupo restrito concentra nada menos do que 67% das marcas registradas de sementes e 89% dos agroquímicos.
A reportagem é de Vivian Oswald e publicada pelo jornal O Globo, 20-02-2011.
Nem mesmo o Brasil, celeiro global, escapa da sina. Responsáveis por pouco mais de 7% de tudo o que o país exportou no ano passado, as quatro empresas figuram na lista dos 14 maiores exportadores do país: Bunge (3ª posição), Cargill (6ª ), Louis Dreyfus (7ª ) e ADM (14ª ). De acordo com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), o grupo controla o armazenamento de grãos do país e ainda condiciona o financiamento da produção e pesquisa, além da aquisição das plantações, à venda dos fertilizantes e defensivos agrícolas, segmentos que também dominam.
— Em março, vamos ver a força destas empresas. É o anúncio da safra dos Estados Unidos. Como são todas americanas (à exceção da Louis Dreyfus), diante do que sair lá, vão pautar o que temos de plantar aqui — disse a presidente da CNA, Kátia Abreu.
Grandes controlam exportação aqui e compras lá fora
As mesmas grandes tradings que exportam no Brasil são as empresas que compram, na outra ponta, no exterior, dominando todos os extremos da cadeia. Das 13 milhões de toneladas do último leilão de milho da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para regular os preços da commodity no Brasil, 11,2 milhões foram comprados pelas grandes empresas.
O diretor de Assuntos Corporativos da Bunge, Adalgiso Telles, garante que as grandes empresas não têm o poder que se imagina e que os preços são ditados pelos volumes de oferta e demanda. Ele atribui as pressões recentes nos preços de alimentos às enchentes e secas pelo mundo e à alta da demanda de consumidores de países como Índia e China.
— Como podem ter controle de preços, se os lucros de empresas como a Bunge oscilam próximos de 1% do seu faturamento? — diz.
As três maiores redes de supermercados que operam no Brasil, Wal-Mart, Carrefour e Pão de Açúcar, que detêm cerca de 50% dos alimentos comercializados no país, também estariam pautando o que o consumidor brasileiro come, do campo à mesa, segundo o diretor de Política agrícola e Informações da (Conab), Silvio Porto. A maioria dá até as sementes que quer plantadas.
— Até pouco tempo, quase não se consumia manjericão e outros temperos frescos. Os supermercados nos pediram para plantar e tivemos que aprender a lidar com a planta. Depois, o pessoal tomou gosto. Eu mesma passei a fazer salada sempre com manjericão — diz a produtora Carmelita Horn, que abastece grandes redes em Brasília.
Porto afirma que os grandes determinam uma espécie de padronização nos hábitos de consumo segundo os seus próprios interesses. Ao ignorar os regionalismos, sujeitam o país inteiro às oscilações de preços sem abrir margem para a substituição de produtos por iguarias locais, obrigando o consumidor do Nordeste ao Sul a consumir os mesmos itens. Elas também tiram do mapa a concorrência dos pequenos e médios mercados, aumentando ainda mais a dependência dos clientes.
Pão de Açúcar tem rede de 415 fornecedores
O vice-presidente Corporativo do grupo Pão de Açúcar, Hugo Bethlem, garante que não existe concentração no varejo brasileiro, diferentemente do que há na Europa, por exemplo. Segundo ele, é o cliente que dá as regras.
— As empresas não têm essa força. Dos 20 mil produtos novos lançados pela indústria por ano, apenas 2% têm mais de dois anos de vida útil — defendeu Bethlem.
Ele admitiu que o Pão de Açúcar foi pioneiro ao desenvolver 415 fornecedores de frutas, legumes e verduras, ajudando a escolher desde a semente a garantir que estão todos certificados.
— Isso garante a quantidade, a qualidade e o preço que o cliente quer — afirmou.
Outra grande falha apontada por todos os especialistas é o fato de a infraestrutura — ou a falta dela — nos países em desenvolvimento também estar concentrada nas mãos de alguns, oferecendo pouca concorrência e encarecendo de maneira significativa o custo dos transportes.
— Quando começamos a ver um processo extremamente significativo de concentração nos âmbitos dos insumos, grãos, produção, infraestrutura, varejo, atacado, sementes e químicos, é preocupante. É suicídio e perda total de controle por parte do Estado, que perde a capacidade de intervir — diz Porto.
A economista sênior da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Concepción Calpe, explicou que a concentração não é o principal fator responsável pela alta dos preços, mas agrava o cenário e reduz as armas dos governos. Ela diz que o freio à alta de preços passa pelo aumento da produção e o investimento em tecnologia e inovação.
Preços estão no maior patamar desde 1990
Já a redução da volatilidade, diz, passa por uma maior regulação no mercado financeiro. Concepción garante que aumentar os estoques dos produtos não resolve os problemas mundiais e oferecem um custo muito alto para os países.
Números da FAO mostram que a inflação das commodities já supera aquela registrada em 2008, no auge da alta dos preços dos alimentos. O índice subiu em janeiro pelo sétimo mês seguido, registrando o maior patamar desde o início da série histórica, em 1990, a 230,7 pontos. De acordo com dados do Banco Mundial, o setor de alimentos e agrícola corresponde a 10% do PIB global, o que equivale a mais de US$4,8 trilhões.
Cargill, ADM e Dreyfus não comentaram o assunto. O Carrefour e o Wal-Mart também não.
Fonte: Instituto Humanitas
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