Educação Em Direitos Humanos: Unidade Na Diversidade
APRENDENDO A UNIDADE NA DIVERSIDADE: Nós e Eles
Luis Henrique Beust
Em todos os seres humanos, a noção da identidade, de quem eu sou, está irremediavelmente ligada à noção da alteridade, de quem tu és. Assumimos um eu no mesmo momento em que percebemos um tu. Não há eu sem tu. Issose dá nas primeiras semanas e meses de vida, quando o bebê começa a perceber que existem seres (a mãe, primeiramente, depois o pai e os demais, irmãos, parentes, etc.) que estão, por assim dizer “fora dele”, enquanto ele, o bebê,está “dentro de si”.
Logo após as noções de eu e de tu nascerem – e nascem juntas – surge a noção de nós. Primeiro: eu, o bebê, tu, a mamãe; tu, o papai; tu, o irmãozinho,e assim por diante... e, logo em seguida, nós: eu e a mamãe; nós: eu e o papai; nós: eu e meu irmãozinho... Mais adiante, sucessivas noções de nós vão sendo construídas e consolidadas, sempre com o eu no centro do nós e o nós no centro do mundo! Assim como para cada noção de eu existe uma noção de outro, para cada noção de nós existe uma noção de outros, ou de eles. O eu está acolhido, envolvido no nós. O eles está separado do eu, e mantém com ele uma relação de antagonismo, quer sutil, quer explícito.
Por exemplo; nós – os filhos, eles – os pais; nós – a nossa família, eles – os vizinhos; nós – eu e o papai que queremos ver o jogo de futebol na tv, eles - a mamãe e minha irmã que querem ir visitar a vovó; nós – da primeira série,eles – da segunda; nós – os meninos, elas – as meninas; e assim por diante, infinitamente.
A noção de nós e de eles é poderosíssima por ser um dos primeiros e mais fundamentais entendimentos que desenvolvemos a respeito do mundo e de como ele funciona. Tanto o nós como o eles estão indissoluvelmente ligados ao eu.O nós são aqueles que “se parecem” com o eu. Os eles são os “diferentes”.
É bom lembrar que essa noção de nós e de eles não é uma noção abstrata.Ela se configura em grupos humanos concretos, em conjuntos de pessoas que são reconhecidas por cada indivíduo. Há grupos humanos que são percebidos como sendo parte de um nós, e outros que são considerados como eles. Essa percepção do nós e do eles é uma das mais fundamentais noções a guiar os sentimentos e comportamentos humanos. Nossas simpatias, bem-querenças e lealdades; nosso respeito, admiração e amor – todos passam pelo filtro do nós e do eles. Os seres humanos pensam, sentem e agem em relação a outros seres humanos, conforme os classifiquem como parte do nós ou do eles. Sempre reservamos para os que fazem parte do nós o melhor de nossas emoções e nossos esforços, e para osque são parte do eles escolhemos entregar o restolho e a escória de nossos sentimentos e ações.
Entre os participantes de qualquer grupo humano sempre haverá um potencial conflito de interesses, percepções, objetivos, métodos... Na busca de solução para esses conflitos, os métodos e encaminhamentos empregados variam tremendamente se o conflito é entre pessoas consideradas como membros donós, ou se elas pertencem ao eles. O conflito entre nós busca ser resolvido pela negociação, pelo diálogo, pela arbitragem, pela justiça e pela legislação. Os conflitos entre nós e eles, entretanto, tendem a ser tratados pelo confronto,pela violência, pela agressão e pela guerra.
Talvez a situação mais extrema nesta diferença de tratamento entre osque pertencem ao nós e ao eles seja o conflito bélico. Na guerra, dois exércitos se enfrentam como inimigos. Cada soldado faz parte de um nós - o exército ao qual pertence - e, para cada um, os soldados do exército inimigo são o eles. Todos os que pertencem ao nós são tratados como amigos e os que pertencem ao elessão inimigos. Entretanto, paradoxalmente, com certeza devem existir homens no exército de cá que poderiam ser os melhores amigos de soldados do exército de lá, pelos valores que nutrem, pelo caráter que possuem, pelos interesses que os motivam, pela profissão que exercem, pelos passatempos que apreciam, etc. Ao mesmo tempo, entre os soldados de um mesmo exército pode não haver afinidade ou coisas em comum, a não ser o fato de fazerem parte da mesma tropa. Porém, esses potenciais amigos que estão em exércitos inimigos nunca chegarão a se conhecer e a estabelecer laços, pois estão separados pela terrível barreira do nós e do eles. Para os que pertencem ao nós, cada um reserva o melhor de sua habilidade de defesa e proteção, por piores companheiros que sejam; para os que pertencem ao eles, cada soldado trata de empregar o piorde seu ódio e força destrutiva, por melhores companheiros que poderiam vir a ser.
Embora essas noções e percepções de nós e de eles sejam tão poderosas, elas não são estáticas. É possível incorporar, quase num passe de mágica, os que eram eles no círculo do nós. Por exemplo, podemos dizer: “Nós, de nossa família. Eles, os vizinhos.” Mas se dissermos “nós, os moradores do nosso prédio”, então eles passam a fazer parte de um novo nós. Podemos dizer “nós, os paulistas; eles, os mineiros”. Mas, se dissermos “nós, os brasileiros”, então eles passam a ser parte de nós. Da mesma forma, podemos pensar “nós, os brasileiros; eles, os uruguaios”. Mas se pensarmos “nós, os latino-americanos”, não temos mais eles, apenas um grande nós. Podemos nos referir a “nós, os latino-americanos; eles,os europeus”. Mas podemos superar esta dicotomia dizendo “nós, os seres humanos”.
Este paradigma de construir uma percepção em que o eles desapareça, para dar lugar a uma dimensão sempre maior e mais ampla do nós pode ser ensinada e aprendida, e pode transformar drasticamente a maneira como vemos e sentimoso mundo e as pessoas. Na verdade, podemos dizer que uma percepção imaturada realidade está constantemente dividindo a humanidade em nós e eles. Uma percepção madura e espiritualizada reconhece apenas dimensões cada vez maiores do nós. A qualidade de nosso afeto, respeito e amor sempre estará na dependência de como classificamos as pessoas: se como partes do nós ou do eles. É claro, portanto, que nossa capacidade de gostar, respeitar e amar sempre será proporcional ao tamanho do nós que criamos ao nosso redor e no qual nos inserimos. Aqueles que trabalham com o nós universal, que reconhecem em todos os seres humanos um irmão, estes podem experimentar o amor universal; elesse encontram acima das barreiras e limitações que bloqueiam o amor doshomens restritos às fronteiras arbitrárias e artificiais do nós e do eles.As figuras 1 e 2 representam graficamente estas duas cosmovisões. A figura 1 representa a percepção de um mundo cercado de eles (alguns mais parecidoscom o nós, outros extremamente distintos e ameaçadores). A figura 2 mostrauma cosmovisão na qual cada dimensão de nós é acrescida de um nós mais amplo e abrangente, numa cadeia infinita de identificação, harmonização e respeito.
Figura 1. Percepção Imatura da Realidade
igura 2. Percepção madura da Realidade
Como já vimos, quando as pessoas, ou grupos humanos, são capazes de perceber os outros como esferas aumentadas do nós, então dimensões adicionais de respeito, lealdade e amor podem ser construídas nas relações sociais. Nisso estão os fundamentos da paz, da cultura de paz e da unidade na diversidade.
Ao longo dos séculos, vários entre os grandes personagens da história universal – filósofos, humanistas, profetas e cientistas – expressaram, de uma forma ou de outra, esta noção de uma fraternidade que se estende além dos círculos mais imediatos e mais óbvios ao redor de cada um de nós.
Sócrates, o pai da filosofia ocidental, por exemplo, assim se expressou:“Não sou um ateniense, ou um grego, mas um cidadão do mundo.” (1)
É óbvio que estas palavras não poderiam ser pronunciadas por alguém que dividisse o mundo em categorias rígidas de nós e eles. Para Sócrates, o mundointeiro era um grande nós. Charles Darwin, um dos maiores nomes das ciências em todos os tempos, assim se expressou: “À medida que o homem desenvolve a civilização e pequenas tribos são unidas em comunidades mais amplas, a mais simples lógica diz a cada indivíduo que ele ou ela precisa estender seus instintos e simpatias sociais a todos os membros da mesma nação, apesar de não os conhecer pessoalmente. Uma vez alcançado este ponto, há apenas uma barreira artificial que impede suas impatias de se estenderem aos homens de todas as nações e raças.” (2)
Darwin toca diretamente no ponto crucial: as fraternidades, a partir do sentimento de pertencer a um nós – uma tribo, uma cidade-estado, um estado-nação –, são construídas social e historicamente, são elaboradas a partir de convenções sócio-culturais. E isso aponta para o quão artificiais são as barreiras que separam os nós dos eles. Se educados adequadamente, todos os seres humanos podem desenvolver um sentimento de fraternidade que se estenda a todos os demais seres humanos, independentemente de sua origem, etnia, nacionalidade, religião ou ideologia. São os preconceitos institucionalizados, geralmente a serviço dos interesses de poucos, que impedem o desenvolvimento pleno da fraternidade universal.
Edgar Morin, uma das vozes mais significativas da filosofia contemporânea, aponta para essa possibilidade educacional: “A missão da educação para a era planetária é fortalecer as condições de possibilidade da emergência de uma sociedade-mundo composta por cidadãos protagonistas, conscientes e criticamente comprometidos com a construção de uma civilização planetária.” (3)
Os educadores podem encorajar seus alunos a superarem essas barreiras artificiais convidando-os a refletirem, de diversas formas e em vários contextos, no que têm em comum com os vários nós ao seu redor: família, escola, cidade, país, religião, etnia, origem, classe, mundo... Através de diferentes atividades - envolvendo debates, exercícios, histórias, pesquisa - é possível despertar nos alunos essa percepção de um nós que transcende os limites tradicionais de lealdade. Mas, acima de tudo, é a atitude do professor que transmite esses valores de amor universal e cidadania planetária.
Num tal processo educacional, que, necessariamente há de se desenvolver cada vez mais ante os desafios do mundo contemporâneo, o ideal último seria aquele expressado nas seguintes palavras de Bahá’u’lláh, para citar também um nome do campo da religião contemporânea: “Que não se vanglorie quem ama seu próprio país, mas sim quem ama o mundo inteiro. A terra é um só país e a humanidade, seus cidadãos.” (4)
(1) Sócrates. Apud: Plutarco: Sobre o Exílio
(2) Darwin, Charles. [1871] The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex.Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1981. Vol. 1. p. 100-1. (A tradução é nossa.)
(3) Morin, Edgar. Para Sair do Século XX. Tradução de Vera Azambuja Harvey. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 98
(4) Bahá’u’lláh. Seleção dos Escritos de Bahá’u’lláh,. Rio de Janeiro, Bahá’í, Editora CXII, CXXXI, CXXXII, CXI, CXVII)
Fonte: http://www.unidadenadiversidade.org.br/
APRENDENDO A UNIDADE NA DIVERSIDADE: Nós e Eles
Luis Henrique Beust
Em todos os seres humanos, a noção da identidade, de quem eu sou, está irremediavelmente ligada à noção da alteridade, de quem tu és. Assumimos um eu no mesmo momento em que percebemos um tu. Não há eu sem tu. Issose dá nas primeiras semanas e meses de vida, quando o bebê começa a perceber que existem seres (a mãe, primeiramente, depois o pai e os demais, irmãos, parentes, etc.) que estão, por assim dizer “fora dele”, enquanto ele, o bebê,está “dentro de si”.
Logo após as noções de eu e de tu nascerem – e nascem juntas – surge a noção de nós. Primeiro: eu, o bebê, tu, a mamãe; tu, o papai; tu, o irmãozinho,e assim por diante... e, logo em seguida, nós: eu e a mamãe; nós: eu e o papai; nós: eu e meu irmãozinho... Mais adiante, sucessivas noções de nós vão sendo construídas e consolidadas, sempre com o eu no centro do nós e o nós no centro do mundo! Assim como para cada noção de eu existe uma noção de outro, para cada noção de nós existe uma noção de outros, ou de eles. O eu está acolhido, envolvido no nós. O eles está separado do eu, e mantém com ele uma relação de antagonismo, quer sutil, quer explícito.
Por exemplo; nós – os filhos, eles – os pais; nós – a nossa família, eles – os vizinhos; nós – eu e o papai que queremos ver o jogo de futebol na tv, eles - a mamãe e minha irmã que querem ir visitar a vovó; nós – da primeira série,eles – da segunda; nós – os meninos, elas – as meninas; e assim por diante, infinitamente.
A noção de nós e de eles é poderosíssima por ser um dos primeiros e mais fundamentais entendimentos que desenvolvemos a respeito do mundo e de como ele funciona. Tanto o nós como o eles estão indissoluvelmente ligados ao eu.O nós são aqueles que “se parecem” com o eu. Os eles são os “diferentes”.
É bom lembrar que essa noção de nós e de eles não é uma noção abstrata.Ela se configura em grupos humanos concretos, em conjuntos de pessoas que são reconhecidas por cada indivíduo. Há grupos humanos que são percebidos como sendo parte de um nós, e outros que são considerados como eles. Essa percepção do nós e do eles é uma das mais fundamentais noções a guiar os sentimentos e comportamentos humanos. Nossas simpatias, bem-querenças e lealdades; nosso respeito, admiração e amor – todos passam pelo filtro do nós e do eles. Os seres humanos pensam, sentem e agem em relação a outros seres humanos, conforme os classifiquem como parte do nós ou do eles. Sempre reservamos para os que fazem parte do nós o melhor de nossas emoções e nossos esforços, e para osque são parte do eles escolhemos entregar o restolho e a escória de nossos sentimentos e ações.
Entre os participantes de qualquer grupo humano sempre haverá um potencial conflito de interesses, percepções, objetivos, métodos... Na busca de solução para esses conflitos, os métodos e encaminhamentos empregados variam tremendamente se o conflito é entre pessoas consideradas como membros donós, ou se elas pertencem ao eles. O conflito entre nós busca ser resolvido pela negociação, pelo diálogo, pela arbitragem, pela justiça e pela legislação. Os conflitos entre nós e eles, entretanto, tendem a ser tratados pelo confronto,pela violência, pela agressão e pela guerra.
Talvez a situação mais extrema nesta diferença de tratamento entre osque pertencem ao nós e ao eles seja o conflito bélico. Na guerra, dois exércitos se enfrentam como inimigos. Cada soldado faz parte de um nós - o exército ao qual pertence - e, para cada um, os soldados do exército inimigo são o eles. Todos os que pertencem ao nós são tratados como amigos e os que pertencem ao elessão inimigos. Entretanto, paradoxalmente, com certeza devem existir homens no exército de cá que poderiam ser os melhores amigos de soldados do exército de lá, pelos valores que nutrem, pelo caráter que possuem, pelos interesses que os motivam, pela profissão que exercem, pelos passatempos que apreciam, etc. Ao mesmo tempo, entre os soldados de um mesmo exército pode não haver afinidade ou coisas em comum, a não ser o fato de fazerem parte da mesma tropa. Porém, esses potenciais amigos que estão em exércitos inimigos nunca chegarão a se conhecer e a estabelecer laços, pois estão separados pela terrível barreira do nós e do eles. Para os que pertencem ao nós, cada um reserva o melhor de sua habilidade de defesa e proteção, por piores companheiros que sejam; para os que pertencem ao eles, cada soldado trata de empregar o piorde seu ódio e força destrutiva, por melhores companheiros que poderiam vir a ser.
Embora essas noções e percepções de nós e de eles sejam tão poderosas, elas não são estáticas. É possível incorporar, quase num passe de mágica, os que eram eles no círculo do nós. Por exemplo, podemos dizer: “Nós, de nossa família. Eles, os vizinhos.” Mas se dissermos “nós, os moradores do nosso prédio”, então eles passam a fazer parte de um novo nós. Podemos dizer “nós, os paulistas; eles, os mineiros”. Mas, se dissermos “nós, os brasileiros”, então eles passam a ser parte de nós. Da mesma forma, podemos pensar “nós, os brasileiros; eles, os uruguaios”. Mas se pensarmos “nós, os latino-americanos”, não temos mais eles, apenas um grande nós. Podemos nos referir a “nós, os latino-americanos; eles,os europeus”. Mas podemos superar esta dicotomia dizendo “nós, os seres humanos”.
Este paradigma de construir uma percepção em que o eles desapareça, para dar lugar a uma dimensão sempre maior e mais ampla do nós pode ser ensinada e aprendida, e pode transformar drasticamente a maneira como vemos e sentimoso mundo e as pessoas. Na verdade, podemos dizer que uma percepção imaturada realidade está constantemente dividindo a humanidade em nós e eles. Uma percepção madura e espiritualizada reconhece apenas dimensões cada vez maiores do nós. A qualidade de nosso afeto, respeito e amor sempre estará na dependência de como classificamos as pessoas: se como partes do nós ou do eles. É claro, portanto, que nossa capacidade de gostar, respeitar e amar sempre será proporcional ao tamanho do nós que criamos ao nosso redor e no qual nos inserimos. Aqueles que trabalham com o nós universal, que reconhecem em todos os seres humanos um irmão, estes podem experimentar o amor universal; elesse encontram acima das barreiras e limitações que bloqueiam o amor doshomens restritos às fronteiras arbitrárias e artificiais do nós e do eles.As figuras 1 e 2 representam graficamente estas duas cosmovisões. A figura 1 representa a percepção de um mundo cercado de eles (alguns mais parecidoscom o nós, outros extremamente distintos e ameaçadores). A figura 2 mostrauma cosmovisão na qual cada dimensão de nós é acrescida de um nós mais amplo e abrangente, numa cadeia infinita de identificação, harmonização e respeito.
Figura 1. Percepção Imatura da Realidade
igura 2. Percepção madura da Realidade
Como já vimos, quando as pessoas, ou grupos humanos, são capazes de perceber os outros como esferas aumentadas do nós, então dimensões adicionais de respeito, lealdade e amor podem ser construídas nas relações sociais. Nisso estão os fundamentos da paz, da cultura de paz e da unidade na diversidade.
Ao longo dos séculos, vários entre os grandes personagens da história universal – filósofos, humanistas, profetas e cientistas – expressaram, de uma forma ou de outra, esta noção de uma fraternidade que se estende além dos círculos mais imediatos e mais óbvios ao redor de cada um de nós.
Sócrates, o pai da filosofia ocidental, por exemplo, assim se expressou:“Não sou um ateniense, ou um grego, mas um cidadão do mundo.” (1)
É óbvio que estas palavras não poderiam ser pronunciadas por alguém que dividisse o mundo em categorias rígidas de nós e eles. Para Sócrates, o mundointeiro era um grande nós. Charles Darwin, um dos maiores nomes das ciências em todos os tempos, assim se expressou: “À medida que o homem desenvolve a civilização e pequenas tribos são unidas em comunidades mais amplas, a mais simples lógica diz a cada indivíduo que ele ou ela precisa estender seus instintos e simpatias sociais a todos os membros da mesma nação, apesar de não os conhecer pessoalmente. Uma vez alcançado este ponto, há apenas uma barreira artificial que impede suas impatias de se estenderem aos homens de todas as nações e raças.” (2)
Darwin toca diretamente no ponto crucial: as fraternidades, a partir do sentimento de pertencer a um nós – uma tribo, uma cidade-estado, um estado-nação –, são construídas social e historicamente, são elaboradas a partir de convenções sócio-culturais. E isso aponta para o quão artificiais são as barreiras que separam os nós dos eles. Se educados adequadamente, todos os seres humanos podem desenvolver um sentimento de fraternidade que se estenda a todos os demais seres humanos, independentemente de sua origem, etnia, nacionalidade, religião ou ideologia. São os preconceitos institucionalizados, geralmente a serviço dos interesses de poucos, que impedem o desenvolvimento pleno da fraternidade universal.
Edgar Morin, uma das vozes mais significativas da filosofia contemporânea, aponta para essa possibilidade educacional: “A missão da educação para a era planetária é fortalecer as condições de possibilidade da emergência de uma sociedade-mundo composta por cidadãos protagonistas, conscientes e criticamente comprometidos com a construção de uma civilização planetária.” (3)
Os educadores podem encorajar seus alunos a superarem essas barreiras artificiais convidando-os a refletirem, de diversas formas e em vários contextos, no que têm em comum com os vários nós ao seu redor: família, escola, cidade, país, religião, etnia, origem, classe, mundo... Através de diferentes atividades - envolvendo debates, exercícios, histórias, pesquisa - é possível despertar nos alunos essa percepção de um nós que transcende os limites tradicionais de lealdade. Mas, acima de tudo, é a atitude do professor que transmite esses valores de amor universal e cidadania planetária.
Num tal processo educacional, que, necessariamente há de se desenvolver cada vez mais ante os desafios do mundo contemporâneo, o ideal último seria aquele expressado nas seguintes palavras de Bahá’u’lláh, para citar também um nome do campo da religião contemporânea: “Que não se vanglorie quem ama seu próprio país, mas sim quem ama o mundo inteiro. A terra é um só país e a humanidade, seus cidadãos.” (4)
(1) Sócrates. Apud: Plutarco: Sobre o Exílio
(2) Darwin, Charles. [1871] The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex.Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1981. Vol. 1. p. 100-1. (A tradução é nossa.)
(3) Morin, Edgar. Para Sair do Século XX. Tradução de Vera Azambuja Harvey. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 98
(4) Bahá’u’lláh. Seleção dos Escritos de Bahá’u’lláh,. Rio de Janeiro, Bahá’í, Editora CXII, CXXXI, CXXXII, CXI, CXVII)
Fonte: http://www.unidadenadiversidade.org.br/
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