segunda-feira, 25 de outubro de 2010

De dilemas morais

De dilemas morais.

“Certamente todos pronunciam a palavra Bem, mas não percebem o que ela pode ser. Eis porque não percebem também o que é Deus, mas por ignorância, chamam bons os deuses e certos homens, ainda que não o possam ser e se tornar: pois o Bem é o que menos se pode tirar de Deus, é inseparável porque é o próprio Deus”. (Hermes, sábio, antigo Egito)

Nascemos, todos e todas, com forte tendência ao egoísmo. E vivemos, desde então, o conflito entre o egoísmo e o altruísmo. Em nossa primeira e marcante experiência de convivência social, a família, somos lapidados para a superação do egoísmo. Nossos pais, avós, tios e tias, professores e professores fazem um imenso esforço para convencer que vida acontece na partilha, na solidariedade, no diálogo, na compreensão de que os outros são importantes para a nossa vida. Mas há quem nunca aprenda que a felicidade humana perpassa a existência e o reconhecimento dos outros e viva sempre tentando enquadrar a si mesmo ou aos outros na perspectiva do bem ou do mal, do certo ou do errado,do justo ou do injusto.

Autodenominar-se bom ou mau é um problema de natureza egocêntrica, uma vez que o julgamento moral sempre é precedido pela análise dos outros, não da gente. Pode ainda ser um problema de etiqueta, usado para distinguir-se dos demais, para esconder a verdadeira face ou para parecer aquilo que não se é. Ninguém é do bem e ninguém é do mal.
Somos de nós mesmos, com acentuadas e densas contradições, dúvidas e incertezas, a construir-se gente. Os falsos dilemas morais, criados pela gente, tiram a possibilidade de vivermos autenticamente.

Muitos falam em ética referindo-se a comportamentos que elevam sua condição humanitária: ser responsável, ser solidário, ser justo. Fazem um jogo de cena para ter onde se agarrar: uma etiqueta. Etiqueta, neste sentido, pode representar uma ética reduzida (etiqueta: eticazinha). Vale mais viver buscando autenticidade ao invés de viver perseguindo ideais que não são os da gente.

As atitudes altruístas, por sua vez, compõem as disposições humanas que levam a gente a dedicar-se aos outros. E esta dedicação aos outros tem uma razão fundamental: não somos felizes sozinhos. Não há realização humana possível fora das relações interpessoais, mesmo que a contragosto de muitos que acreditam na possibilidade de serem felizes sozinhos. Ser altruísta é também reconhecer o outro, tal qual ele é, respeitando a sua singularidade, no seu modo de ser, pensar e agir.

Quando estas questões alcançam o campo da disputa política, vemos com facilidade os candidatos revelarem a sua personalista ora egoísta ora altruista. Criticar, questionar ou apontar erros do adversário, por exemplo, é próprio da disputa democrática e é bom para que a gente conheça o passado dos mesmos. Mas quando desconstruir o outro pelo viés do bem ou do mal vira obsessão, estamos a um passo da mais absoluta pobreza de espírito e perda de civilidade.

Os projetos de futuro para o país estão ficando cada vez mais claros, apesar dos falsos dilemas morais a que todos fomos submetidos. Dilma e Serra não representam somente a si próprios, mas estão a serviço de projetos em disputa no país. E nosso país não pode ficar a reboque da personalidade de quem for eleito.

Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.
pies.neialberto@gmail.com

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