Manifesto de Juristas, Acadêmicos, intelectuais e movimentos sociais, em favor da Política Nacional de Participação Social “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” art. 1º. parágrafo único, da Constituição da República Federativa do Brasil Em face da ameaça de derrubada do decreto federal n. 8.243/2014, nós, juristas, professores e pesquisadores, declaramos nosso apoio a esse diploma legal que instituiu a Política Nacional de Participação Social. Entendemos que o decreto traduz o espírito republicano da Constituição Federal Brasileira ao reconhecer mecanismos e espaços de participação direta da sociedade na gestão pública federal. Entendemos que o decreto contribui para a ampliação da cidadania de todos os atores sociais, sem restrição ou privilégios de qualquer ordem, reconhecendo, inclusive, novas formas de participação social em rede. Entendemos que, além do próprio artigo 1º CF, o decreto tem amparo em dispositivos constitucionais essenciais ao exercício da democracia, que prevêem a participação social como diretriz do Sistema Único de Saúde, da Assistência Social, de Seguridade Social e do Sistema Nacional de Cultura; além de conselhos como instâncias de participação social nas políticas de saúde, cultura e na gestão do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (art. 194, parágrafo único, VII; art. 198, III; art. 204, II; art. 216, § 1º, X; art. 79, parágrafo único). Entendemos que o decreto não viola nem usurpa as atribuições do Poder Legislativo, mas tão somente organiza as instâncias de participação social já existentes no Governo Federal e estabelece diretrizes para o seu funcionamento, nos termos e nos limites das atribuições conferidas ao Poder Executivo pelo Art. 84, VI, “a” da Constituição Federal. Entendemos que o decreto representa um avanço para a democracia brasileira por estimular os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta a considerarem espaços e mecanismos de participação social, que possam auxiliar o processo de formulação e gestão de suas políticas. Por fim, entendemos que o decreto não possui inspiração antidemocrática, pois não submete as instâncias de participação, os movimentos sociais ou o cidadão a qualquer forma de controle por parte do Estado Brasileiro; ao contrário, aprofunda as práticas democráticas e amplia as possibilidades de fiscalização do Estado pelo povo. A participação popular é uma conquista de toda a sociedade brasileira, consagrada na Constituição Federal. Quanto mais participação, mais qualificadas e próximas dos anseios da população serão as políticas públicas. Não há democracia sem povo. Brasil, junho 2014 Prof. Fabio Konder Comparato Prof. Celso de Mello Prof. Dalmo Dallari Jose Antonio Moroni, INESC Joao pedro stedile, MST TEXTOS DE SUBSIDIOS 1. Mensagem de Jose antonio Moroni, do INESC, Brasilia: A forte reação de setores da imprensa e do congresso nacional contra um decreto que organiza o que ja existe desde 1988 não pode ficar sem a nossa pronta resposta. O que esta em jogo é o direito da população participar das decisões como sujeito e não como espectador como acontece nas eleições. Estes espaços de participação institucionalizada foram criados por demanda da sociedade e se intensificaram pois constituição de 1988. Para se ter noção a primeira conferencia nacional foi realizada em 1941 ( decada 40 do século passado) e o tema foi educação. Nos últimos anos foram intensificados os espaços de participação social. Mesmo que não tenhamos ainda a democracia de nossos sonhos, obtemos vitórias com a realização de diversas conferências e o fortalecimento de diversos conselhos nacionais de políticas públicas. Temos problemas na arquitetura de participação institucionalizada, um deles é justamente o carater nao deliberativo de muitos desses espaços. Portanto a nossa critica é por mais participação, mais democracia e nao por uma democracia sem povo. Ao final de Maio a Política Nacional de Participação Social (PNPS)foi publicada como forma de fortalecer e consolidar estes espaços a partir de sua integração em um sistema nacional de participação social. Além da Política um compromisso com a participação foi assinado por mais de uma dezena de Governos Estaduais, reforçando a necessidade e o consenso de que nossa democracia representativa deve ser complementada por espaços de participação direta da sociedade. Contudo, a PNPS, como é chamada, está sob forte ameaça de ser derrubada. O Congresso Nacional subsidiado por uma enxurrada de artigos da imprensa corporativa, claramente posicionados contra a participação social, afirma que a política ameaça suas competências. Ontem os debates foram tensos no Congresso Nacional e o contexto requer muito apoio de todos os setores possíveis para sustentarmos a iniciativa. Lembro que todas as mobilizações de 2013 tinham em comum o desejo de maior participação popular nas decisões institucionais, ninguém à época levantou esta preocupação sobre o congresso. Pelo contrário, o congresso, pelas deficiências de sua representação dos anseios da população foi um dos maiores alvos de críticas. Precisamos nestes próximos dias mobilizar o máximo de pessoas possível em apoio à participação social. Escrevo estas linhas para informar à todxs, e contribuir com o debate e possíveis mobilizações que se façam necessárias. Brasilia, 11 junho 14 Leiam o Decreto que instituiu a PNPS em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8243.htm Leiam reportagens sobre o caso em: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-guerra-medieval-do-Estadao-contra-a-democracia-participativa/4/31112 http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/06/11/todo-poder-emana-do-povo-mas-nao-conte-para-o-povo-ok/ 2.Por que o novo decreto de Dilma não é bolivariano Por Leonardo Avritzer, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de Ciências Políticas da Universidade Federal de Minas Gerais, revista CartaCapital, 10-06-2014. A presidente Dilma Rousseff assinou, no último dia 21, um decreto que institui a Política Nacional de Participação Social. De acordo com o decreto “fica instituída” a política, “com o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”. Com este objetivo o governo reforçou institucionalmente uma política que vem desde 2003, quando, ainda em 1º de janeiro, o ex-presidente Lula assinou a medida provisória 103, na qual atribui à Secretaria Geral da Presidência o papel de “articulação com as entidades da sociedade civil e na criação e implementação de instrumentos de consulta e participação popular de interesse do Poder Executivo na elaboração da agenda futura do Presidente da República...” A partir daí, uma série de formas de participação foram introduzidas pelo governo federal, que dobrou o número de conselhos nacionais existentes no país de 31 para mais de 60, e que realizou em torno de 110 conferências nacionais (74 entre 2003 e 2010 e em torno de 40 desde 2011). Assim, o decreto que instituiu a política nacional de participação teve como objetivo institucionalizar uma política que já existe e é considerada exitosa pelos atores da sociedade civil. Imediatamente após a assinatura do decreto iniciou-se uma reação a ele capitaneado por um grande jornal de São Paulo que, em sua seção de opinião, escreveu o seguinte: “A presidente Dilma Rousseff quer modificar o sistema brasileiro de governo. Desistiu da Assembleia Constituinte para a reforma política - ideia nascida de supetão ante as manifestações de junho passado e que felizmente nem chegou a sair do casulo - e agora tenta por decreto mudar a ordem constitucional. O Decreto 8.243, de 23 de maio de 2014, que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), é um conjunto de barbaridades jurídicas, ainda que possa soar, numa leitura desatenta, como uma resposta aos difusos anseios das ruas.” Assim, segundo o jornal paulista, o Brasil tem um sistema que é representativo e este foi mudado por decreto pela presidente. Nada mais distante da realidade. Em primeiro lugar, o editorialista parece não conhecer a Constituição de 1988, que diz no parágrafo único do artigo primeiro: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Ou seja, o legislador constituinte brasileiro definiu o país como um sistema misto entre a representação e a participação. Se é verdade que as formas de representação foram muito mais fortemente institucionalizadas entre 1988 e hoje, isso não significa que temos no Brasil um sistema representativo puro, tal como ele existe em um país como a França. Pelo contrário, a verdade é que o espírito da Constituição fica muito melhor representado a partir do decreto 8243, que institucionaliza uma nova forma de articulação entre representação e participação de acordo com a qual a sociedade civil pode sim participar na elaboração e gestão das políticas públicas. Mas, ainda mais importante do que restaurar a “verdade constitucional” é se perguntar qual sentido faz instituir um sistema de participação? A resposta a esta pergunta é simples e singela. A temporalidade da representação está em crise em todos os países do mundo. Por temporalidade, deve se entender a ideia de que a eleição legitima a política dos governos durante um período extenso de tempo, em geral de quatro anos. Hoje vemos, no mundo inteiro, pensando em Obama nos Estados Unidos e Hollande na França, uma enorme mudança na maneira como a opinião pública vê os governos. Temos um novo fenômeno que o filósofo francês Pierre Rosavallon classifica da seguinte maneira: a legitimidade das eleições não é capaz por si só de dar legitimidade contínua aos governos. Duas instituições estão fortemente em crise, os partidos e a ideia de governo de maioria. É sabido que a identificação com os partidos cai em todo o mundo, até mesmo nos países escandinavos onde ela era mais alta. É isso o que justifica a entrada da sociedade civil na política, não qualquer impulso bolivariano, tal como alguns comentaristas pouco informados estão afirmando. A sociedade civil trás para a política um sistema de representação de interesses que os partidos não são mais capazes de exercer devido a sua adaptação a um sistema privado de representação de interesses e financiamento com o qual a sociedade não se identifica. O mais curioso é que ninguém mais do que os órgãos da grande imprensa adotam o exercício de mostrar como o poder da maioria pela via da representação não é capaz de legitimar o governo. Lembremos alguns exemplos recentes: a rejeição da nomeação do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) para aComissão de Direitos Humanos da Câmara ou o apoio às manifestações populares pelo Movimento Passe Livre em junho de 2013. Em todas estas questões o que esteve em jogo foi a capacidade da sociedade civil de apontar uma agenda para o governo. O que o Sistema Nacional de Participação faz é institucionalizar esta agenda reconhecendo que existe uma representação exercida pela sociedade civil. Vale a pena desenvolver um pouco mais este ponto. A representação é uma autorização dada por uma pessoa para alguém atuar em nome dela. Este é o fundamento do seu exercício que existe em todos os países. Mas existe uma questão adicional que reside no fato da representação das pessoas se dar através de uma autorização ampla que não consegue alcançar temas que não são majoritários ou que têm uma agenda mais volúvel. Assim, o sistema representativo é sempre ruim para representar questões tais como direito das minorias ou temas importantes como o meio ambiente ou até mesmo políticas públicas como a de saúde. Exemplos sobre a incapacidade do Congresso Nacional de agir nestas áreas abundam no Brasil. Lembremos a incapacidade de votar a união homoafetiva, a ação afirmativa, de aprovar o Código Florestal, todas legislações com fortíssimo apoio na sociedade, mas que não conseguiram tramitar no Congresso devido a lobbies muito fortes. No caso da união homoafetiva e da ação afirmativa sua legalidade acabou sendo determinada peloSupremo Tribunal Federal. No caso do Código Florestal este contou com um veto da presidente e mais uma medida provisória bastante polêmica no interior do Congresso. Todos estes episódios mostram que há uma incapacidade do legislativo de se conectar com a sociedade, devido à maneira como o sistema de representação opera no país. Em geral tem cabido ao Supremo preencher esta lacuna, mas o mais democrático e o mais adequado é um envolvimento maior da sociedade civil nestes temas por via de instituições híbridas que conectem o executivo e a sociedade civil ou a representação e a participação. Este modelo, que está longe de ser bolivariano, está presente, na verdade, nas principais democracias do mundo. Os Estados Unidos tem o modelo de participação da sociedade civil no meio ambiente por meio dos chamados “Habitat Conservation Plannings”. A França tem o modelo de participação da sociedade civil nas políticas urbanas através de contratos de gestão nos chamados “Quartier Difficile”. A Espanha tem a participação da sociedade civil no meio ambiente através de “juris cidadãos”. A Inglaterra instituiu mini-públicos com participação da sociedade civil para determinar prioridades políticas na área de saúde. Todas as principais democracias do mundo procuram soluções para o problema da baixa capacidade do parlamento de aprovar políticas demandadas pela cidadania. A solução principal é o envolvimento da sociedade civil na determinação de políticas públicas. A justificativa é simples. Ninguém quer acabar com a representação, apenas corrigir as suas distorções temporais em uma sociedade na qual o nível de informação da cidadania aumentou fortemente com a internet e as redes sociais e na qual os cidadãos se posicionam em relação a políticas específicas. Ao introduzir uma participação menos partidária e com menor defesa de interesses privados na política tenta-se reconstituir mais fortemente este laço. Assim, o que o decreto 8243 faz não é mudar o sistema de governo no Brasil por decreto e nem instituir uma república bolivariana. O que ele faz é aprofundar a democracia da mesma maneira que as principais democracias do mundo o fazem, ao conectar mais fortemente sociedade civil e Estado. 3.Nota oficial da CUT critica ação de partidos contra decreto presidencial que cria Política Nacional de Participação Social O ataque de setores da oposição ao decreto presidencial que institui uma estrutura para a sociedade civil organizada poder participar, debater e apresentar propostas ao governo federal – a chamada Política Nacional de Participação Social – expõe as diferenças de concepção entre um projeto democrático e popular e a velha ideia de que é exclusividade de “especialistas” sem mandato eletivo o papel de assessorar os governos na gestão, planejamento, uso dos recursos financeiros do Estado e na definição de políticas públicas. Desmascara também alguns que dizem falar em nome do povo, mas que no fundo acreditam em tutela. Pensam que a relação entre Executivo e Legislativo é suficiente para traduzir os anseios de uma sociedade multifacetada e com sérias dificuldades de representação parlamentar como a nossa. A oposição, segundo informações veiculadas pela imprensa, alega inconstitucionalidade, por entender que o decreto contraria o parágrafo primeiro da Carta, que diz “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. Ora, para quem aplaude as decisões despóticas de magistrados do Supremo Tribunal Federal que jamais receberam um único voto popular para estar onde estão, é risível. Embora as estruturas de participação popular criadas pelo decreto não tenham poder decisório, mas propositivo, representam um espaço de poder de representantes do povo. Além disso, a oposição finge desconhecer que muitos dos representantes da sociedade civil são eleitos por seus pares para ocupar cargos de direção em sindicatos e movimentos sociais. A hipocrisia dos partidos contrários ao decreto fica ainda mais exposta se lembrarmos que, ao definir o conceito de “sociedade civil”, o decreto abre a possibilidade de representantes de associações empresariais e ONGs participarem igualmente. A transformação dos espaços de diálogo em políticas permanentes de governo – e não de mandato presidencial –, com calendário definido, é uma proposta que a CUT, demais centrais e movimentos sociais defendem desde os primeiros instantes do governo Lula até aqui, no governo Dilma. Não pudemos fazê-lo anteriormente simplesmente porque não existiam espaços de diálogo. A participação social já vem se dando por intermédio de Iniciativas como as Conferências Nacionais (a de Comunicação, as empresas do setor ignoraram, zelosas da “liberdade de expressão”), as mesas permanentes de negociação que geraram avanços como a valorização do salário mínimo e a extensão dos direitos trabalhistas para as trabalhadoras domésticas, ou os espaços tripartites que garantiram a preservação da Previdência Pública e Universal e a tomada de decisões políticas que levaram o Brasil a atravessar com coragem os piores momentos da crise econômica internacional, que ainda vitima vários trabalhadores ao redor do mundo. A importância da prática do diálogo social pode ser demonstrada também pelo período que se seguiu às manifestações de junho do ano passado. Muitos dos movimentos surgidos mais recentemente e que impulsionaram as jornadas de 2013 têm sido recebidos pelo governo e compartilhado experiências e ações com outros movimentos sociais e sindical. Assim também se constroem as mudanças. Iniciativas para diminuir as lacunas, às vezes abismos, entre a vontade do povo e as decisões oficiais jamais deveriam receber críticas. Só se quem critica quiser mesmo o povo do lado de fora. E é obvio que, se uma vez adotada pelo governo, determinada proposta elaborada e apresentada no âmbito da Política Nacional de Participação Social seja seguida por todos os ministérios e órgãos federais. Por que deveria ser diferente? O poder econômico dispõe do lobby. Não lhe interessa, por certo, a ampliação do diálogo social. Por isso, defendemos o decreto presidencial. E que isso represente apenas mais um passo rumo a maiores mudanças, como a reforma política, para qual defendemos a convocação de uma constituinte exclusiva e soberana. São paulo, 5 de junho de 2014 Vagner Freitas, presidente nacional da CUT Sérgio Nobre, secretário-geral da CUT
sexta-feira, 13 de junho de 2014
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