Despejo em Belo Horizonte viola Direitos Humanos.
“Enquanto morar for um privilégio, ocupar será um direito”.
Gilvander Luís Moreira[1]
Além do que escrevi no artigo “Em Belo Horizonte, caveirão para os pobres que lutam: Cerca de 300 famílias jogadas ao relento sob uma noite fria”, disponibilizado na internet em www.gilvander.org.br e em outros sítios e blogs – a indignação me faz acrescentar o que segue.
O despejo da Ocupação Eliana Silva, no Barreiro, em Belo Horizonte, MG, realizado nos dias 11 e 12 de maio de 2012 pelo Poder Judiciário com um fortíssimo aparato repressivo da Polícia Militar de Minas Gerais, foi feito de surpresa, desrespeitando o direito de defesa das famílias. A comunidade não foi notificada anteriormente por nenhum oficial de justiça. Este só chegou após a tropa de choque já estar posicionada para o ataque. O Ministério Público, a Defensoria Pública de Minas e os advogados da Comunidade também não foram informados de que haveria o despejo. Ficaram sabendo pela mídia. Foi desrespeitada a Lei 13.604/00 que exige a constituição de uma Comissão de representantes do Judiciário, do Legislativo e de representantes de Entidades dos Direitos Humanos para tentar uma saída negociada e, caso isso não seja possível, acompanhar o despejo.
O Ministério Público recebeu um Ofício de um Comandante da PM somente dia 10/05/2012, às 19:43h comunicando a reintegração de Posse da Ocupação Eliana silva e convidando para composição do Comitê Permanente de Crise. Não era mais horário de expediente. No Ofício se dizia que a operação seria desencadeada dia 11/05, a partir de 09:00h, mais iniciou-se a partir das 07:40h.
Na tarde do dia 11 de maio, enquanto ocorria o despejo, a Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte votou – e aprovou - em 1º turno o PL 1698/11 que autoriza o prefeito de Belo Horizonte, sr. Márcio Lacerda, vender 118 terrenos da prefeitura, uma contradição diante do enorme déficit habitacional da capital mineira! O prefeito e os vereadores, ao invés de destinarem terrenos para o povo construir casas populares, já que a prefeitura ainda não fez nenhuma casa para famílias de zero a três salários mínimos pelo Programa Minha Casa, Minha Vida nos últimos três anos, vende terrenos da prefeitura e despeja dezenas de famílias que tentam sobreviver fugindo do aluguel e da vida de favor.
Dia 11 de maio, enquanto ocorria o despejo, a Prefeitura de Belo Horizonte – PBH - já estava com funcionários cercando a área com cerca de arame. A PBH cometeu mais uma ilegalidade, pois cercou uma área que estava sob júdice. Não havia na imprudente decisão liminar da juíza que determinou a reintegração de posse a ordem para que a área fosse cercada com fortes mourões e arame farpado.
Um trator da PBH derrubou árvores lá na área do despejo. Assim a PBH e o prefeito cometeram crime ambiental. As 350 famílias sem-casa, que por três semanas ocuparam a área, não derrubaram sequer uma árvore. Enquanto o trator da Prefeitura passava por cima das árvores, a polícia militar florestal acusava uma das lideranças da comunidade de haver cometido crime ambiental e registrou boletim de ocorrência sobre isto.
Na audiência pública na Comissão dos Direitos Humanos da ALEMG[2], um jovem da Ocupação Eliana Silva chamou todos à reflexão: “Na 2ª noite da nossa ocupação, um grupo de pessoas envolvidas com tráfico tentou invadir nossa comunidade. Com diálogo - só com palavras - conseguimos evitar a invasão e convencer aquele grupo a desistir do que pretendiam. Mas a polícia para nos expulsar não usou apenas palavras, diálogo, mas usou caveirão, tropa de choque, cavalaria, helicóptero, força bruta. Somos pessoas trabalhadoras que estamos lutando por um direito humano elementar: o direito de morar com dignidade. Não agüentamos mais pagar aluguel e deixar de comer, nem a humilhação de viver de favor.”
Um representante da PBH nos disse que, há três anos atrás, apenas no 1º dia de inscrição para o Programa Minha Casa Minha Vida houve 198 mil inscrições, ou seja, 198 mil famílias, o que equivale a cerca de um milhão de pessoas em Belo Horizonte, um terço da população. Considerando que a PBH constrói apenas mil casas por ano, serão necessários duzentos anos para zerar o déficit habitacional atual. Há em Belo Horizonte cerca de 70 mil imóveis ociosos. Uma mãe da Ocupação Eliana, ao insistir para que a PBH apresentasse alguma proposta concreta para as 350 famílias que estavam acampadas na porta da PBH por dois dias, disse: “Assim será melhor construir cemitério, porque morreremos antes.”
Ameaças estão acontecendo: dia 15 de maio, terça-feira, às 19:05h, horário em que eu, frei Gilvander, deveria chegar em casa, os freis Adailson e João Paulo, ao chegarem em nossa casa, depararam com um automóvel Fiat Uno, branco, estacionado no portão da nossa casa, com as quatro portas abertas e com quatro homens de pé fora do automóvel, um com um cacete grande na mão, em atitude ameaçadora. Já estava escuro na hora e chovia uma chuva fina. Os freis ficaram muito assustados. Não sei se porque não me viram junto com os freis no automóvel, os quatro homens entraram rápido no Uno e, ao manobrar o carro para fugirem do local, embicaram o Uno rumo ao portão da nossa casa, o que assustou mais ainda os dois freis. Estavam me esperando? Queriam me intimidar? Ou pretendiam atentar contra minha vida? Friso que isso aconteceu em um horário em que eu normalmente chego em casa e após eu ter feito denúncias de violação de direitos humanos no despejo das 350 famílias sem teto da Ocupação Eliana Silva através de textos, vídeos e em entrevistas concedidas a diversos meios de comunicação.
Na noite do dia 16 de maio, uma das nossas advogadas, enquanto voltava para casa, “de carona”, foi seguida por dois motoqueiros em uma moto por quatro bairros. Essas denúncias já foram apresentadas à Polícia Civil, à Comissão dos Direitos Humanos da ALEMG, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Imprensa.
O despejo forçado da Comunidade Eliana Silva, a forma como a Prefeitura de Belo Horizonte, o TJMG, o Governo do Estado de Minas Gerais e a Polícia Militar deste Estado trataram as famílias, as lideranças e os apoiadores revelam o que é reservado para os pobres, o Povo trabalhador neste município e neste Estado.
A prática da Polícia militar de Minas, atestado nos despejos em Uberlândia, em Itabira e agora na Ocupação Eliana Silva, tem sido a de evitar matar alguém durante os despejos. Coloca-se um grande aparato repressivo: caveirão, tropa de choque, helicóptero, cavalaria, cães etc. E utiliza-se a tática do torniquete, ou seja, vai apertando gradativamente, asfixiando até os encurralados não oferecer mais nenhuma resistência. Isso não é normal, não é ação pacífica. É violência, porém sem irrupção de sangue na hora. Esconde-se o sangue, mas promove outros tipos de violência.
Não se pode mais admitir que no lugar de chegar políticas públicas eficazes e dignas, chegue a “força”, o mais bruto e violento aparato policial. Por que o Prefeito e o Governo do Estado não foram no local conversar com as famílias? Perguntar por que elas, com crianças, idosos e deficientes, tiveram que se submeter às noites de frio debaixo da lona preta? Por que indígenas (na Eliana Silva são 27 do Povo Pataxó e de outros povos), possuidores destas terras brasileiras ainda têm que lutar por moradia? Por que foram expulsos do campo e estão sendo expulsos da cidade?
Em Belo Horizonte, a única alternativa que está sobrando para as famílias que possuem renda de 0 a 3 salários mínimos é se organizar e lutar para sair do aluguel, da moradia de favor, das áreas de risco. Dandara, Zilah Spósito/Helena Greco, Irmã Dorothy e Camilo Torres são Ocupações-Comunidades que marcham em sintonia. Tem em comum a luta pela moradia digna, pela efetividade de um direito fundamental constitucional. Tem em comum a fé, a coragem, a resistência e a ousadia. Mas, não só isso: tem em comum uma rede de apoio e solidariedade. Solidariedade que no caso do Despejo ocorrido nos dias 11 e 12 de maio o Estado tentou impedir, mas quanto mais se reprime o povo se organiza e se fortalece. O mundo inteiro vai saber do que ocorreu em Belo Horizonte nos dias 11 e 12 de maio, vésperas do dia das mães. Muita indignação e repúdio estão sendo manifestados. Muita solidariedade também. Eliana Silva continua presente. Agora e sempre. Pois como grita o povo, enquanto morar for um privilégio, ocupar será um direito.
Cabe ainda lembrar a quem tem algum preconceito contra a luta dos pobres que o povo das ocupações trabalha como servente, pedreiro, vigia, carroceiro, doméstica e etc para as classes média e alta. Se a força de trabalho é bem-vinda, também a dignidade dos pobres deve ser respeitada.
Em tempo, ontem, às 23:55h, do dia 20 de maior de 2012, observei que meu sítio http://www.gilvander.org.br/ foi violado, atacado por raker que retirou todos os mais de 270 vídeos que eu tinha postado na Galeria de Vídeos de http://www.gilvander.org.br/ . Agora, às 07:20h, do dia 21 de maio, observo que todos os vídeos continuam desaparecidos do meu sítio, exceto o que está em destaque. Que terrorismo! Isso tudo é medo da verdade vir à tona?
Temos de divulgar todos esses fatos para que a sociedade esteja atenta às ameaças não apenas às pessoas que já sofrem na pele o desrespeito aos direitos humanos, mas também as ameaças que pesam sobre as pessoas que ousam defender os direitos humanos.
Retroceder, nunca! Em tempos de Comissão da Verdade não vamos nos contentar em apurar os crimes do passado, é preciso mostrar os crimes atuais travestidos de legalidade.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 21 de maio de 2012
[1] [1] Frei e padre carmelita; mestre em Exegese Bíblica; professor do Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos, no Instituto Santo Tomás de Aquino – ISTA -, em Belo Horizonte – e no Seminário da Arquidiocese de Mariana, MG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br – www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis - facebook: gilvander.moreira
[2] Assembléia Legislativa de Minas Gerais.
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