sábado, 2 de janeiro de 2010

Aos artesãos de utopias, Feliz 2010 - Frei Betto

Feliz 2010

Frei Betto

Feliz Ano-Novo aos artesãos de utopias, cujas mãos calosas desenterram girassóis dos pântanos da ambiguidade; às mulheres garimpeiras de afetos recônditos, divas miraculosas do bem-querer gratuito; às crianças sobrevividas nos corações de todas as idades; e aos guardiões de silêncios meditativos.

Feliz Ano-Novo aos magos da delicadeza e aos que tecem laços de fita com as linhas do tempo; aos auscultadores do rumor de anjos e aos portadores de altivez luminosa montados em cavalos de fogo.

Feliz Ano-Novo aos peregrinos de trilhas desprovidas de obscuridade; aos catadores de conchas nas praias ensolaradas da saciedade ética; aos desatadores de nós nas dobras do espírito; aos arautos de alvíssaras e aos espantalhos do infortúnio.

Feliz Ano-Novo a quem se debruça da janela da alma para contemplar o próprio alvorecer; aos navegantes cujas velas se movem graças ao sopro do Espírito; aos semeadores de horizontes translúcidos; às bordadeiras de ternura no solo pedregoso de nossas desventuras.

Feliz Ano-Novo aos acampados no vasto território da insensatez, reféns de egos inflados; aos acrobatas de mirabolantes conjecturas, escravos de suas altissonantes ilusões; aos autores da incongruência cívica, inveterados jogadores do blefe.

Feliz Ano-Novo aos corações seduzidos pelo toque do amor divino; aos voluntários da generosidade, sinalizadores de caminhos nas vias labirínticas de nossos desacertos; aos profetas inflexíveis à embriaguez da mesmice, intrépidos cultivadores da esperança.

Feliz Ano-Novo aos confeiteiros de adocicados prenúncios entre tantas desilusões; aos artistas da sobriedade, avessos à ribalta da hipocrisia; aos ourives da beleza engravidada de densidade subjetiva; aos mestres da sabedoria impelidos pela brisa suave impregnada do gosto de mel.

Feliz Ano-Novo aos filósofos desalfabetizados de erudição, atentos aos voos da inteligência a transcender a razão; aos adeptos da mística vazia de imagens e palavras; aos ciganos de Deus cujos passos percorrem as sendas mistéricas da amorosidade inefável.

Feliz Ano-Novo a quem se recusa a proferir o discurso ácido da dessignificação do outro; aos habitantes de aldeias líricas, em cujo amanhecer soam cânticos benfazejos; aos eremitas do desconsolo, alimentados pelo Verbo que se faz carne; aos hábeis alpinistas da imaginação, em cujas artes a vida se transmuta em alegorias.

Feliz Ano-Novo aos caçadores de minudências, atentos aos detalhes da gentileza; aos ourives da elegância, cujas palavras exalam fragrâncias perfumadas; às sentinelas do assombro, agraciadas pelo dom de identificar a vida como milagre; aos artífices da fantasia, transubstanciadores de nossas emoções mais telúricas.

Feliz Ano-Novo a quem cala os despropósitos alheios, incapaz de transformar a própria língua em pedra de tropeço; aos velejadores de devaneios românticos, inebriados de poesia; aos arquitetos do futuro, dedicados ao projeto da cerimônia de núpcias da liberdade com a justiça.

Feliz Ano-Novo aos artistas da insensatez capazes de imprimir à vida caráter lúdico; aos aplicados cavalheiros da filosofia do riso, dos quais emana o júbilo de viver; e aos aflitos acendedores de luminárias, discípulos indignados de Diógenes.

Feliz Ano-Novo a quem trafega na contramão dos pusilânimes, entregue à ousadia de reinventar a existência após cada fracasso; e ao guarda do farol em pleno mar revolto, cujo facho de luz abre vias douradas na superfície das águas; e às mulheres de corações embalados pelo acalanto de Cupido.

Feliz Ano-Novo aos olhos vigilantes ao ocaso ambiental, nos quais lágrimas são ressecadas pela fuligem de chaminés lucrativas; aos desengaioladores de pássaros, destemidos pilotos de voos alucinados; e aos serviçais da gratuidade, militantes do altruísmo compassivo.

Feliz Ano-Novo a quem teve um ano infeliz, ferido em dores e lágrimas, atolado em desesperanças e sendas obscuras – queira Deus que agora possa resgatar o melhor de si, religar-se ao Transcendente e fazer do amor a razão de seu renascer em vida.

Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.

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