quinta-feira, 6 de março de 2014

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO CRIADAS COMO CONDICIONANTES AMBIENTAIS DO PROJETO JAÍBA EXPROPRIAM TERRITÓRIOS DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS NO NORTE DE MINAS.

NÃO SE PODE “AMDAR” PARA TRÁS! Os cientistas e pesquisadores abaixo-assinados vêm externar a total discordância em relação à manifestação da Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (AMDA), publicada em nota do dia 05 de fevereiro de 2014 (e na edição on-line da Revista Ecológico), intitulada “Conflitos sociais ameaçam sistema de proteção ambiental do Jaíba - Parques e estações ecológicas foram criados como condicionantes do projeto Jaíba”. Trata-se de conteúdo equivocado, referenciado em dicotomia anacrônica sobre a relação sociedade e natureza, há décadas já superada pela pesquisa acadêmico-científica mundial. Há uma mudança de paradigma em curso na Biologia da Conservação em escala global, com o reconhecimento da indissocialibidade entre natureza e sociedade. Por isso, o isolamento de áreas supostamente intocadas não deve ser uma estratégia prioritária em políticas de proteção ambiental. A comunicação da AMDA sustenta-se em práticas ultrapassadas de conservacionismo ambiental que permitem a supressão de importantes áreas de florestas tropicais, como as matas secas norte-mineiras, tendo como compensação a criação de unidades de proteção integral. Nesta perspectiva, foram criados os parques estaduais Lagoa do Cajueiro, Verde Grande e Mata Seca, além da Reserva Biológica de Serra Azul, como condicionantes ambientais à devastação da biodiversidade promovida pelo Projeto Jaíba. Essas unidades foram estabelecidas antes da criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e, portanto, não respeitaram um dos objetivos atuais das mesmas: “proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente” (artigo 4o. do SNUC). A lógica da referida nota está invertida: não são os conflitos sociais que ameaçam o “sistema de proteção ambiental”, mas a criação de unidades de proteção integral, especialmente os parques estaduais, é que gerou tais conflitos. A criação de parques tem sido uma estratégia de conservação da biodiversidade, mas sua delimitação e definição de categoria devem ser feitas de forma extremamente cuidadosa. Caso contrário, a exclusão e expropriação geradas colocam em risco os modos de vida das comunidades tradicionais, famílias ribeirinhas, agricultores familiares, quilombolas, agentes que vêm historicamente preservando seus lugares de vida, as terras que ocupam tradicionalmente de forma sustentável. São os projetos de agricultura irrigada, associados ao desmatamento de grandes áreas de pastagem para a criação extensiva de gado, as principais atividades supressoras da biodiversidade das matas secas na região. Não reconhecer a existência, o vínculo territorial, a identidade contestada e o modo de vida destas comunidades revela um tipo de visão acrítica e desvinculada dos processos socioecológicos do lugar e contribui para a supressão de direitos fundamentais da pessoa humana, estabelecidos em tratados internacionais dos quais o Brasil é país signatário, bem como inscritos na Constituição Federal de 1988. É inadmissível no século XXI, depois de longas décadas de debate sobre o equívoco e o anacronismo da separação entre o ambiente e os povos que nele habitam, que a discussão sobre a proteção das matas secas da região da Jaíba ande para trás. É preciso que os erros cometidos nas políticas de desenvolvimento e conservação para essa região sejam reconhecidos e corrigidos, evitando a criminalização destes povos e entidades civis envolvidos em sua defesa. Nesse sentido, é fundamental que sejam ouvidos e considerados os povos e comunidades tradicionais das matas secas da região norte de Minas Gerais sobre as políticas e programas públicos incidentes sobre os seus espaços de vida, assim como os estudos que vêm sendo realizados há décadas por vários pesquisadores e instituições científicas. Prá frente é que se anda! Montes Claros/MG, 13 de fevereiro de 2014. As afirmações contidas nessa nota são embasadas por estudos de longa duração realizados pela Rede Colaborativa de Pesquisas Tropi-Dry, Rede Matas Secas, NIISA e OPARÁ. Dra. Andréa M. Narciso Rocha de Paula Universidade Estadual de Montes Claros Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental-NIISA Grupo de Pesquisas OPARÁ Dra. Felisa Cançado Anaya Universidade Estadual de Montes Claros TROPI-DRY, Rede Matas Secas, Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental-NIISA Dra. Iara Soares de França Universidade Estadual de Montes Claros Laboratório de Estudos Rurais e Urbanos - LAEUR Dra. Isabel Cristina Barbosa de Brito Universidade Estadual de Montes Claros Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental-NIISA Grupo de Pesquisas OPARÁ Dra. Maria Helena de Souza Ide Universidade Estadual de Montes Claros Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental-NIISA Dr. Mário Marcos do Espírito Santo Universidade Estadual de Montes Claros TROPI-DRY e Rede Matas Secas Dr. Rômulo Sores Barbosa Universidade Estadual de Montes Claros TROPI-DRY, Rede Matas Secas, Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental-NIISA

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