sábado, 16 de abril de 2011

Artigo Massacre de Realengo, o Estatuto, Mudanças e os Saudosistas

Massacre de Realengo, o Estatuto, Mudanças e os Saudosistas

(Antonio de Andrade *)

O Brasil ficou chocado no dia 7 de abril de 2011 com as notícias do massacre de 12 jovens, com tiros na cabeça e ferimentos de outros 17 por um jovem de 23 anos, numa escola de Realengo, RJ. Quando se escuta notícias como essa e de outros jovens ou adolescentes que por motivos banais matam pessoas nas escolas ou ruas e várias outras notícias de crimes praticados por jovens e adolescentes, fica-se, no início, espantado com tanta barbárie. Depois da perplexidade inicial, chega uma sensação de que alguma coisa de urgente precisa ser feita pela sociedade para mudar essa triste realidade, objetivando a existência, realmente, de uma sociedade "civilizada", onde todos tenham a disciplina, a consciência e a responsabilidade de obedecer as leis que foram criadas para que se possa viver com outros seres humanos, criando-se, desse modo, aquelas condições ideais de convivência harmônica e saudável.

Alguns setores da sociedade gostariam que certas leis fossem mais rígidas nas punições, que fosse diminuída a maioridade penal para se poder punir exemplarmente os adolescentes criminosos, evitando que tenham a impunidade como estímulo para cometerem novos atos criminosos ou que fiquem pouco tempo nas instituições de recuperação, voltando às ruas com mais raiva de tudo e todos e mais experientes em atos criminosos, tendo aprendido com outros mais velhos nessas instituições. Muitos almejam mudanças, em especial na Lei Federal 8.069 de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, lei que protege e ampara esses seres em desenvolvimento (mas que apesar da pouca idade já sabem matar selvagemente!), lei que substituiu o autoritarismo do antigo Código de Menores e a Política Nacional do Bem-Estar do Menor que vigorou no Brasil até 1990. Esses setores são os "saudosistas" em poderem punir as crianças e os jovens por crimes ou outros atos infracionais, mas sentem-se tolhidos pela própria sociedade que estabeleceu por essa Lei, que a criança e o adolescente não podem ser assim reprimidos e punidos. Eles consideram que os crimes praticados por adolescentes estão mostrando que está havendo um "desastre educacional" com o estilo brando e permissivo nas atitudes para com as novas gerações. Consideram que seria benéfico para todos, se voltasse aquele estilo de educação com disciplina que existiu no passado.

Dentre os "saudosistas", há pais e educadores que ficam com saudade de poderem agir com mais rigor com os jovens, como era feito antes da vigência do Estatuto. Essa saudade ocorre quando não conseguem mais fazer as crianças e os jovens terem um comportamento adequado e disciplinado. Ou quando constatam que seus comportamentos revelam desinteresse pela aprendizagem, apatia ou agressividade, envolvendo-se com drogas para preencherem o vazio que sentem e a insatisfação causada pelos valores distorcidos de somente "terem" cada vez mais, em detrimento de "serem" cada vez melhores pessoas. Ou ainda, quando apresentam falta de respeito e consideração aos mais velhos, falta de responsabilidade em suas atividades, falta de solidariedade e cooperação, falta de controle das reações emocionais (raiva, em especial), impulsividade, etc.

Esses saudosistas querem fazer alguma coisa para mudar, mas ficam tolhidos em suas ações educativas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que em seu artigo 5, por exemplo, expressa que "Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão...", e no artigo 15 diz que "A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento...", complementado pelo artigo 17 que afirma que "O direito ao respeito, consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais". E o "golpe final" contra a vontade dos saudosistas virem a ser mais rigorosos com os mais jovens, está no artigo 18 desse Estatuto: "É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor".

Os saudosistas sentem suas "mãos amarradas" por esse Estatuto para poderem educar com mais rigor os jovens, mas continuam a almejar aquela época passada, onde as crianças e os adolescentes tinham mais consciência e responsabilidade de cumprirem bem os seus deveres, dentre outros, o de respeitar os mais velhos, tendo respeito pelos pais e educadores. Esses "deveres" parecem estar esquecidos pela educação permissiva, chamada de "moderna" e foram, também, esquecidos pelos legisladores do Estatuto que estabeleceram muitos "direitos", mas esqueceram de nele colocar, bem especificados, os "deveres" para que as crianças e os adolescentes também tivessem os seus deveres como pessoas em desenvolvimento. Deveres mínimos como cidadãos, como respeitar os adultos, os pais, a família, os professores, a Escola, a propriedade, e em especial, a VIDA dos outros. Certamente, poderia haver mudanças significativas se o Estatuto fosse modificado e nele fossem incluídos artigos estabelecendo os "deveres" das crianças e dos jovens e condições para os pais e educadores direcionarem os jovens para o cumprimento, com responsabilidade, desses deveres. Assim, os adultos ficariam felizes por terem esse Estatuto do lado deles para poderem conscientizar e educar as crianças e os adolescentes, mostrando a eles que um cidadão não tem somente "direitos" mas, muito especialmente, "deveres" para consigo mesmo e para com a coletividade, levando-os a serem pessoas mais responsáveis e conscientes, e tenham outros tipos de comportamentos mais equilibrados.

Com a vigência desse Estatuto, do jeito que está, as crianças e os jovens somente serão lembrados de que há "deveres" quando eles cometerem algum "ato infracional" e acusados de violação dos direitos à vida, ao patrimônio, à integridade física forem atendidos pela Justiça da Infância e da Juventude que ao analisar cada caso, tomará as medidas necessárias, apesar de muitas vidas já terem sido tiradas... Assim, o adolescente ficará sabendo que se cometer algum ato infracional, enfrentará a autoridade policial, o Ministério Público e a autoridade judiciária. Tomará ciência, também, que será julgado por uma autoridade que de modo isento considerará sua justificativa e examinará o seu comportamento dentro das normas de convivência social e tomará as medidas necessárias (Estatuto artigo 112), "seja de advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento educacional". Ou ainda (conforme artigo 101 do Estatuto), "encaminhamento aos pais ou responsáveis, orientação, apoio e acompanhamento temporários, matrícula e freqüência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino fundamental, inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente, requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos".

Todas essas ações, dentre as que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece, são atitudes pedagógicas para que o adolescente se conscientize da necessidade de agir com responsabilidade, sendo capaz de exercer plenamente a sua cidadania e possa vir a ter comportamentos disciplinados e saudáveis que lhe permitam voltar a viver no convívio com os outros seres humanos.

Mudanças, no Estatuto, são necessárias. Mas, além disso, outras mudanças estruturais na sociedade são urgentes de serem feitas, dentre elas, por exemplo, preparar melhor os jovens para um casamento responsável, sabendo fazer um planejamento familiar (e não tendo filhos "em penca", sem condições de criá-los), sabendo educar melhor seus filhos, sendo realmente responsáveis como pais. A Psicologia já comprovou que é no ambiente familiar que a criança evoluiu e aprende os primeiros ensinamentos, internalizando aqueles aprendizados sobre regras básicas do agir e conviver com os outros, os limites, os valores, as atitudes culturais saudáveis, as atitudes educacionais equilibradas, as posturas éticas e morais e outras informações necessárias para vir a ser um cidadão consciente e uma pessoa disciplinada na sua dimensão individual, social, e quando adulta, na vida profissional e de casal. Se a família é tão importante para a educação das novas gerações, por que não são criados mecanismos legais para responsabilizar mais os pais (além do que está no Novo Código Civil Art. 1.566 - Deveres dos pais item IV - "sustento, guarda e educação dos filhos" e alguns artigos também no Estatuto da Criança e do Adolescente), criando condições de apoio da sociedade, para que as famílias venham a ter melhores informações e condições de formar filhos com qualidades humanas?

Além da família, é preciso investir em instituições que eduquem ou reeduquem, com qualidade, os jovens para serem pessoas equilibradas, com postura cidadã responsável, que possibilitem uma profissionalização em especial aos jovens sem recursos para se desenvolverem, orientações sobre sexo responsável e planejamento familiar evitando gravidez em adolescentes que mal saíram das fraldas, etc. Ações educativas para uma cidadania equilibrada e responsável, é um objetivo que pode ajudar a mudar a triste realidade de jovens sem preparo para a vida, dando-lhes melhores condições para conviverem em uma sociedade que almeja ser formada por pessoas com características civilizadas. Governos, legisladores, judiciário e outras instituições precisam urgentemente fazer um esforço conjunto para mudar o rumo da realidade que aí está e deixa todo mundo apavorado e com a sensação de que a cada dia fica mais difícil a convivência humana. Se nada for feito de imediato, é melhor que cada cidadão prepare o espírito para a volta daquele estágio de "civilização" onde predominava a barbárie humana, onde ninguém respeitava ninguém, onde matar e morrer por causas banais era a coisa mais comum do mundo. Muitos, de olhos arregalados, já constataram e gritam por socorro, que isso não é futuro não, já voltamos a esse estágio há muito tempo... Apesar disso, você que é pai ou educador, não desista de sua missão educativa! Procure fazer bem a sua parte educativa com os mais jovens. Ainda há esperança de mudar, para melhor, a realidade...

* No site www.editora-opcao.com.br o escritor Antonio de Andrade apresenta seus livros e artigos. Mais informações como a deste artigo, nos seus livros "Disciplina e a Educação para a Cidadania" e "Criança Feliz, Adulto Feliz" ou no artigo Educação: as qualidades urgentes! encontrado pelo link www.editora-opcao.com.br/ada47.htm.

* Por 4 anos, em Lorena, SP, o autor foi membro do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, presidente do Conselho Municipal de Assistência Social e Secretário Municipal do Desenvolvimento Social.

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