sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Ciência e Espiritualidade

Ciência e Espiritualidade

É de Einstein a frase: "a ciência sem religião é manca, a religião sem a ciência é cega".

Leonardo Boff *

Adital - Com isso queria dizer que a ciência levada até a sua exaustão termina no mistério que produz assombro e encantamento, experiência típica das religiões. A religião que não se abre a este mistério das ciências deixa de se enriquecer, tende a se fechar em seus dogmas e por isso fica cega. A ciência se propõe explicar o como existem as coisas. A religião se deixa extasiar pelo fato de que as coisas existem. O que é a matemática para o cientista é a oração para o religioso. O físico busca a matéria até a sua última divisão possível, os topquarks, chega aos campos energéticos e ao vácuo quântico. O religioso capta uma energia inefável, difusa em todas as coisas até em sua suprema pureza em Deus.
Ciência e religião se perguntam: O que se passou antes do Big-Bang e do tempo? Muitos cientistas e religiosos convergem nesta compreensão: Havia o Mistério, a Realidade intemporal, no absoluto equilíbrio de seu movimento, a Totalidade de simetria perfeita e a Energia sem entropia.
Num "momento" de sua plenitude, Deus decide criar um espelho no qual pudesse ver a si mesmo. Cria aquele pontozinho, bilionesimamente menor que um átomo. Um fluxo incomensurável de energia é transferido para dentro dele. Aí estão todas as possibilidades. Potencialmente todos nós estávamos lá juntos. De repente, tudo se inflacionou e depois explodiu. Surgiu o universo em expansão. O Big-Bang, mais que um ponto de partida, é um ponto de instabilidade que no afã de criar estabilidade, gera unidades e ordens cada vez mais complexas como a vida e a nossa consciência.
O Princípio de auto-organização do universo está agindo em cada parte e no todo. Neste universo tudo tem a ver com tudo, formando uma incomensurável rede de relações. Deus é a palavra que as religiões encontraram para esse Princípio, tirando-no do anonimato e inserindo-no na consciência. Para defini-lo não há palavras. Por isso, é melhor calar do que falar. Mas se tudo é relação, então não é contraditório pensar que Deus seja também uma relação infinita e uma suprema comunhão.
Ora, esta idéia é testemunhada pelas tradições religiosas. A experiência judaico-cristã narra continuamente as relações de Deus com a humanidade, um Deus pessoal que se mostra em três Viventes: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
O ser humano sente esta Realidade em seu coração na forma de entusiasmo (filologicamente significa ter um deus dentro). Na experiência cristã, diz-se que Ele se acercou de nós, fez-se mendigo para estar perto de cada um. É o sentido espiritual da encarnação de Deus em nossa miséria.
A ânsia humana fundamental não reside apenas em saber de Deus por ouvir dizer, mas em querer experimentar Deus. Atualmente, seria a ecologia profunda, a que cria o melhor espaço para semelhante experiência de Deus. Mergulha-se então naquele Mistério que tudo penetra e tudo sustenta.
Mas para aceder a Deus, não há apenas um caminho e uma só porta. Essa é a ilusão ocidental, particularmente das igrejas cristãs, com sua pretensão de monopólio da revelação divina e dos meios de salvação. Para quem um dia experimentou o Mistério que chamamos Deus, tudo é caminho e cada ser se faz sacramento e porta para o encontro com Ele. A vida, apesar de suas muitas travessias e das difíceis combinações da dimensão dia-bólica com a simbólica, pode então se transformar numa festa e numa celebração. Ela será leve, porque carregada da mais alta significação.

* Teólogo e professor emérito de ética da UERJ

fonte: www.adital.org.br

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