quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Um direito constitucional dos escolares

Um direito constitucional dos escolares

Sonia Lucena de Andrade

O Programa Nacional de Alimentação Escolar, criado na década de 1950 com a assessoria de Josué de Castro, é o mais antigo programa de alimentação do Brasil. O objetivo desse programa é atender parte das necessidades nutricionais dos alunos, contribuindo para o crescimento, o desenvolvimento, a aprendizagem e o rendimento escolar dos estudantes. Colabora também para a formação de hábitos alimentares saudáveis, além de valorizar a diversidade e a cultura alimentares.

No decorrer de sua existência, ocorreram modificações na gestão desse programa. Em seus primórdios, a própria administração pública o gerenciava (autogestão). Posteriormente, passou a admitir-se a terceirização do fornecimento das merendas. Partidários do "Estado mínimo", os defensores da terceirização sustentam que essa modalidade de gestão seria mais vantajosa para o poder público.

Primeiramente porque diminuiria as despesas com pessoal, incluindo os gastos com a remuneração de servidores enfermos ou com proventos de inativos. Em segundo, porque o poder público não mais seria obrigado a equipar adequadamente as escolas para a preparação das refeições (por exemplo, construindo cozinhas e adquirindo fogões, refrigeradores e outros eletrodomésticos).

Haveria supostamente uma racionalização dos gastos públicos. Em alguns locais onde ocorreu a terceirização (como no Espírito Santo e no município de São Paulo), os profissionais da educação detectaram graves problemas no programa de alimentação escolar, entre os quais: baixa qualidade nutricional dos alimentos; excesso de alimentos industrializados, ricos em açúcares e gorduras (em geral, mais baratos); fraude nas licitações; aumento considerável do custo unitário da refeição; falhas na prestação de serviços; falta de vínculo com a comunidade assistida; transporte inadequado das refeições para as escolas, quando há produção centralizada delas; descaso com a opinião dos alunos; exploração do trabalho das merendeiras ou oferta de condições de trabalho precárias; sucateamento das áreas de produção; e desestruturação da economia local, principalmente da produção de alimentos em pequenos municípios.

Outro agravante é que algumas empresas que são contratadas pelo poder público, ao elaborarem o cardápio, não inserem alimentos regionais. Elas alegam que contrataram nutricionistas para adequar os cardápios à cultura local. Porém, o que se observa, na maioria das vezes, é que o parecer técnico dos nutricionistas não é seguido pelas organizações terceirizadas que os contrataram. Na prática, verificou-se que a autogestão apresenta inúmeras vantagens em comparação com o outro sistema.

Com a autogestão, os gêneros alimentícios são, em regra, comprados de produtores locais -o que contribui para o aquecimento da economia da região, bem como propicia a inclusão, nas refeições, de alimentos naturais e comprovadamente mais saudáveis. Com frequência, os pais dos alunos participam mais efetivamente da execução do programa, por meio dos conselhos. Os órgãos governamentais de controle -como o Tribunal de Contas- têm acesso a mais informações sobre essa execução e, consequentemente, a fiscalizam mais efetivamente. O gestor tem de contar com a assessoria de um nutricionista (o qual assume a responsabilidade técnica do cardápio) e, com o dever de zelar pela educação e saúde dos escolares, acaba se comprometendo mais com o sucesso do programa.

Por fim, é preciso ter em mente que a alimentação escolar é um direito humano e constitucional dos escolares e um dever do poder público. A terceirização revela omissão do Estado em cumprir seu dever, já que a alimentação dos estudantes passa a ser encarada como mera mercadoria que pode ser negociada com a iniciativa privada. Diante dos sérios problemas que a terceirização vem apresentando, conclui-se que a presença do Estado, por meio de autogestão, é necessária para garantir o sucesso do programa e sua universalização.

Sonia Lucena de Andrade, é nutricionista, é professora do curso de nutrição da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). É conselheira titular do Consea Nacional (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e membro da diretoria da Asbran (Associação Brasileira de Nutrição).

Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 21/02/2009 na coluna Tendências/Debates.

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