terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Fraternidade e Segurança Pública

Fraternidade e Segurança Pública

Robson Sávio Reis Souza – pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (CRISP). E-mail: robson@crisp.ufmg.br

Publicado no Jornal Estado de Minas, de 23/02/09, página 09.

Inicia-se na quarta-feira de Cinzas mais uma Campanha da Fraternidade, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. O tema: fraternidade e segurança pública.

A igreja conhece a máxima do profeta Isaías: “a paz é fruto da justiça” (Is 32,17). Portanto, é impossível pensar numa cultura de paz, como apregoa a Igreja, desconhecendo a complexa realidade econômica, social e política do nosso país.

Nas cidades e no campo convivemos com estruturas injustas e excludentes. E o Estado é o mais eficiente instrumento de manutenção desta ordem.

Como falar segurança pública quando 1% dos latifundiários detém 50% das propriedades rurais produtivas? Entre 1965 a 1985, cerca de 30 milhões de brasileiros foram expulsos do campo e jogados nas periferias de nossas metrópoles. No mesmo período, o governo federal baixou somente 124 decretos de desapropriação. Como naturalizar a legião de sem-terra, formada por 4,5 milhões de famílias? Os índios, vítimas de um massacre secular, continuam assistindo à invasão de suas terras por posseiros expulsos pelo latifúndio.

Nas nossas grandes cidades, poucos ricos vivem em situação de verdadeiro apartheid, em condomínios luxuosos, cercados de cercas, câmeras e guardas por todos os lados. As condições objetivas da segurança pública se deterioram; por outro lado, cresce, exponencialmente, a segurança privada: um mercado equivalente a 10% do PIB brasileiro, bom somente para os 10% da população que concentra 75% de toda a riqueza nacional.

Enquanto alguns formadores de opinião satanizam os moradores das favelas e fazem do tráfico de drogas o bode expiatório de todos os males sociais, os crimes de corrupção, sonegação de impostos, contrabando e outros, tão nocivos à sociedade, são praticados com a complacência da sociedade e da justiça. Os condomínios de luxo, os gabinetes de empresários e políticos corruptos, onde tais crimes são urdidos, não são alcançados pelos olhares da polícia. Uma das polícias, diga-se de passagem, mais violentas do globo.

Nosso sistema judiciário é um dos mais seletivos e discricionários do mundo. Justiça punitiva para os pobres; leniente, generosa e complacente com os abastados.

Enquanto isso, as nossas prisões assistem a um aumento vertiginoso de sua população: jovens, pobres e negros. Vivem em condições desumanas e de aviltamento da dignidade da pessoa e ao arrepio das leis. Impossível que daí saiam cidadãos capazes de uma vida construtiva na sociedade.

Quando a violência bate à porta da classe média, o noticiário sai das páginas policiais e ganha os horários nobres da mídia. Imediatamente parlamentares de plantão e apresentadores inescrupulosos e sensacionalistas propõem maior endurecimento das penas. Equivocam-se ao defenderem que o recrudescimento da lei reduz a criminalidade. Pensam que Justiça se faz com o Código Penal, que no Brasil existe só para os pobres. Vide as decisões do Supremo Tribunal Federal em relação aos inúmeros crimes praticados pelos poderosos.

Não fosse isso o bastante, assistimos hoje uma tendência no Poder Público em criminalizar os movimentos sociais. Mais uma vez se tenta silenciar a luta dos pobres com o Código Penal.

Políticas públicas paternalistas transformam os miseráveis em objeto de esmola, pela via de vários programas ditos “sociais”. Os pobres deixam de ser sujeitos de direitos e continuam a ser objetos de favores de políticos bons de mídia e pouco comprometidos com a cidadania.

Será que a Igreja está disposta a lutar pela efetiva mudança desse quadro?

O certo é que inúmeras iniciativas da sociedade civil organizada e de movimentos sociais que lutam em defesa de uma justa distribuição da terra e da renda e pela efetividade dos direitos humanos abundam em nosso país. “Justiça e paz se abraçarão” (Salmo 85,1). Aqui reside a esperança.

(Artigo em homenagem ao Professor Fábio Alves do Santos - inspirador dessas idéias).

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