domingo, 8 de julho de 2007

Ensinar e fazer uma Filosofia Viva

Ensinar e fazer uma Filosofia Viva

Equipe filosófica do Centro de Filosofia

Teria sentido de crianças e jovens se limitarem a receber repasses de informações e aprenderem a reproduzir conhecimentos estáticos e prontos? Por que aprender concepções e verdades absolutas que engessam o processo de ação e reflexão diante do mundo e de sua própria existência? Aqui reside, em grande parte, a problemática do ensino da Filosofia: repasse mecânico de teorias desarticuladas da realidade.

Rever o ensinamento de uma Filosofia estritamente conteudista e, por outro lado, adotar uma Filosofia crítica e metodologicamente articulada é um desafio, tendo-se em vista que a partir de uma aprendizagem filosófica, cria-se a possibilidade de desenvolver nas criançãs e jovens suas capacidades cognitivas e intelectuais. Como? Por meio de uma vivência social, cultural e política, que nada mais é, do que contribuir para o exercício crítico, criativo e criterioso de uma consciência cidadã.

Para buscar um ensino de Filosofia que ocupe seu espaço e que seja condizente com o momento histórico, é fundamental que se parta de seu próprio existir e de sua contribuição histórica. Não podemos pensar um programa que contemple toda a história da Filosofia, bem como fica difícil visualizar um ensino filosófico somente com temáticas soltas, sem um eixo, um fio condutor. É fundamental considerar-se a intrínseca pluralidade da Filosofia expressa nas diversas correntes e linhas filosóficas.

Como este ensino deve se dar? Partindo destes conceitos e das concepções que os indivíduos apresentam, junto aos conteúdos filosóficos, buscando uma nova visão, via investigação e discussão. Assim, amealham-se subsídios para uma análise teórica e para a compreensão do cotidiano do aluno.

O ensino filosófico precisa ser dialógico e dinâmico junto aos outros conteúdos. Um ensino filosófico de qualidade não se limita a interdisciplinaridade dos conteúdos, ou a interação com a realidade, a experiência dos alunos, a definição da linha epistemológica do professor, ou ainda, a estrutura curricular voltada para a história da Filosofia ou temas atuais. É preciso considerar os procedimentos metodológicos adequados, os instrumentos e a visão de avaliação condizentes com a aprendizagem filosófica das criançãs, adolescentes e jovens.

O ensino filosófico, com as criançãs, adolescentes e jovens, portanto, na educação infantil, no ensino fundamental e médio, deve contribuir para a formação de uma consciência crítica, abrir o entendimento para as formas atuais de dominação e opressão que estão presentes em todas as relações sociais da vida, manifestadas por ideologias e convenções. Deve-se aprender a pensar, através da Filosofia, fazendo-se uma crítica constante a cultura dominante e as manifestações que nos levam a um pragmatismo reducionista da vida. Para nós, a premissa reside em reconhecer que todos os homens são filósofos, enquanto pensam e agem racionalmente, como dizia Gramsci. É papel
essencial da escola, oferecer uma formação que leve ao aprimoramento
constante da racionalidade.

Portanto, abrir espaços para uma educação filosófica com as crianças, adolescentes e jovens é, acima de tudo, buscar um novo posicionamento diante da realidade social. Trata-se de sair do senso comum e ir para a consciência crítica. Isto não está somente a cargo do ensino da Filosofia, não será ela, por si só, que despertará o aluno para as mudançãs de atitude perante o mundo, ou que o fará agir como sujeito responsável de sua história. É da sua essência e do seu fazer, alcançar tais finalidades, quando ensinada e vivenciada no período escolar, juntamente com as demais disciplinas.

Entramos na idéia kantiana de aufklarung, do esclarecimento, da maioridade. A criança e o jovem devem aprender a pensar, ou seja, sair da menoridade. Estarão sempre na menoridade quando não quiserem pensar por conta própria, não quiserem viver autonomamente. Menoridade é aqui entendida como depender do outro para pensar.

Falar do ensino da Filosofia, da sua importância, da luta pela autonomia, é pensar em mudança cultural, em mudança de visão de mundo, de paradigmas. O ensino da Filosofia requer que estejamos abertos ao novo, a experiência vivida por outros, sempre tendo como base uma tradição de pensamentos filosóficos. Afinal, os filósofos convivem conosco. Como? Pelas idéias, leitura da realidade vivida por cada indivíduo e que muitas vezes estão presentes em nosso dia-a-dia. Assim, havendo uma mudança de mentalidade, da forma de pensar, via educação, alcançaremos uma mudançã política. O caminho da mudança pela educação filosófica passa pelo esclarecimento e consolida-se na íntima relação entre saber, poder, cultura e transformação, isto é, passa pela emancipação do indivíduo.

Tendo-se em vista este panorama e esta forma de entender o espaço do ensino filosófico, pode-se entender o porquê da inclusão da Filosofia sempre ter sido alvo de discussões, incertezas, medos, indefinições e desculpas, como as apresentadas no veto presidencial do projeto do deputado Padre Roque, que almejava a volta da Filosofia e da Sociologia ao ensino médio.

Filosofar dentro da estrutura escolar com as criançãs, adolescentes e jovens é capacitá-los para o debate, para a confrontação de idéias, é prepará-los para o questionamento, para o não conformismo diante dos fatos. Portanto é ensiná-los a dizer não, e fazer com que exijam participação no processo de criação do indivíduo, de uma nova relação entre pessoas, instituições e os porquês de tais relações.

Buscar um ensino filosófico, condizente com a idade, dentro das experiências de cada um, aberto ao questionamento, a angustia, ao novo, é querer uma Filosofia viva. Um ensino filosófico que questione as certezas, o instituído, que capacite indivíduos para a reflexão e para as diversas leituras e posicionamentos tomados diante dos fatos. Assim, este indivíduo estará instrumentalizado para a crítica e para a ampliação do seu universo experiencial e sua visão de mundo.

Estas utopias inspiram diversas lutas pela presença, natureza e alcance emancipatório da reflexão filosófica na realidade atual da educação e da escola. Trata-se da possibilidade de mudar ou de superar a própria identidade da Filosofia entre nós.

Fonte: Centro de Filosofia Educação para o Pensar

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