quinta-feira, 12 de julho de 2007

Brasil - O futuro da reforma política

Brasil - O futuro da reforma política

Inesc *

Adital -
Por Edélcio Vigna
Assessor para Políticas de Reforma Agrária e Soberania Alimentar
INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos

É preciso aprender com as derrotas.

Segmentos democráticos importantes da sociedade civil defenderam comtenacidade a aprovação da lista fechada de candidatos a cargos legislativos, com alternância de gênero, no projeto de lei de reforma política que está em votação na Câmara dos Deputados.

A proposta foi enterrada na semana passada, pois obteve somente 41% do total dos votos na primeira votação e 46% na segunda. Não obtendo o quociente necessário para sua aprovação de 257 votos. O resultado da primeira (lista fechada) foi de 252 (NÃO) contra 181 (SIM) e três abstenções. A diferença foi de 71 votos de um total de 432 deputados federais votantes. O da segunda votação (lista mista ou flex) foi de 204 (NÃO) contra 202 (SIM), em um total de 443 votantes.

Apesar das votações serem diferentes possuía em comum o objeto em apreciação: a lista de candidatos a cargos legislativos. Em ambas, o que estava em votação era lista de parlamentares, apesar da diferença fundamental no conteúdo da matéria. Por isso, para efeito de análise, não vamos comparar as votações, mas as dissidências ocorridas em uma e outra.
Assim, o objetivo é demonstrar que as dissidências partidárias apresentadas não afetaram a essência dos resultados, mas reafirmaram a falta de sintonia entre a Câmara dos Deputados e as propostas da Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma Política no Brasil.

O interessante nas votações - depois de ocorridas - é analisar o nível de dissidência partidária. Na primeira votação, dos 437 votos, 78 foram votos dissidentes; ou seja, votos contrários à orientação das lideranças. O percentual de dissidência desta votação (18%) está na média de dissidência apresentada em outras sessões do Parlamento, demonstrando que os deputados não consideraram esta votação especial ou divisora de águas. De forma diferente, as organizações sociais que compõem a Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma Política no Brasil, tinham expectativas de que esta votação pudesse ser um primeiro passo no sentido de uma maior abertura do processo política brasileiro.

O Executivo apesar de ter dado sinais de que apoiaria uma reforma política profunda, com lista fechada para que pudesse ser aprovado o financiamento público exclusivo de campanha, acabou liberando sua base parlamentar para votar conforme sua inclinação ou bloco partidário. Dessa forma, a força da posição em favor da lista fechada de partidos que historicamente tem menos dissidências, como o PT e o PCdoB, esfacelou-se e a liberação acabou por empurrar parte da base do governo contra a lista fechada.

A base de apoio do governo é formada pelos partidos: PMDB, PSC, PT, PSB, PDT, PCdoB, PMN, PHS e PRB. Os dois primeiros partidos (PMDB e PSC) em consonância com a orientação do líder do Governo liberaram seus deputados para votarem conforme suas consciências. Outra parte da base se posicionou contra a lista fechada e orientou o voto "NÃO" (PRB; PSB; PDT; PCdoB; PMN e PHS). O PT orientou no sentido da aprovação da lista fechada, portanto "SIM".

Em relação o primeiro bloco, que liberou o voto dos parlamentares, o PMDB praticamente rachou. Dos 77 parlamentares presentes na sessão (1), 35 votaram pela aprovação da lista fechada. Isso representa 45% da bancada pemedebista. Os seis deputados do PSC votaram contra a lista.

O PT, que orientou "SIM" teve uma dissidência de apenas 3% da bancada. Dos seus 74 deputados apenas dois votaram contra a lista fechada.

A segunda parte da base de apoio do governo orientou o voto contrário à lista fechada. Curiosamente todos (100%) os parlamentares do PCdoB votaram contra a orientação da liderança do bloco (PSB) que havia orientado o voto "NÃO". Votaram a favor da lista e em consonância com os anseios das organizações da sociedade civil. O PSB teve uma dissidência de quatro de seus 22 deputados, que representa uma dissidência de 18%. Os demais partidos (PRB; PDT; PMN e PHS) votaram de acordo com a orientação da liderança, contra a lista fechada.

Dos partidos de oposição apenas dois - PSOL e DEM - orientou o voto favorável a lista fechada. Os Democratas tiveram uma dissidência de 18%, pois nove dos seus 59 deputados foram contrários à lista fechada. O PPS liberou sua bancada e dos seus dez parlamentares, quatro (40%) votaram de acordo com a recomendação da sociedade civil. O restante (PSDB; PP; PR; PV e PTB) orientaram o voto "NÃO". O PSDB, como maior partido de oposição teve uma dissidência de 16% na sua bancada de 50 deputados. Oito parlamentares votaram pela lista fechada. O PP, também teve uma dissidência de 6%. Isso significa que dos seus 36 deputados, dois votaram favoráveis à lista fechada. Do PTB, apenas um deputado (6%) votou contra a orientação do líder (um em dezoito). A bancada do PV nas duas votações votou sem dissidências contra a proposta da lista fechada.

Antes da primeira votação havia nos bastidores do plenário da Câmara dos Deputados uma expectativa de que uma negociação poderia resolver o impasse que a lista estava provocando. Assim, ficava evidente que a lista fechada estava sendo rejeitada à priori e que para salvar as aparências era necessário uma nova proposta. Assim, foi sugerida uma lista mista, que logo ganhou o irônico apelido de flex. Uma excrescência que só na imaginação dos parlamentares, contrários a reforma política, poderia dar certo. Muitos avaliam que ao ser aventado esta possibilidade, cavou-se a cova da reforma política.

Na segunda votação, onde se colocou em pauta a lista mista ou flex, o quorum para a votação foi acrescido de alguns deputados, mas o seu resultado praticamente continuou o mesmo. Dos 444 deputados houve uma dissidência de 55, que representa 12% do total. O interessante é a oscilação na margem de dissidências partidárias ocorrida. Por exemplo, na primeira votação a dissidência no PSDB votando contra a lista fechada foi de 16%, na segunda caiu para 4%. O PSB, com a mesma orientação, de 18% na primeira, também caiu para 4%. No PMDB, também se observa uma queda na dissidência de 45% para 22%.

Os partidos que aumentaram seus níveis de dissidência foram o PT (de 1% para 3%), o PPS (de 40% para 50%) e o PSC (de 0% para 80%). O DEM manteve em 18% sua margem de dissidentes.

Mesmo com a diminuição da margem geral de dissidentes entre a primeira (18%) e a segunda (12%) votação, fica claro que os parlamentares não estavam em sintonia com os debates e avanços que a Plataforma dos Movimentos Sociais havia atingido e consolidado em suas deliberações, amplamente publicizadas.
A consciência da necessidade da modernização do sistema eleitoral, por parte de uma parte dos deputados federais, não foi partilhada por uma maioria absoluta que pudesse aprovar uma alteração significativa na forma de votar do cidadão e da cidadã brasileira.

O argumento tradicional e falso da coronelização ou aristocratização de que a lista partidária poderia provocar nos partidos políticos, tenta hipocritamente ignorar a existência deste subproduto do poder econômico dentro dos partidos. O que a sociedade propõe é minimizar a corrupção política possibilitando, por meio da lista fechada e do financiamento público exclusivo de campanha, um maior controle dos recursos públicos por parte dos órgãos competentes. Mas, esperança dos parlamentares que não desfrutam desta posição dentro dos partidos em galgar esta posição e manter o mandato, leva-os a se posicionar contra a lista fechada por medo de não poderem estar nas primeiras posições da lista. Esta esperança mesquinha é que mantém a estrutura arcaica do voto no indivíduo e não no partido.

A história da representação política, assim como a do progresso da humanidade, não é linear. Ela ocorre por rupturas e de forma descontínua.
Segmentos importantes da sociedade civil já avançaram e outros ainda estão no século XX. Novos debates deverão ocorrer mantendo mobilizadas mentes, corações e interesses. Novos confrontos de idéias serão provocados pelas contradições conjunturais até que os setores democráticos da sociedade e parlamentares, como maioria significativa, possam avançar juntos.

A reforma política começou e o que foi votado, e o que será votado, neste período não tem a mínima importância diante do que será proposto e aprovado no futuro.

http://www.inesc.org.br/

Nota:

(1) No texto vamos considerar as bancadas como o número de deputados presentes na sessão, desconsiderando os ausentes.

* Instituto de Estudos Socioeconômicos

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