quarta-feira, 20 de junho de 2007

Possibilidades e Limites

Economia Popular Solidária: Possibilidades e Limites

Participação como debatedor (1)

[Versão Preliminar]

Paulo César Carbonari (2)

O conceito de economia popular solidária introduz uma novidade na compreensão da economia e outra na compreensão da política. Explico. Falar de economia popular solidária é ressignificar a própria economia no sentido de recuperar sua dimensão ética – flagrantemente negada pelas posições neo-clássicas de matriz liberal e de alguma forma também pelas posições marxistas ortodoxas. Mas não só, é entender o lugar da economia no processo de transformação social como exercício político, um novo lugar.

Os adjetivos popular e solidária cumprem um papel substantivo, reorientando o sentido do substantivo que qualificam.

Ao dizer economia popular podemos apenas estar nos referindo à chamada economia de sobrevivência, marginal à economia de mercado. Prefiro entender popular no sentido substantivo de uma economia centrada na busca de condições de satisfação das necessidades – sempre novas – dos seres humanos, na perspectiva do bem viver de todos e para todos. A serviço, portanto, do homem – invertendo a lógica fetichista da economia capitalista.

O solidária dá o caráter prático e recupera a igualdade como condição do exercício da liberdade, no sentido de que a realização da solidariedade implica a criação de condições históricas de igualdade no exercício da liberdade. A plenitude da liberdade, neste sentido, não se dá pela livre iniciativa individual, mas na liberdade de iniciativa solidária, como exercício público de objetivos, que deve levar em conta interesses individuais, não privatistas, passíves de ser tornados coletivos. É o exercício de redução da esfera privada e privatista pela construção de espaços públicos capazes de subsumi-la na perspectiva coletiva. Portanto, a economia popular solidária subverte o conceito funcionalista de economia e recoloca a economia no seio do mundo da vida, do mundo das relações humanas, desfazendo-a como sistema colonizador e sufocador de potencialidades. O mercado deixa de ser o agente obscuro que determina as relações sociais.
Recupera-se a idéia de troca como a essência das relações econômicas – em contraposição à idéia de mercado. A economia solidária, portanto, nega o mercado como mão invisível, e afirma relações de troca.

Em termos políticos, na perspectiva de que a política é o exercício de condições para a transformação social em vista de uma vida centrada no bem viver, a economia popular solidária insere a novidade de que o exercício de novas relações produtivas não será consequência da reorganização do Estado, particularmente da burocracia governamental. Antes, implica centralmente uma profunda aposta na organização da sociedade civil. O significado disso na matriz revolucionária é fundamental. Isto porque, o processo de transformação da economia capitalista passa antes pela organização dos produtores e consumidores, do que pelo assalto ao aparelho burocrático do Estado que teria o papel de reorientar o mercado a favor deles – tese típica da ortodoxia marxista. A transformação das relações de produção passa pela organização dos produtores e consumidores, desde já, numa nova forma de relações de produção a ser exercida em novas relações de produção. Isto não significa enfraquecer a necessária resistência e crítica contundente ao modelo e à prática hegemônica. Não se trata de gerar uma dicotomia entre os trabalhadores que abdicam da greve para administrar um empreendimento econômico e os trabalhadores que fazem greve para derrubar os capitalistas.
Trata-se de entender que ambas as ações são complementares e estrategicamente substantivas no sentido da construção de novas relações produtivas.

O central, portanto, em termos políticos, está em apostar na organização dos produtores e consumidores, no aperfeiçoamento da organização da sociedade civil – não para sobreviver dentro do sistema ou para arranjar o que fazer aos que já não tem lugar numa economia automatizada – para, a partir deles (os excluídos do sistema), gerar novas relações produtivas, revolucionárias.
O revolucionário da organização da economia popular solidária está em mexer na estrutura produtiva, contrapondo-se ao sistema capitalista pela construção no seu seio de condições para sua superação pela organização social dos produtores e consumidores – de alguma forma recupera-se aqui todo o sentido dos socialistas utópicos, sem entendê-los ou depreciá-los em nome do socialismo científico, antes, complementando-os mutuamente. A imagem que me vem à mente é a do esforço de organização das comunas e dos ofícios no seio do feudalismo, como potencialização política da séculos depois revolução francesa. A revolução é econômica e política ao mesmo tempo – contra todos os que acreditam que antes precisa ser política para depois ser econômica.

Neste contexto, merece especial atenção o lugar do Estado. Ele passa a ter um papel fundamental. Não no sentido de planejar a atividade econômica, mas no sentido de aportar condições para que a auto-organização livre dos produtores e consumidores possa ser efetivada. Supera-se a idéia de Estado como burocracia administrativa em nome da idéia de Estado como espaço público de enfrentamento de interesses privados e privatistas, palco de busca de soluções públicas, coletivas, que venham para reduzir a voracidade individualista em nome da satisfação de todos e de cada um. Aliás, sem que a sociedade esteja organizada de maneira autônoma, qualquer ação do Estado na perspectiva da economia popular solidária deporá contra ela, destruirá suas bases pelo paternalismo – sobre isso não sobram exemplos para analisar e que em virtude da exiguidade do tempo não podemos considerar. Neste sentido, o Estado, antes de ser burocracia é sociedade organizada. À brocracia, neste contexto, cabe oferecer suporte à auto-organização, nunca patrociná-la ou substituí-la.

Um projeto de desenvolvimento popular e solidário, que antes de mais nada precisa ser autosustentável, é tarefa, portanto, de toda a sociedade, particularmente da sociedade organizada nesta perspectiva. A burocracia estatal, neste sentido tem um papel complementar e emulador. Não cabe a este ou àquele governo fazer a transformação social, cabe aos produtores e consumidores, aos agentes sociais, à cidadania organizada, promovê-la, pela construção, desde já, de novas relações, de relações populares e solidárias.
A aposta está na criatividade que emerge da participação popular. Na idéia de que a garantia dos direitos é exercício coletivo da cidadania, na criação de condições históricas transformadoras do status quo, em vista do bem viver. Daí que, a economia popular solidária é o exercício de construção de uma nova cultura que suplante o padrão individualista e consumista que grassa neste fin de siécle. Como dizia Che Guevara: "Ser solidário é ser humano". É compartilhar qualquer injustiça, a qualquer ser humano, em qualquer lugar. É compartilhar o exercício paciente e permanente de construção de novas relações que sejam capazes de colocar o ser humano como fim, nunca como meio. É compartilhar a utopia de um mundo mais humano como horizonte ético, mobilizador da ação presente, e como construção presente de um horizonte estética e politicamente mais humano.

Este é o desafio que está colocado para quem não vê na economia popular solidária mais uma moda empolgante, mas uma possibilidade real, histórica de transformação das relações sociais.
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Notas:

1. Participação no Seminário Regional Passo Fundo de Trabalho e Economia Popular e Solidária, realizado em Passo Fundo, 01 e 02 de dezembro de 1999. Painel e Debate: A economia solidária: o que é, quais as suas possibilidades e os seus limites em economias periféricas – o caso do Brasil. Estratégias para a consolidação da economia popular solidária no projeto de desenvolvimento do Estado do RS. Trata-se de versão preliminar.

2. Mestrando em Filosofia (UFG-GO); professor de filosofia no IFIBE, Passo Fundo; educador popular junto a ONGs e Movimentos Sociais Populares; militante do MNDH; assessor do dep. fed. Padre Roque (PT-PR)
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Bibliografia Consultada

1. HINKELAMMERT, F. Crítica da Razão Utópica. São Paulo: Paulinas, 1984.

2. ____________. As armas ideológicas da morte. São Paulo: Paulinas, 1983.

3. MANCE, Euclides A. A revolução das redes. Petrópolis: Vozes (no prelo).

4. OLIVEIRA, M. A. de. Ética e Economia. São Paulo: Ática, 1996.

5. SEN, Amartya. Sobre ética e economia. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

6. SINGER, Paul. Globalização e Desemprego. São Paulo: Contexto, 1998.

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