terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Bônus sociorracial na UFMG

Bônus sociorracial na UFMG
vitória da inclusão e da democracia
Antônia Vitória Soares Aranha

Em maio de 2008, o Conselho Universitário tomou uma importante decisão, visando à ampliação da democratização do acesso à Universidade. Assim, para o vestibular de 2009, os inscritos que comprovassem uma trajetória de sete anos na escola pública (últimas séries dos ensinos fundamental e médio) teriam direito a um bônus de 10% sobre os pontos alcançados. E aqueles que, além de provenientes da escola pública, se declarassem negros teriam um bônus adicional de 5% sobre os pontos alcançados, perfazendo 15%.
Essa não foi uma decisão precipitada ou pouco discutida. Na verdade, há mais tempo a UFMG vem debatendo a utilização ou não de ações afirmativas direcionadas aos negros e às camadas mais empobrecidas da população. Há alguns marcos importantes nessa trajetória, como o Debate Sobre Inclusão Social em 2004, outro debate sobre a mesma temática dois anos depois e a existência, na FAE, do Programa Ações Afirmativas, que, desde 2002, vem desenvolvendo várias atividades no sentido de garantir a permanência dos alunos negros na UFMG.
O cenário nacional mostrava que a grande maioria das Instituções Federais de Ensino Superior (Ifes) já adotava alguma medida de ação afirmativa, quase sempre exemplificada por cotas para alunos negros e egressos da escola pública. Tal fato indicava que o debate sobre a democratização do acesso era mais que oportuno e evidenciava a responsabilidade das Ifes no sentido de contribuir para minimizar as grandes distorções sociais e raciais existentes no país. Entretanto, se a democratização do acesso para os mais pobres já era uma reivindicação mais cristalizada nas universidades, o ingrediente racial é algo mais recente.
Portanto, é nesse cenário complexo e polêmico que a UFMG, responsavelmente, optou por adotar o bônus sociorracial para ingresso nos cursos de graduação. E é com satisfação que se pode constatar que a medida surtiu um grande efeito
“O Brasil é o país das Américas que foi numericamente mais beneficiado pelo tráfico transatlântico. Segundo algumas estimativas, pelo menos 30% dos africanos deportados para a América tiveram o Brasil como destino. Costuma--se dizer retoricamente que o Brasil é o segundo maior país de negros no mundo, perdendo apenas parea a Nigéria. Oficialmente, pelo menos 45% da população brasileira atual é composta de negros e de seus descendentes mestiços, representando em termos absolutos cerca de 70 milhões de brasileiros”, escreveu o antropólogo Kabengele Munanga, professor da USP, em trabalho produzido em 2006. Apesar disso, o preconceito, a discriminação e o racismo persistem no país, dificultando a melhoria das condições de vida dessa parcela da população.
Portanto, é nesse cenário complexo e polêmico que a UFMG, responsavelmente, optou por adotar o bônus sociorracial para ingresso nos cursos de graduação. E é com satisfação que se pode constatar que a medida surtiu um grande efeito. Vejamos os dados:
* Um total de 34% dos alunos aprovados no Vestibular 2009 em todos os cursos foi beneficiado pelo sistema de bônus. Estudaram em escola pública e parte deles também se autodeclararam negros ou pardos. É verdade que, historicamente, a UFMG já absorvia um percentual significativo de estudantes desse segmento, mas provinham, frequentemente, do Coltec, Cefet e Colégio Militar. Excetuando-se o Colégio Militar, que também oferece o ensino fundamental, os outros dois possuem apenas o ensino médio. Tal fato nos permite afirmar que o percentual acima refere-se a alunos que desde a quinta série do ensino fundamental estudaram em escola pública, principalmente nas redes estadual e municipais.
* Se verificarmos os dados de alguns cursos, o quadro é ainda mais expressivo: em Medicina, um dos cursos mais elitizados da UFMG, seriam aprovados, sem o bônus, apenas 19 alunos (5,8%) com as características dos atuais “bonistas”. Com o bônus foram aprovados 92 candidatos, ou seja 28,75%. Se fizermos o mesmo cálculo para os cursos de Medicina Veterinária e Direito, os resultados também são animadores: no caso do primeiro, foram aprovados 47 “bonistas” (39,2%). Sem o bônus, apenas 21 alunos (17%) das escolas públicas teriam sido aprovados. Direito Noturno aprovou 82 “bonistas” (41%). Sem o programa, teriam sido apenas 28 (14%).
Diante desses dados, é inegável o impacto inclusivo propiciado pela política do bônus, aprovada em tão boa hora na UFMG. Atingido o propósito da democratização do acesso, alguns novos desafios se colocam, como a implementação de uma política de permanência para os alunos contemplados com o bônus e a intensificação do debate sobre a discriminação e o racismo, de forma que possamos remover preconceitos e estereótipos ainda existentes em nosso meio.
Essa é uma luta em tudo coerente com a história da UFMG, uma instituição que, no ensino, na pesquisa e na extensão, nunca acreditou que a excelência possa ser obtida em detrimento da relevância ou que a sensibilidade para com a relevância impeça a excelência.
*Professora associada e diretora da Faculdade de Educação da UFMG

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