sexta-feira, 25 de julho de 2008

XI Conferência Nacional de Direitos Humanos

CARTA DE MOBILIZAÇÃO Nº 3

XI CONFERÊNCIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS

Brasília, 23 julho de 2008
Companheiras e Companheiros do MNDH,
Companheirada chega até vocês a 3ª carta de mobilização sobre a XI CONFERÊNCIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS – CNDH. Mais uma vez lembramos a data: dias 15 e 18 de dezembro de 2008 realizar-se em Brasília - DF.
Esta carta trás uma reflexão e orientações metodológicas sobre o tema da Conferência Nacional, uma síntese das ações aprovadas sobre o Sistema Nacional de Direitos Humanos – SNDH durante a IX Conferência Nacional e informes importantes aprovados na reunião do GT Nacional que coordena o processo das conferências.

Em anexo segue dois textos sobre o tema Segurança Pública e outro com um resumo das proposições aprovadas na IX Conferência Nacional de Direitos Humanos de 2004 sobre o Sistema Nacional de Direitos Humanos – SNDH. E ainda a carta final do encontro nacional de segurança pública realizado em 2007 pela Câmara.

TEMA DA XI CONFERÊNCIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
Revisão e atualização do Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH
A construção do PNDH resultou da efetivação de um compromisso concreto da delegação brasileira presente na II Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993). Em conjunto com o PNDH outras iniciativas vieram como consequência. Em 1997 o então Governo Federal criou a Secretaria Nacional de Direitos Humanos no âmbito do Ministério da Justiça com atribuições para articular e coordenar as ações de Direitos Humanos em nível nacional.
Em setembro de 1995, se deu a criação da Coordenadoria do Plano Nacional de Direitos Humanos, a quem coube encaminhar o processo de sua construção. Para a formulação da proposta, o governo federal contratou os serviços do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP). O processo contemplou vários momentos e ampla participação dos diversos segmentos de atuação em direitos humanos. Foram realizados três grandes seminários (São Paulo, Rio de Janeiro e Recife), em novembro de 1995. Em dezembro do mesmo ano, o NEV/USP apresentou o pré-projeto de Plano ao Ministério da Justiça, que o analisou internamente e sugeriu a realização de nova rodada de seminários para discuti-lo, o que ocorreu em fevereiro e março de 1996, com eventos em São Paulo, Belém, Porto Alegre e Natal. O pré-projeto também foi debatido na Primeira Conferência Nacional e Direitos Humanos, realizada na Câmara dos Deputados nos dias 26 e 27 de abril de 1996. As diversas sugestões colhidas no processo resultaram numa nova versão do texto. A oficialização foi feita através do Decreto Presidencial nº 1.904, de 13/05/1996

Mesmo que tivesse abrangência significativa e contemplasse boa parte das propostas oriundas das oitivas da sociedade civil, o texto foi logo criticado a partir da avaliação de sua insuficiência, sobretudo pela forma como incorporou (ou não) as propostas relativas a grupos vulneráveis e, especialmente, por não ter contemplado uma perspectiva de indivisibilidade dos direitos humanos, já que praticamente não contemplou os Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais. A explicitação destas críticas foi feita na Segunda Conferência Nacional de Direitos Humanos, quando o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), que havia participado ativamente do processo de discussão para elaboração do Programa, não tendo visto várias propostas contempladas, expôs os problemas e solicitou a reformulação do PNDH. Na ocasião, também sugeriu a necessidade de definição de uma metodologia de monitoramento e de avaliação com ampla participação da sociedade civil.

Conforme esclarece Paulo de Mesquita Neto "O Programa Nacional de Direitos Humanos foi concebido inicialmente como um 'plano' e não como um 'programa' de direitos humanos. Entretanto, o governo decidiu formulá-lo, anunciá-lo e implementá-lo como um 'programa'. Essa mudança na denominação sinaliza a natureza flexível e aberta a sugestões e propostas da sociedade no programa de direitos humano, diferenciando esse programa de 'planos' governamentais que, muitas vezes, no Brasil, têm uma natureza rígida e fechada" (Op. Cit., nota nº 10).

Vários Estados, entre eles São Paulo – o primeiro a promulgar seu PEDH – Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, para citar alguns, elaboraram Planos Estaduais. Para o desenvolvimento deste processo firmou-se um Convênio entre a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP). O MNDH teve papel determinante, subsidiado pela Misereor, desenvolveu atividades de capacitação para a construção de Planos em mais de 15 estados.

As críticas foram apresentadas por Jayme Benvenuto Lima Jr, representante do MNDH. Cf. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissão de Direitos Humanos.
Relatório da II Conferência Nacional de Direitos Humanos:
Semeando educação e cidadania. Brasília: Câmara dos Deputados, 1998, pp. 34-39.
(Parte 01 - Carta de Mobilização Nº 3)

O governo se abriu as críticas e promoveu debates no sentido de viabilizar a reformulação do Programa. Nesta linha, registramos as várias e reiteradas apreciações feitas pelas diversas Conferências Nacionais de Direitos Humanos (1998 e 1999). Em 2000, o MNDH apresentou um documento no qual constavam linhas gerais para atualização do PNDH.

No ano seguinte, na VI Conferência Nacional, apresentou a proposta de construção de um Sistema Nacional de Direitos Humanos (SNDH) como alternativa para dar sistematicidade e coerência maior a todo o esforço de implementação de políticas de direitos humanos.

A fim de viabilizar o processo de atualização, o governo contratou novamente o NEV/USP, que realizou consultas novamente pelo país (em São Paulo, Brasília, Macapá, Salvador, João Pessoa, Porto Alegre, Campo Grande e Rio de Janeiro) a fim de colher sugestões.

A versão sistematizada resultou promulgada pelo Decreto Presidencial nº 4.229, como Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH II, ao qual foi anexado um Plano de Ação para o ano 2002, em 13/05/2002. Paulatinamente, o governo federal foi incorporando o PNDH ao Plano Plurianual e aos orçamentos anuais
– o que não necessariamente implicou sua execução, uma questão que precisa ser objeto de avaliação profunda e consistente e não somente fazer uma revisão e atualização.
Considerando que o que está sendo proposto é a atualização do PNDH – o que significa dizer que, mesmo ainda sem haver maior explicitação, parte-se do princípio de que o atual PNDH não responde de forma adequada –, não há como fazer este processo sem uma avaliação do que significou, que impactos teve, que resultados gerou, que processos alimentou, que conflitos abriu, quais mediou e quais permanecem em aberto, que acordos produziu, enfim, sem dedicar-se à compreender o processo empreendido.


Neste espírito, é imprescindível que as conferências estaduais possam dedicar nos encontros preparatórios regionais e ou pelo menos um dia na etapa estadual para discutir exclusivamente o PNDH – avaliação e atualização. Por isso, elencamos abaixo algumas orientações.
1. Tendo em vista o nº muito alto de ações do PNDH II (518) e o tempo que já é curto para esta tarefa é recomendável que conforme a realidade de cada Estado e, claro pelo acesso de informações que se tem cada Grupo de Trabalho Estadual – GTE faça uma escolha temática para se processar uma avaliação, pois o PNDH II está organizado por Direitos – Civis e políticos e Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais(ver na íntegra o PNDH II no site na Conferência Nacional de Direitos Humanos – www.11conferenciadh.com.br
2. Escolhendo os direitos, o Estado levanta as ações que deseja e tem informações para avaliar;
3. Para processar algum nível de avaliação das ações escolhidas veja abaixo sugestão de questões que podem auxiliar na atividade:
a) a ação e nº dela;
b) há informação de algum projeto ou programa do governo federal que indique implementação desta ação?
c) Este projeto ou programa tem desdobramentos nos Estados e Municípios?
d) como é o funcionamento deste projeto ou programa? É satisfatório(baixo, médio, alto) o funcionamento?
e) Há participação da população no projeto ou programa, há algum nível de controle da sociedade?
f) os recursos do projeto ou programa são suficientes?
g) Existe alguma perspectiva de direitos e cidadania no projeto ou programa?;
4. Esse exercício pode se dá metodologicamente em pequenos grupos que poderão avaliar até cinco ações, escolhendo aquelas que dispõem de mais informações;

MNDH. PNDH: Linhas gerais para sua atualização.
Brasília: MNDH, jul. 2000 (Mimeo).

Aprovado pela IX Conferência Nacional de Direitos Humanos (2004) a partir de proposta originalmente apresentada pelo MNDH na VI Conferência Nacional de Direitos Humanos (2001).

Para uma informação mais detalhada do processo ver Introdução e Posfácio. In: BRASIL. Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH II.

Brasília: Presidência da República/Ministério da Justiça, 2003 (Anexo ao Decreto nº 4.229, de 13/05/2002, respectivamente pp. 5-9 e pp. 81-95.

PPA 2000-2003, Macro Objetivo 26 – Promover a Garantia dos Direitos Humanos, com 12 Programas: Atendimento e legalização de estrangeiros no País; Combate à violência contra a mulher; Combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes; Cultura afro-brasileira

Defesa dos direitos da criança e do adolescente;
Direitos Humanos, direitos de todos;
Erradicação do trabalho escravizador e degradante;
E nodesenvolvimento das sociedades indígenas;
Reconhecimento de utilidade pública;
Reestruturação do sistema penitenciário;
Reinserção social do adolescente em conflito com a lei;
Território e cultura indígenas. PPA 2004-2007.
Megaobjetivo III - Promoção e expansão da cidadania e fortalecimento da democracia. Conta com vários programas. No âmbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos estão 9 programas:
0670 - Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas;
0152 - Atendimento Socioeducativo do Adolescente em Conflito com a Lei;
0073 - Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes;
0154 - Direitos Humanos, Direitos de Todos;
0155 - Gestão da Política de Direitos Humanos;
1078 – Política Nacional de Acessibilidade;
0153 - Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente;
1086 - Promoção e Defesa dos Direitos de Pessoas com Deficiência;
8017 - Proteção da Adoção e Combate ao Seqüestro Internacional.

Ver, entre outras, as várias análises do orçamento federal publicadas pelo Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (INESC), em www.inesc.org.br, além dos Boletins de Políticas Sociaisdo IPEA, em www.ipea.gov.br. O candidato Lula durante a VIII Conferência Nacional de Direitos Humanos (2002) declarou que esta seria uma boa herança do governo FHC.

(Parte 02 - Carta de Mobilização Nº 3)
5. Para esse exercício não precisa plenária deliberativa, basta fazer um bom trabalho de registro e sistematização, pois as avaliações serão análises múltiplas e de diversos olhares, inclusive nós do MNDH temos que processar nossa própria avaliação sobre o PNDH II, assim também deverão fazer outras organizações da sociedade civil e os Governos Estaduais e Federal;

6. Sobre a atualização do PNDH o recomendável é seguir os seis eixos temáticos propostos no texto base da XI Conferência Nacional de Direitos Humanos. E, dividindo por eixos constituir pequenos grupos para se trabalhar na formulação de propostas e diretrizes para um novo PNDH;
7. Para ajudar nesta formulação segue um roteiro para orientar os grupos:

DIREITO HUMANO REIVINDICADO
PROPOSTA DE COMO CONCRETIZAR O DIREITO HUMANO
AÇÃO PROPOSTA DE:
( ) curto prazo

FONTE DE FINANCIAMENTO:
( ) médio prazo

ÓRGÃO PÚBLICO RESPONSÁVEL

O TEXTO BASE E AS PRIORIDADES DO MNDH

Discutindo o eixo temático: pacto federativo e responsabilidades dos três poderes, do Ministério Público e Defensoria.
Este eixo remete para se perguntar o nível de responsabilidades com os Direitos Humanos por parte dos Municípios, dos Estados e da União, ou seja, como este três níveis de governo articulam-se e integram-se no que diz respeito as políticas públicas de Direitos Humanos e ainda como estas políticas perpassam as todas as secretarias municipais, estaduais e os ministérios. E mais que órgãos, instrumentos e ações deveriam ser criados no âmbito dos três poderes, do ministério público e defensoria.
Estas perguntam se encaixam perfeitamente na nossa proposta do SNDH. A proposta do Sistema deve ser apresentada como resposta ao desafio do texto base eixo pacto federativo e responsabilidades dos três poderes, do Ministério Público e Defensoria página 19 parágrafo terceiro. E claro, as perguntas que vem na seqüência no quarto e quinto parágrafos nos levam também a proposta sobre o Sistema.
É preciso para resgatar a proposta do SNDH sermos bem concretos e práticos nas propostas, por isso recuperamos aqui nesta carta as principais propostas do núcleo central do Sistema aprovada em 2004 na IX Conferência Nacional de Direitos Humanos. Em anexo a esta carta vai um texto completo com mais propostas do SNDH aprovadas na Conferência Nacional de Direitos Humanos de 2004
NÚCLEO DE REFERÊNCIA DA PROPOSTA DO SNDH – propostas aprovadas na IX Conferência Nacional de Direitos Humanos
1. Aprovar a criação do Sistema Nacional de Direitos Humanos, considerando o conteúdo aprovado na Conferência, constante do Texto Base e do Relatório Consolidado das Conferências Estaduais como material de referência para este processo.
2. Aderir aos chamados Princípios de Paris. (enquanto princípios mas não enquanto forma de organização do Conselho)

3. Acrescentar os princípios do respeito à Intimidade e da Laicidade do Estado aos Princípios do SNDH.
4. A concepção dos Direitos Humanos no âmbito do Sistema Nacional de Direitos Humanos deve ser entendida à luz da Proteção Internacional da Pessoa Humana.
5. Promover a articulação do SNDH com demais sistemas setoriais.
6. Elaborar Planos Nacional, Estaduais e Municipais de Direitos Humanos, com ampla participação popular, referenciados nas diretrizes das Conferências de DH e aprovados pelos Conselhos de DH; dotados de mecanismos de execução, monitoramento e avaliação; com revisões periódicas, e metas e estratégias claras.
7. Criar e fortalecer as Secretarias Estaduais e Municipais de Direitos Humanos como órgãos de coordenação das políticas de direitos humanos, ligadas ao Poder Executivo, e independentes da Secretaria de Segurança Pública.
8. Promover a reparação de danos causados a segmentos indígenas, afrodescendentes e ciganos, por meio de políticas públicas e ações afirmativas.
9. Ratificar todos os protocolos e tratados internacionais da ONU e OEA e retirada de todas as reservas aos mecanismos internacionais e implementar mecanismos legislativos como o Protocolo Facultativo do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial – CERD, as Convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT, números 29, 100, 105, 111,138, 132, e ECA; Regras Mínimas de Tratamento dos Presos das Nações Unidas e Lei dos Refugiados entre outros.
Definir antes o tempo exato do curto e médio prazo.
(Parte 03 - Carta de Mobilização Nº 3)
10. Formular a Consolidação das Leis de Direitos Humanos.

11. Revogar imediatamente a Lei 10.628/02 que confere foro privilegiado aos agentes políticos para as ações civis de improbidade.
12. Não federalização da apuração e punição das violações de direitos humanos e manutenção da competência da Justiça Estadual, inclusive do Tribunal Popular do Júri, para o julgamento dos Crimes praticados contra os Direitos Humanos.
13. Direitos Humanos como referência para as iniciativas governamentais no que se refere aos Acordos Internacionais com organismos multilaterais.
14. Primazia dos Direitos Humanos sobre a macroeconomia: rompimento com o FMI, não à ALCA, auditoria da Dívida Externa, Plebiscito oficial sobre a Dívida, e regulamentação do imposto sobre grandes fortunas.

INFORMES IMPORTANTES
Dia 16 de julho de 2008 houve reunião do GT Nacional da XI Conferência Nacional de Direitos Humanos que, entre várias coisas deliberou e informa sobre:
1. Está definido para o dia 5 de agosto um encontro nacional em Brasília para 2 representantes de cada GT Estadual, sendo um do governo e outro da sociedade civil para juntos discutir e traçar orientações metodológicas para as Conferências Estaduais de Direitos Humanos;
2. Está definido ainda a realização de três seminários nacionais para aprofundar os eixos temáticos do texto base, sendo um: em setembro – eixos: universalizar direitos em um contexto de desigualdades e Desenvolvimento e Direitos Humanos; em outubro – eixos: violência, segurança pública e acesso a justiça e Educação e cultura em direitos humanos; em novembro – eixos: pacto federativo e responsabilidade dos três poderes, do ministério público e da defensoria pública e interação democrática entre sociedade civil;

3. Cada um dos seminários nacionais está previsto participar com recursos até 5 pessoas de cada Estado;
4. Já está no ar o site da XI CONFERÊNCIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS – www.11conferenciadh.com.br
Lá no site você encontrará todos os documentos preparatórios, além do calendário de todas as etapas estaduais;
Sobre as cotas de 1/3 para os segmentos: a sociedade civil organizada e, principalmente a que está participando do processo da conferência estadual deverá se reunir em separado para definir quais os segmentos que poderão entrar na cota de 1/3. Para escolher estes segmentos cada Estado escolhe conforme sua realidade, onde há mais violações ou problemas envolvendo esse ou aquele segmento. Ou ainda pela presença marcante no Estado;
6. Onde estiver ocorrendo problemas entre Sociedade Civil e Governo do Estado, seja quanto a recursos, participação, decisão, conteúdo ou de cunho político façam contato imediatamente com o GT Nacional – telefones 61- 3429.30.51 e 3429.30.76 e.mail: conferenciadh@sedh.gov.br. Ou ainda você pode fazer contato com a sede nacional do MNDH falar com Gilson Cardoso – coordenador nacional que é do GT Nacional pelos telefone 61- 3273.73.20 e.mail: secretariamndh@gmail.com
gilsonmndh@gmail.com.

Coordenação Nacional do MNDH

Brasília, 23 de julho de 2008

Coordenação Nacional do MNDH

CÂMARA DOS DEPUTADOS

Comissão de Direitos Humanos e Minorias

ENCONTRO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 2007

POR UMA SEGURANÇA PÚBLICA E UMA JUSTIÇA
PARA GARANTIA DE DIREITOS
O Encontro Nacional de Direitos Humanos - Segurança Pública, Justiça e Cidadania, depois de três dias de atividades, entre 24 a 26 de setembro de 2007, na Câmara dos Deputados, expressa, para o conhecimento da sociedade, do poder público e como orientação para cada segmento, as seguintes considerações:

1. Afirmamos que Segurança Pública e Acesso à Justiça são Direitos Humanos e como tal devem ser compreendidos, sempre, por todos os agentes do Estado, as operadoras e os operadores do direito, as cidadãs e os cidadãos. Essa é uma premissa fundamental do Estado Democrático de Direito.
2. Avaliamos que o Plano Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do governo federal, contém avanços em relação aos planos anteriores para o setor, mas ainda preserva a concepção tradicional do papel das polícias, de ação repressiva dirigida aos grupos vulneráveis, em detrimento da defesa de direitos. Ao manter essa concepção, herdada de diferentes períodos de arbítrio, pode-se comprometer o sucesso do próprio programa.
Também pode representar a perda irreparável de um momento histórico apropriado para essa mudança de paradigma.

3. Reivindicamos a articulação institucional permanente entre o Ministério da Justiça e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, a Secretaria de Políticas para as Mulheres e a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, para garantir um enfoque da prevalência dos direitos humanos na implementação do Pronasci.
4. Constatamos a não incorporação de medidas de enfrentamento ao racismo e ao sexismo como fatores geradores de violência. Nesse sentido é preciso reconhecer que a maioria da população foco do Pronasci é de jovens negros, cujas taxas de homicídios são o dobro da população branca. Da mesma forma, é preciso incluir ações específicas dirigidas aos conflitos fundiários e ambientais, que vitimam lavradores e lavradoras, indígenas, quilombolas, defensores e defensoras de direitos humanos, entre outros, bem como ampliálo para regiões de fronteira, onde o policiamento é insuficiente
5. Reivindicamos a revisão do Projeto Mães da Paz em relação a nomenclatura e sua concepção conservadora que se fundamenta na naturalização do papel da mulher como mãe, cuidadora e responsável pela reeducação dos jovens. Ainda por desconsiderar a situação de risco em que as mulheres estariam envolvidas e não visar os direitos humanos e cidadania das mulheres. Além disso, tem como referência o projeto de promotoras legais populares, sem que se especifique a metodologia de formação.
6. Defendemos uma mudança que torne a Polícia garantidora de direitos e não perpetradora de violações. Isso implica ações em grande escala no campo educativo e na forma de sua organização e administração. Requer a integração das instituições policiais e a desmilitarização da Polícia Militar, a imediata regulamentação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e a construção da Lei Orgânica da Polícia Civil em conformidade com esses princípios.
7. Propugnamos que seja dada ênfase às ações preventivas na atividade policial, construindo indicadores confiáveis e unificados, dada a precariedade dos dados disponíveis hoje.
8. Instituir medidas de monitoramento e enfrentamento à violência policial, como o fenômeno persistente da prática da tortura nos estabelecimentos prisionais e unidades de internação, execuções sumárias e extermínios praticados por policiais. É preciso definir metas de redução e eliminação dessas práticas e do grau de letalidade na atividade policial, para que o medo e a desconfiança sejam substituídos pela esperança de que a polícia seja defensora de seus direitos.
9. Propomos que sejam criadas condições para a transparência dos indicadores de implementação do Pronasci. Deve ser dada visibilidade inclusive à aplicação dos recursos em ações capazes de inibir os fatores geradores da violência, como as políticas sociais, habitacionais, educacionais e de geração de emprego.
10. Propomos seja explicitada e garantida a participação da sociedade civil na formulação, gestão e monitoramento do Pronasci e do Sinase, visando a garantia do controle social. Foi constatada a ausência de participação das organizações da sociedade civil no processo de construção do Pronasci.
11. Reivindicamos a garantia do papel interlocutor, para a tomada de decisões, das entidades da área de direitos humanos, que há anos lutam, contribuem e refletem sobre a segurança pública e a justiça.
12. Propomos a integração e o fortalecimento do sistema de proteção, composto pelos Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita), Serviço de Proteção ao Depoente Especial (SPDE), Réu e Ré colaboradores, Programa Nacional de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Centro de Referência de Direitos Humanos e Combate à Homofobia, Centro de Apoio a Vítimas de Violência (Ceavs), Programa de Proteção ao Adolescente Ameaçado de Morte (PPCAM), sem prejuízo da criação de novas ações, como instrumentos necessários para a implementação do Pronasci.
13. Defendemos que a humanização e a reformulação do sistema prisional sejam condições fundamentais para uma política de segurança pública e de justiça com cidadania. É preciso reduzir a alta reincidência criminal dos egressos e egressas, assegurando aos apenados e apenadas dignidade, alternativas profissionais e acesso à educação. Igualmente, é preciso romper com a idéia de que a privação da liberdade é a única solução para a violência e a criminalidade, criando-se as condições para a aplicação de penas alternativas e alternativas às penas.
14. Defendemos a efetiva implementação do Sinase, incluindo a disseminação de experiências bem-sucedidas de atendimento integrado às e aos adolescentes em conflito com a lei, municipalizando-se a execução dessas medidas. Para tanto, recomendamos a atuação conjunta dos órgãos da Justiça, sociedade civil e instituições de assistência social, educacional e de saúde.
15. Defendemos a instituição e a normatização do controle externo e interno das polícias, por meio de ouvidorias e corregedorias, com participação da sociedade civil, autonomia de gestão e orçamento próprio.

16. Reivindicamos aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, aos presidentes e relatores das Comissões competentes agilidade na tramitação e votação do Pronasci, do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), da reforma do Judiciário, da PEC 487/2005, que fortalece a Defensoria Pública e do Projeto de Lei que estabelece procedimentos de persecução penal nos casos de tortura e que considere as propostas deste Encontro.
17. Repudiamos o emprego da violência de forças policiais contra os movimentos sociais, combatendo com veemência a criminalização contra defensoras, defensores e movimentos, garantindo assim o direito de manifestação, organização, denúncias e de resistência.
18. Cobramos do Poder Judiciário uma Justiça célere e cidadã, que tenha a agilidade necessária para evitar a impunidade, elevando o padrão de acesso à Justiça e que tenha as portas abertas às classes populares. Nesse sentido, é preciso reconhecer e valorizar experiências de formação alternativas como a das Promotoras Legais Populares, Agentes Jurídicos Populares, entre outros. Igualmente, experiências de mediação de conflitos, justiça comunitária e restaurativa. 19. Defendemos a valorização e a autonomia das Defensorias Públicas da União e de todos os Estados, ênfase na atuação do Ministério Público como defensor da sociedade e dos direitos humanos, autonomia das instituições de perícia em relação às organizações policiais.


20. Cobramos do Ministério da Educação e das instituições universitárias uma mudança de paradigma na formação dos profissionais, para que sejam incorporados conhecimentos e práticas que fortaleçam o processo democrático contemporâneo, na perspectiva dos direitos humanos.
21. Defendemos uma política de segurança pública e de justiça verdadeiramente cidadãs, com participação popular na sua formulação e implementação, com respeito incondicional aos direitos humanos. Uma política de segurança pública e uma Justiça compatíveis com os avanços democráticos que o Brasil está conquistando significa transformá-las em espaço de garantia de direitos humanos.

CÂMARA DOS DEPUTADOS
Comissão de Direitos Humanos e Minorias
ENCONTRO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 2007

POR UMA SEGURANÇA PÚBLICA E UMA JUSTIÇA
PARA GARANTIA DE DIREITOS

O Encontro Nacional de Direitos Humanos - Segurança Pública, Justiça e Cidadania, depois de três dias de atividades, entre 24 a 26 de setembro de 2007, na Câmara dos Deputados, expressa, para o conhecimento da sociedade, do poder público e como orientação para cada segmento, as seguintes

considerações:

1. Afirmamos que Segurança Pública e Acesso à Justiça são Direitos Humanos e como tal devem ser compreendidos, sempre, por todos os agentes do Estado, as operadoras e os operadores do direito, as cidadãs e os cidadãos. Essa é uma premissa fundamental do Estado Democrático de Direito.

2. Avaliamos que o Plano Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do governo federal, contém avanços em relação aos planos anteriores para o setor, mas ainda preserva a concepção tradicional do papel das polícias, de ação repressiva dirigida aos grupos vulneráveis, em detrimento da defesa de direitos. Ao manter essa concepção, herdada de diferentes períodos de arbítrio, pode-se comprometer o sucesso do próprio programa.

Também pode representar a perda irreparável de um momento histórico apropriado para essa mudança de paradigma.

3. Reivindicamos a articulação institucional permanente entre o Ministério da Justiça e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, a Secretaria de Políticas para as Mulheres e a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, para garantir um enfoque da prevalência dos direitos humanos na implementação do Pronasci.

4. Constatamos a não incorporação de medidas de enfrentamento ao racismo e ao sexismo como fatores geradores de violência. Nesse sentido é preciso reconhecer que a maioria da população foco do Pronasci é de jovens negros, cujas taxas de homicídios são o dobro da população branca. Da mesma forma, é preciso incluir ações específicas dirigidas aos conflitos fundiários e ambientais, que vitimam lavradores e lavradoras, indígenas, quilombolas, defensores e defensoras de direitos humanos, entre outros, bem como ampliálo para regiões de fronteira, onde o policiamento é insuficiente.

5. Reivindicamos a revisão do Projeto Mães da Paz em relação a nomenclatura e sua concepção conservadora que se fundamenta na naturalização do papel da mulher como mãe, cuidadora e responsável pela reeducação dos jovens. Ainda por desconsiderar a situação de risco em que as mulheres estariam envolvidas e não visar os direitos humanos e cidadania das mulheres. Além disso, tem como referência o projeto de promotoras legais populares, sem que se especifique a metodologia de formação.

6. Defendemos uma mudança que torne a Polícia garantidora de direitos e não perpetradora de violações. Isso implica ações em grande escala no campo educativo e na forma de sua organização e administração. Requer a integração das instituições policiais e a desmilitarização da Polícia Militar, a imediata regulamentação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e a construção da Lei Orgânica da Polícia Civil em conformidade com esses princípios.

7. Propugnamos que seja dada ênfase às ações preventivas na atividade policial, construindo indicadores confiáveis e unificados, dada a precariedade dos dados disponíveis hoje.

8. Instituir medidas de monitoramento e enfrentamento à violência policial, como o fenômeno persistente da prática da tortura nos estabelecimentos prisionais e unidades de internação, execuções sumárias e extermínios praticados por policiais. É preciso definir metas de redução e eliminação dessas práticas e do grau de letalidade na atividade policial, para que o medo e a desconfiança sejam substituídos pela esperança de que a polícia seja defensora de seus direitos.

9. Propomos que sejam criadas condições para a transparência dos indicadores de implementação do Pronasci. Deve ser dada visibilidade inclusive à aplicação dos recursos em ações capazes de inibir os fatores geradores da violência, como as políticas sociais, habitacionais, educacionais e de geração de emprego.

10. Propomos seja explicitada e garantida a participação da sociedade civil na formulação, gestão e monitoramento do Pronasci e do Sinase, visando a garantia do controle social. Foi constatada a ausência de participação das organizações da sociedade civil no processo de construção do Pronasci.

11. Reivindicamos a garantia do papel interlocutor, para a tomada de decisões, das entidades da área de direitos humanos, que há anos lutam, contribuem e refletem sobre a segurança pública e a justiça.

12. Propomos a integração e o fortalecimento do sistema de proteção, composto pelos Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita), Serviço de Proteção ao Depoente Especial (SPDE), Réu e Ré colaboradores, Programa Nacional de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Centro de Referência de Direitos Humanos e Combate à Homofobia, Centro de Apoio a Vítimas de Violência (Ceavs), Programa de Proteção ao Adolescente Ameaçado de Morte (PPCAM), sem prejuízo da criação de novas ações, como instrumentos necessários para a implementação do Pronasci.

13. Defendemos que a humanização e a reformulação do sistema prisional sejam condições fundamentais para uma política de segurança pública e de justiça com cidadania. É preciso reduzir a alta reincidência criminal dos egressos e egressas, assegurando aos apenados e apenadas dignidade, alternativas profissionais e acesso à educação. Igualmente, é preciso romper com a idéia de que a privação da liberdade é a única solução para a violência e a criminalidade, criando-se as condições para a aplicação de penas alternativas e alternativas às penas.

14. Defendemos a efetiva implementação do Sinase, incluindo a disseminação de experiências bem-sucedidas de atendimento integrado às e aos adolescentes em conflito com a lei, municipalizando-se a execução dessas medidas. Para tanto, recomendamos a atuação conjunta dos órgãos da Justiça, sociedade civil e instituições de assistência social, educacional e de saúde.

15. Defendemos a instituição e a normatização do controle externo e interno das polícias, por meio de ouvidorias e corregedorias, com participação da sociedade civil, autonomia de gestão e orçamento próprio.

16. Reivindicamos aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, aos presidentes e relatores das Comissões competentes agilidade na tramitação e votação do Pronasci, do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), da reforma do Judiciário, da PEC 487/2005, que fortalece a Defensoria Pública e do Projeto de Lei que estabelece procedimentos de persecução penal nos casos de tortura e que considere as propostas deste Encontro.

17. Repudiamos o emprego da violência de forças policiais contra os movimentos sociais, combatendo com veemência a criminalização contra defensoras, defensores e movimentos, garantindo assim o direito de manifestação, organização, denúncias e de resistência.

18. Cobramos do Poder Judiciário uma Justiça célere e cidadã, que tenha a agilidade necessária para evitar a impunidade, elevando o padrão de acesso à Justiça e que tenha as portas abertas às classes populares. Nesse sentido, é preciso reconhecer e valorizar experiências de formação alternativas como a das Promotoras Legais Populares, Agentes Jurídicos Populares, entre outros. Igualmente, experiências de mediação de conflitos, justiça comunitária e restaurativa. 19. Defendemos a valorização e a autonomia das Defensorias Públicas da União e de todos os Estados, ênfase na atuação do Ministério Público como defensor da sociedade e dos direitos humanos, autonomia das instituições de perícia em relação às organizações policiais.

20. Cobramos do Ministério da Educação e das instituições universitárias uma mudança de paradigma na formação dos profissionais, para que sejam incorporados conhecimentos e práticas que fortaleçam o processo democrático contemporâneo, na perspectiva dos direitos humanos.

21. Defendemos uma política de segurança pública e de justiça verdadeiramente cidadãs, com participação popular na sua formulação e implementação, com respeito incondicional aos direitos humanos. Uma política de segurança pública e uma Justiça compatíveis com os avanços democráticos que o Brasil está conquistando significa transformá-las em espaço de garantia de direitos humanos. Brasília, 26 de setembro de 2007.

Segurança Pública e Direitos Humanos

Apresentação

Este ano não haverá Conferência Nacional de Direitos Humanos, pois a partir de 2004 ficou definido que as mesmas se realizarão a cada dois anos e conforme propostas das mais diversas organizações de Direitos Humanos nos anos em que não acontecem as Conferências devem se realizar Encontros Nacionais de Direitos Humanos, assim sendo o 2° Encontro Nacional de Direitos Humanos terá como tema central Segurança Pública e Acesso a Justiça e será realizado no Auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados, nos dias 25 e 26 de Setembro de 2007.

O MNDH, visando garantir o processo de discussão anterior ao encontro, orienta suas entidades/movimentos filiadas a realizarem audiências públicas nos Estados e para nortear as discussões elaborou este texto, o qual intercala aspectos recentes com textos anteriormente elaborados.

Introdução

O Termo Segurança Pública tem vários sentido; significa 1. uma situação de qualidade de vida no sentido de segurança de vida e cidadã, em todos os sentidos de direitos humanos, valorizando a pessoa humana, as comunidades e a sociedade civil em geral perante o papel do estado (ONU: human security – segurança humana/Relatório do PNUD 19941 etc.); 2. um direito, um dever e uma responsabilidade do Estado Democrático de Direito. 3. uma ordem pública e um sistema de ordem pública baseada nos princípios, direitos e garantias básicas da Constituição, isto é, nos direitos humanos e 4. o sistema das forças das polícias e dos guardas municipais como órgãos de promover esta ordem e garantir a preservação desta ordem na medida em que ela já está estabelecida. O conceito de Segurança Pública é abrangente e os significados acima descritos ainda que um tenha haver com o outro, mas não podem ser misturados, pois ajudam a ter um entendimento necessário do assunto.

No texto a seguir consideramos fundamental não misturar os significados 1, 2 e 3 com o significado 4. Logo tentaremos distinguir o significado 4 por expressões como os órgãos da segurança pública, as forças da segurança pública, as forças públicas de segurança, os operadores diretos da segurança pública, as polícias e os guardas – ou (resumindo somente por) as polícias, o sistema das polícias, o sistema das forças da segurança pública.

Contexto

Refletir sobre segurança nos remete à idéia de tranqüilidade, de paz, vez que estes dois estados só são possíveis de realizar quando as pessoas vencerem o medo, o pavor e construírem uma rede de relacionamentos baseadas numa nova cultura de direitos humanos, que tenha como parâmetro a dignidade humana.

Entretanto, diante da realidade sem justiça social, marcada pela violência, pela corrupção, pela impunidade, pelo crime organizado, a sensação que temos é de que embora o Brasil tenha leis avançadas, elas não são cumpridas. Em que pese o Brasil ser, desde a proclamação da Constituição Federal (CF) do 5 de outubro de 1988, Estado Democrático de Direito, o que constatamos e sofremos é com a proliferação de todos estes tipos de violência e irregularidades, é cada vez mais a falta de segurança publica no sentido de segurança de vida da população em geral. Como conseqüência a este estado vem a descrença que conduz a sociedade a aderir à lógica da segurança privada, à defesa do recrudescimento de medidas repressivas (chegando à defesa da pena de morte), à diminuição da idade penal, à efetivação da justiça com as próprias mãos, ao linchamento, às vinganças particulares, ao aumento de penas (apodrecer na prisão), à eliminação imediata dos considerados "não cidadãos" e até mesmo ao sentimento de "se puder matar, nem precisa prender". É o sentimento e lógica da barbárie.

Os exemplos de comportamento violento acima citados, que foram historicamente construídos, têm raízes na desigualdade e exclusão social e econômica a que está submetida a maioria da população brasileira, na cultura machista, que discrimina mulheres e pessoas com orientação sexual diferenciada da heterosexualidade, no racismo, na discriminação contra idosos e pessoas com deficiência, na não aceitação do protagonismo infanto-juvenil, na violência e abuso sexual contra crianças e adolescentes.

Os operadores diretos da segurança pública – policiais, guardas municipais e agentes penitenciários – atuam neste contexto social, onde as pessoas da classe média para cima e os próprios funcionários têm medo dos pobres, negros, jovens e moradores dos bairros periféricos, aceitando e inclusive justificando a violência dirigidas a estes estratos sociais. No entanto, deve-se relevar que a violência com a qual às camadas pobres [da sociedade] sofrem, em virtude da falta de segurança pública e de cidadania para eles, é muito pior. Temos cemitérios em bairros pobres, onde mais da metade dos enterrados são mortos por violência, em particular os jovens. Trata-se tanto de violência estrutural cujas vítimas os habitantes das periferias urbanas, como excluídos dos direitos humanos sociais, culturais e econômicos são, quanto de violência pessoal em conseqüência de uma vida desvalorizada, desestruturada e frustrada, sem perspectiva de futuro, bem como da violência das próprias forças de segurança pública do Estado, responsáveis da preservação da ordem pública.

Chegamos à questão: No Brasil, qual é a ordem pública em vigor no tocante à segurança de vida, à segurança dos direitos da cidadania, direitos humanos para todas as pessoas?

Conquistamos a criação de um Estado Democrático de Direito, mas a implantação deste Estado continua como tarefa fundamental, pois o processo – de colocar os seus princípios e deveres, bem como seus direitos e garantias fundamentais em prática – andou, em todos estes anos desde 1988 muito lentamente e, em algumas áreas nem um passo foi dado. Na questão da segurança pública como direito de todas as pessoas e como serviço da "preservação da [nova] ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio" CF 88 – art.144 contamos com diversos retrocessos e situações contrárias ao que a Constituição Federal determina. Outro exemplo de descumprimento da CF de 88 é no tocante aos objetivos fundamentais da República, em seu artigo 3º: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. E que se relaciona com o art. 4º, pela prevalência dos direitos humanos e pela defesa da paz. A violência cresce cada vez mais ao passo que os princípios, direitos, deveres e garantias fundamentais consagrados pela CF 88 retroagem.

A história da Segurança Pública

A CF/88 define, em seu art. 144 que as polícias federais e estaduais e também os guardas municipais são os órgãos pelo qual o Estado exerce a segurança pública a qual representa "dever do estado, direito e responsabilidade de todos para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio". Neste sentido, o entendimento é que as polícias e os guardas precisariam realizar estas tarefas à luz e em colaboração com os princípios, direitos e garantias fundamentais previstos nos títulos I e II desta Constituição.

Então, porque os operadores da segurança pública na sua grande maioria não têm ainda essa visão? Primeiro porque em sua constituição histórica e tradicional, as forças da segurança foram concebidas para garantir proteção individual em geral para pessoas abastadas economicamente.

Essas faziam o uso das milícias privadas, as quais eram constituídas de acordo com as posses, habilidades e capacidade da pessoa, família ou instituição a ser protegida, portanto, baseada no patrimônio, sendo legal o uso do saque e a cobrança pelos serviços prestados. No estado moderno as forças de segurança passaram da responsabilidade do privado para a responsabilidade pública.

Entendendo como público no sentido de que quem paga os serviços são os impostos pagos pelos cidadãos e cidadãs, contudo a forma de atuar permanece a serviço da proteção dos interesses dos mais ricos e de seu patrimônio. A destinação pública, no sentido da proteção da vida e cidadania para todas as pessoas, é ainda uma previsão e não realidade.

Ao longo da história o sistema de segurança foi imbuído dessa deformação, que se manifesta na herança que privilegia a defesa do patrimônio, da propriedade privada, contra os despossuídos. Ao longo da história também se volta contra aqueles que lutam por igualdade, por desconcentração de terra, de riquezas, pois estes ameaçam o objeto da proteção.

No Brasil temos um outro fator importante a ser considerado na analise histórica, o período de ditadura militar que durou cerca de 25 anos, deixando marcas profundas nos operadores do sistema de segurança.

As polícias estaduais passaram a ser órgãos auxiliares das forças federais, estas últimas tinham a missão da repressão política, foram criados centros de inteligência e células de combate à subversão, e as policias militares passaram a ser treinadas dentro dessa lógica, orientadas nos mesmos princípios e métodos (tortura e violência), preparadas para enfrentar como inimigo qualquer pessoa que pudesse criar problemas – "O inimigo é quem não é nosso amigo".

Outros problemas da Segurança Pública

Além do quadro social favorável à repressão e da idéia de dominação no seio dos operadores do sistema de segurança, temos ainda a questão da impunidade e da corrupção, isto é, ainda hoje a impunidade é marcante, é a mesma impunidade que caracterizou o período da ditadura militar, e anistiou aqueles que praticaram atos violentos contra os denominados comunistas, como também justifica a pratica da corrupção, voltando à prática do saque, ou seja, o operador do sistema de segurança cobra, apresenta um preço a mais para fazer trabalho porque seus salários não são suficientes para desenvolver sua função de polícia de forma honesta.

Nesse contexto de medo, de vícios, de revolta, de desesperança no meio da população floresce o domínio do crime organizado, considerada a mais poderosa "indústria" do planeta, que na falta de investimento adequado do Estado em políticas públicas, implanta a ditadura do medo, onde o(a) cidadão(a) não tem liberdade nem de expressão. O crime organizado usa dos operadores da segurança, que levados pelo desejo de melhorar sua renda, pelo sentimento de inferioridade econômica, prestam serviço ao mais forte economicamente, no caso ao crime organizado. Prática que é exercida tanto por delegados, como por patrulheiros, como por soldados, independe de hierarquia e patentes. É uma desagregação moral, ética e funcional.

Tentando Construir uma Nova Cultura de Segurança

É também neste cenário que os vários atores organizados da sociedade civil precisam atuar para resgatar os princípios definidos pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 1789, no seu artigo 12 "A garantia dos direitos do homem (mulher) e do cidadão (ã) necessita de uma força pública: essa força é, pois, instituída em proveito de todos e não para a utilidade particular daqueles a quem for confiada".

A Declaração coloca como razão de existência da força pública de segurança a garantia dos direitos humanos. Portanto os operadores do sistema de segurança devem ser promotores de direitos humanos de todos(as), para garantir a Segurança Pública como ordem que é fundamental para segurar e elevar a qualidade de vida de todos(as), para promover a igualdade, para ampliar o espaço de cidadania, para a superação do medo, do ódio, da falta de respeito, para a superação da lógica da vingança, da resolução de conflitos pela própria força, da hostilidade, da prática da tortura, vez que temos convicção que todos estes conflitos, "tornam-se violentos a partir do momento em que perdem a possibilidade de serem resolvidos politicamente e se convertem em enfrentamento de força2", portanto precisamos desenvolver programas de mediação de conflitos para vencer a lógica da violência como elemento natural.

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