segunda-feira, 14 de julho de 2008

África e o Português Brasileiro

A voz de Moçambique

Escritor africano lança novo livro e diz que a existência do português brasileiro foi fundamental para a auto-estima do povo moçambicano

(Luiz Costa Pereira Junior)

É uma metáfora poderosa a de que o escritor se anula ao criar uma história e volta a ser sombra quando a conclui. Essa imagem está em Terra Sonâmbula, o primeiro romance de Mia Couto, escrito há mais de quinze anos em Moçambique, e espelha o tom de respeito que o escritor dá à voz do outro, seja ele um povo desconhecido, seja um personagem de ficção.

António Emílio Leite Couto diz que desfia suas histórias quando presta atenção às figuras que inventa. Imagina o que diriam, quais seriam suas reações numa situação, o que diriam na intimidade, o que as levaria a agir. Esses movimentos, Couto os descobre devagar, que os sons da guerra ainda ecoam em sua mente, e a libertação de Moçambique do domínio português é recente, coisa de 1975. "Sou mais velho que meu país", diz.

Em junho, Mia Couto lançou no Brasil seu novo romance, Remédios de Deus, Remédios do Diabo (Companhia das Letras), uma viagem exploratória sobre a identidade e a velhice. Nascido em 1955, ele é biólogo e jornalista. Vive num país em que o português é língua materna de apenas 10% da população, lançam-se no máximo 40 livros por ano e há não mais de 11 livrarias, uma das quais em sua cidade natal, Beira.

Com o novo romance, são cinco as obras de Couto editadas no Brasil, um dos 21 países que o publicam. A mais célebre delas ainda é Terra Sonâmbula, seu romance de estréia, um primor de prosa poética em que conta uma história dentro de outra, como uma récita de contos.

Nesta entrevista, feita em São Paulo duas semanas após concluir o novo romance, em março, ele afirma que o povo moçambicano vivia o recalque de sentir que falava um português "errado" até perceber a experiência libertadora que é a brasileira. "O Brasil mostrou que não há português puro, e isso nos afirmou a identidade da língua portuguesa moçambicana."

Para Mia Couto, os moçambicanos aprenderam que, com o açúcar da sonoridade africana, o português, com eles, não é de má qualidade. Ganha antes elasticidade. E mais alegria.

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Língua Portuguesa, ed. 33, jul. 2008.

O texto integral da entrevista está disponível em:
http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11551

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