sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Desumanidade e degradação do ser humano

Desumanidade e degradação do ser humano

1.450 escravos da cana


CELSO MARTINS
REPÓRTER


Depois da libertação de 350 trabalhadores, no dia 1º, a Polícia Federal será acionada pela Procuradoria do Trabalho para investigar a contratação de 1.100 lavradores usados na colheita de cana-de-açúcar em regime de escravidão, em propriedades do Triângulo Mineiro. Em uma operação realizada nos dias 30, 31 de agosto e 1º de setembro em Limeira do Oeste, a 854 quilômetros de Belo Horizonte, foram resgatados 350 trabalhadores em condições subumanas. Aliciados nos estados do Nordeste e em cidades do Norte de Minas, eles eram obrigados a pagar R$ 180 pela alimentação e R$ 50 pelo alojamento. Cada lavrador recebeu R$ 6 mil em média de indenização trabalhista, além das despesas de retorno às cidades de origem, que foram arcadas pelos agricultores.
A Procuradoria do Trabalho, que comandou a operação em Limeira do Oeste, determinou o pagamento de R$ 2 milhões em indenizações aos lavradores. Os patrões foram obrigados ainda a pagar R$ 13 de indenização por danos morais por cada dia trabalhado em regime de escravidão. Além disso, foi aberto inquérito policial para apuração da responsabilidade criminal pela contratação dos trabalhadores. De acordo com o relatório da Procuradoria, que será enviado hoje para a Polícia Federal, os ônibus que eram usados para transportar os lavradores estavam em péssimas condições, alguns com os vidros das janelas quebrados, sem os freios e dirigidos por motoristas inabilitados.
O procurador do Trabalho Fábio Lopes Fernandes, que comandou a fiscalização, afirma que foi formado um condomínio no Triângulo Mineiro por cinco produtores de cana-de-açúçar. Eles usavam a mão-de-obra dos lavradores que ficavam em alojamentos de Limeira do Oeste para fazer a colheita nas cidades de Carneirinho, Iturama e União de Minas. Por metro linear de cana colhida, eles recebiam de R$ 0,09 a R$ 0,31 e eram obrigados a cumprir uma jornada de até 12 horas diariamente.
De acordo com o procurador, a promessa dos aliciadores era de um ganho mensal de até R$ 1 mil por mês, mas a maioria recebia cerca de R$ 400. Além das despesas de alimentação e moradia, os patrões descontavam nos salários até o colchão que era fornecido, cerca de R$ 80. Além disso, eles recebiam vales de papel que podiam ser usados somente nos supermercados indicados pelos produtores. Todos esses descontos entraram no cálculo da indenização.
Na operação realizada em Limeira do Oeste, que envolveu cerca de 30 homens da Polícia Rodoviária Federal, auditores do Trabalho e da Procuradoria do Trabalho, foram encontrados dois adolescentes, de 16 e 17 anos, o que é proibido pela legislação trabalhista pelo fato de a colheita da cana-de-açúcar ser considerada uma atividade degradante. «Nos alojamentos, os alimentos eram guardados no chão, não havia água potável, as pessoas dormiam no chão, além das condições de higiene precárias, com banheiros sujos e improvisados», lembrou o procurador.
A Procuradoria da República vai realizar uma nova operação para tentar localizar os 1.100 lavradores que estariam trabalhando em regime de escravidão. A data não foi divulgada para não atrapalhar as investigações. No dia 27 de setembro, acontece uma audiência pública em Iturama, promovida pela Procuradoria do Trabalho, para convencer os prefeitos da região e produtores de cana-de-açúcar a acabar com o trabalho escravo.
«A legislação não proíbe a contratação de trabalhadores de outros estados para a colheita. O agricultor precisa comunicar a Delegacia Regional do Trabalho a contratação, e só depois da assinatura do contrato de trabalho, feita na cidade onde a pessoa mora, com todos os direitos no papel, é que eles podem viajar para o local da colheita», explicou o procurador.

Só neste ano, 72 operações do Ministério do Trabalho

Os auditores do Ministério do Trabalho resgataram, só neste ano, em todo o país, 3.450 pessoas que estavam trabalhando em regime de escravidão. De janeiro a 12 de setembro deste ano foram 136 propriedades fiscalizadas em 72 operações. No ano de 2006, 3.417 lavradores foram encontrados nas lavouras do país em condições subumanas em 209 fazendas. No ano passado, foram 109 operações realizadas pelos auditores fiscais.
Em Minas Gerais, 18 trabalhadores foram resgatados de fazendas de plantação de café e em carvoarias localizadas nas regiões Norte e Centro-Oeste do Estado em 2007. O fazendeiro Joaquim Cândido Alves Moreira foi preso no dia 21 de março deste ano em Buritizeiro, no Norte de Minas Gerais, acusado de usar mão-de-obra escrava em suas propriedades. As investigações começaram em setembro de 2004, quando quatro trabalhadores denunciaram o regime de escravidão a que eram submetidos. As denúncias foram apuradas pela Polícia Federal (PF) de Montes Claros.
De acordo com o inquérito da PF, os trabalhadores foram contratados para trabalhar na carvoaria da Fazenda Remanso do Fogo, em Santa Fé de Minas. Além de não receber as quantias combinadas, foram impedidos de ir embora, já que deviam as despesas de transporte, colchão e alimentação.
Em agosto de 2006, os fiscais da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) encontraram 24 trabalhadores em regime de escravidão em uma fazenda na cidade de Luz, Centro-Oeste do Estado. Eles eram do Ceará e foram aliciados para trabalhar na colheita do café. Segundo os fiscais, foram encontradas irregularidades como falta de registro, alojamentos precários, falta de água potável e dívidas dos trabalhadores por compra de alimentos.
De acordo com a chefe do Setor de Fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho em Minas, Doralice Lisboa, todos os trabalhadores resgatados em regime de escravidão recebem o seguro desemprego por um período de cinco meses. Segundo Doralice, em Minas os setores que mais usam mão-de-obra escrava são de plantação de morango, de eucalipto para produção de carvão, café e cana-de-açúcar.


QUEBRANDO AS CORRENTES
Combate ao trabalho escravo no Triângulo Mineiro

Limeira do Oeste - Triângulo Mineiro - 834 quilômetros de Belo Horizonte. Cidade onde ficava o alojamento que abrigava 350 trabalhadores do Norte de Minas e do Nordeste do Brasil que foram aliciados para a colheita da cana-de-açúcar.

Trabalhavam nas cidades de Limeira do Oeste, Iturama, Carneirinho e União de Minas, todas no Triângulo.

Recebiam cerca de R$ 400 por mês. A promessa era de R$ 1 mil mensais. Por metro linear de cana colhida, recebiam de R$ 0,09 a R$ 0,31.

Eram obrigados a pagar em média todos os meses R$ 180 pela alimentação e R$ 50 pelo alojamento. Para a compra de alimentos, era dado um vale-compra de papel que podia ser usado em supermercados indicados pelos patrões. Pagavam ainda R$ 80 pelo colchão.

A indenização para cada trabalhador foi de R$ 6 mil em média. Os auditores do Trabalho incluíram nos cálculos todos os direitos trabalhistas, os valores pagos referentes à alimentação e moradia, além de R$ 13 por danos morais por cada dia de trabalho escravo.

Os patrões foram obrigados a pagar as despesas de transporte para as cidades de origem de cada trabalhador, além da alimentação durante a viagem de retorno.

Fonte: Procuradoria do Trabalho em Uberlândia

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