quinta-feira, 12 de julho de 2007

O comércio internacional de biocombustível

O comércio internacional de biocombustível

Ana Candida Echevenguá *

Adital -
1. Os números do Etanol
No Brasil, a adição de álcool anidro à gasolina remonta aos anos 30. Mas os investimentos maciços do governo neste setor ocorreram nos anos 70, com a criação do Proálcool - Programa Nacional de Álcool.

Para o sucesso deste Programa, o governo criou incentivos para aumentar a produção e fornecimento do álcool:

- linhas de crédito subsidiadas para estimular a expansão da área agrícola e das capacidades industriais,

- sistema de proteção contra as importações,

- venda de carro a álcool a preços baixos,

- investimento em pesquisas cientificas para a melhoria do processo produtivo da cana e para as tecnologias dos motores.

E fechou os olhos às ilegalidades que os produtores estivessem cometendo: destruição do meio ambiente, descumprimento de leis trabalhistas, perdão de dívidas:

- os jornais do mundo estão mostrando a recente libertação de 1.108 trabalhadores escravos em um canavial no Pará; em 2005, foram libertadas mais de 1.200 pessoas no MT, a maior operação de libertação de trabalhadores escravos já ocorrida no Brasil. Até então, o título estava com a Bahia, quando, em 2003, 745 foram libertados;

- em janeiro de 2007, uma negociação realizada entre o Banco do Brasil e cerca de 20 usineiros resultou no perdão de uma dívida de mais de R$ 1,0 bilhão, conforme artigo publicado na Folha de São Paulo (14/01/2007).

Hoje, o plantio nacional de cana-de-açúcar ocupa 5,6 milhões de hectares (cerca de 65% da produção nacional de cana concentra-se em S).

Até 2010, está área será ampliada em mais de 3 milhões de hectares. Com isso, está prevista a implantação de mais de 90 usinas produtoras de açúcar e álcool no centro-sul do País que irão consumir aproximadamente 570 milhões de toneladas de cana-de-açúcar e dobrar a produção de 15 para 30 bilhões de litros de álcool até 2011. Haverá um excedente exportável de 10 bilhões de litros.

Quem está por trás desta expansão?

Estrangeiros e brasileiros estão investindo na cana-de-açúcar no Brasil, movidos pela sede global pelos biocombustíveis após as decisões políticas para redução do aquecimento global.

O etanol foi eleito porque tem um índice energético médio de dez, ou seja, gera dez vezes mais energia do que consome em sua produção, dependendo da topografia, clima e solo da região cultivada.

O investidor George Soros, por exemplo, está investindo 900 milhões de dólares na construção de três novas usinas de etanol no Mato Grosso do Sul.
Segundo ele, "o mercado interno tem demanda considerável para receber a oferta, mas a grande oportunidade está em oferecer o etanol para o resto do mundo".

O jornal britânico Financial Times disse que seremos uma "Arábia Saudita verde, fornecendo ao mundo uma nova alternativa aos combustíveis fósseis" e impulsionados também pelo mercado interno com a indústria de veículos flex.

2. Comércio internacional de biocombustíveis

Ainda não há o mercado mundial dos biocombustíveis. Atualmente, as exportações de álcool da Petrobrás somam 150 milhões de litros por ano, dos quais cerca de 120 milhões são vendidos para a Venezuela. Há pouco, a empresa vendeu uma pequena carga de etanol para o Japão (73 mil litros) para avaliar as condições logísticas e os procedimentos burocráticos para a exportação em grande escala.

Mas esta situação deve mudar. O Brasil aventa ocupar um papel importante na nova política energética da UE - União Européia, que aposta nos biocombustíveis para reduzir a dependência do petróleo e o aquecimento global.

Entre 2002 e 2004, 25% do biocombustível importado pela UE saiu do Brasil (cerca de 9.376 hectalitros).

3. Entraves ao biocombustível brasileiro

A UE - União Européia precisa ampliar a importação de biocombustíveis. Mas vai exigir - dos produtores em geral - padrões socioambientais rígidos (proteção ao meio ambiente e aos trabalhadores). "Não podemos incentivar a produção na UE de biocombustíveis com fraco desempenho quanto ao gás carbônico se podemos importar biocombustíveis mais baratos e menos poluentes" - disse Peter Mandelson, Comissário do Comércio da UE.

Há, portanto, uma série de barreiras externas que não devem ser ignoradas.

a. O consumidor europeu é exigente e rejeita produtos cuja produção esteja vinculada a trabalho escravo, a lavagem de dinheiro, a desmatamento de áreas protegidas (no caso em pauta, a Amazônia)...

b. Desde que os biocombustíveis se tornaram os "salvadores do Planeta" vieram à tona os problemas socioambientais no sistema de produção do etanol como o trabalho escravo e infantil nos canaviais brasileiros.

c. Futuramente, os biocombustíveis brasileiros terão as mesmas barreiras não-tarifárias (econômicas, sanitárias, ambientais e logísticas) aplicadas às commodities brasileiras como a carne bovina e suína.

d. O mercado mundial carece de padrões que definam as características básicas do biocombustível. "Se a Europa aceitar 0,2% de água no álcool anidro e os EUA, 0,5%, essa diferença pode ser importante e pode não ter a commodity", opinião de Marcos Jank, presidente da Unica, entidade da indústria de cana-de-açúcar em São Paulo.

Repito, a UE não vai comprar produto de lavouras coniventes com trabalho infantil e escravo, desmatamento, plantio de transgênicos... A Alemanha já afirmou que vai exigir certificação dos biocombustíveis importados. E esta decisão vai ser acolhida pela UE, incentivada pelo lobby dos agricultores europeus, que não aceitam concorrência externa.

Mas todos os procedimentos irregulares e/ou ilegais podem ser extirpados do ciclo produtivo e de fornecimento. O Financial Times publicou que o Brasil tem capacidade de multiplicar sua atual produção de etanol "sem, por exemplo, ameaçar a floresta amazônica, onde o clima é hostil à cana-de-açúcar".

José Manuel Barroso, presidente da Comissão Européia (Poder Executivo da UE), disse que o bloco vai liderar esforços internacionais que garantam produção e consumo sustentáveis de biocombustíveis.

Espero que isso seja verdade!

O Goldman Sachs apurou que os governos precisarão investir US$ 460 bilhões até 2020 para atingir as metas recentemente estabelecidas de ampliação do uso de bicombustível (na UE, os governos querem que 5,75% de todo o combustível utilizado venha dos biocombustíveis).

4. A Primeira Conferência Internacional de Biocombustíveis

O evento, que ocorre esta semana em Bruxelas, está fomentando o debate sobre as condições necessárias para a criação e desenvolvimento do mercado internacional de produção e comércio de combustíveis alternativos ao petróleo.

O Presidente Lula está lá, lutando pelo mercado internacional do nosso biocombustível: "Os mesmos governos que estão preocupados com o desenvolvimento sustentável e com a diminuição das emissões de gases do efeito estufa não podem dificultar o processo por meio do qual os biocombustíveis se transformarão em mercadorias internacionais".

Ele deixou claro que o Brasil está comprometido com a produção sustentável dos biocombustíveis. E sugeriu que este produto seja tratado como "uma estratégia planetária de preservação do meio ambiente" já que o etanol e o biodiesel podem reduzir o fosso entre países ricos e pobres devido à sua produção em mais de 100 países da zona tropical (hoje, somente 20 nações produzem petróleo).

Conclusão

O setor dos biocombustíveis está condenado a se adequar às regras do jogo ou não obterá espaço no mercado internacional.

Por isso, cabe ao Brasil, como líder das exportações mundiais de biocombustíveis:

- regulamentar a produção, exigindo e fiscalizando o cumprimento das leis aplicáveis a este setor e

- desenvolver um sistema de certificação internacional que, além de apurar a qualidade físico-química do produto, apure a qualidade de toda a cadeia de produção, inclusive com avaliação socioambiental. O Inmetro e a Petrobras já estudam o assunto.

Tanto o cumprimento da lei como a certificação implica ônus às empresas. Mas, com certeza, esses investimentos serão compensados pelo resultado das exportações.

* Advogada ambientalista. Coordenadora do Programa Eco&ação

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